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Populismo vai crescer à boleia da "ausência de debate" sobre imigração

O investigador José Pedro Zúquete prevê o crescimento do extremismo populista em Portugal, ancorado na "ausência de debate" sobre as políticas de imigração e nacionalidade que aumenta a ideia de que "o povo perdeu o controlo do seu próprio destino".

Populismo vai crescer à boleia da "ausência de debate" sobre imigração
Notícias ao Minuto

13:37 - 03/04/22 por Lusa

País Tese

No livro 'Populismos - Lá fora e cá dentro', agora publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, o investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa defende que "continua a faltar um debate sobre outros possíveis impactos da adoção da tríade composta por um modelo de sociedade multiculturalista, pelas imigrações em massa e pela liberalização das leis da nacionalidade" e "seria necessário um pensamento alternativo".

José Pedro Zúquete considera que "pode falar-se a este respeito numa exceção portuguesa, em comparação com outros países da Europa", que cria condições para o "crescimento de movimentos que falem de uma soberania popular confiscada por elites antidemocráticas que impõem, de cima, um modelo de sociedade que, na perpetiva destes movimentos, rouba ao povo o direito à autodetrminação e à escolha do tipo de comunidade que querem ser no futuro".

A "despreocupação política relativamente às reações negativas às políticas de imigração" dá espaço ao populismo, sobretudo porque estas "são vistas e promovidas como essenciais à renovação demográfica do país numa perspetiva utilitária e economicista, daí a insistência nos recursos humanos, na mão-de-obra, na sustentabilidade da segurança social, em resumo, nos novos contribuintes".

"No entanto - continua - assume-se sempre uma lógica quantitativa e indiscriminada relativamente quer aos países de origem desses imigrantes quer às suas qualificações, sem se pensar no impacto e na sustentabilidade laboral e social da adoção de um modelo económico apoiado numa elevada imigração, em mão-de-obra pouco qualificada e em baixos salários".

Para o investigador universitário, levanta-se a questão de "saber até que ponto o avanço da liberalização da lei da nacionalidade corresponde à opinião da maioria dos portugueses, ou seja, em que medida estas alterações são ou não representativas do que a maior parte dos cidadãos considera importante na definição do que é ser português"

Zúquete afirma que "essa questão permanece em aberto", mas vai buscar indicadores "apontam para uma resposta contrária a essa evolução, o que pode significar uma clivagem identitária entre as elites políticas e os cidadãos comuns".

"Esse novo 'status quo' poderá potenciar clivagens na política portuguesa com consequências no sistema partidário e nos eleitorados", adverte, apontando para um cenário que "está longe de ser uma realidade dominante, emergindo sobretudo nas redes sociais, com movimentos identitários de esquerda a digladiarem-se com os da direita, numa espiral de ódio entre alegados 'fachos' e 'esquerdopatas', com a ocasional caça ás bruxas".

Depois de citar exemplos de líderes políticos portugueses, da direita à esquerda, que em momentos diferentes têm preconizado um país aberto à imigração e à atribuição de nacionalidade, este investigador cita Eduardo Lourenço - "o planeta está em migração. África, se pudesse, passava toda para a Europa, por uma questão de sobrevivência... A Europa tem de se convencer de que está cercada" -, e conclui que é no alegado consenso político e consequente falta de debate sobre estes temas que o populismo encontra terreno para florescer.

"Onde há um vazio, há sempre a possibilidade de este ser preenchido. A ausência de equilíbrio no tratamento destas questões, de uma perspetiva que inclua pesos e contrapesos, a incapacidade de ou recusa de pensar em todo o tipo de cenários, ou sequer de admitir outra possibilidade que não seja a do consenso popular; tudo isto combinado com a falta de partidos tradicionais, ou sequer de novos partidos, que incluam uma visão geral do fenómeno na sua agenda política (por desconforto, por constrangimento, por moralidade, por ideologia ou por incúria) abre espaço a movimentos que se apropriem destes temas numa perspetiva da defesa do povo contra as elites", escreve.

Para o investigador universitário, mesmo a direita portuguesa, normalmente mais restritiva quanto às políticas migratórias, "não sente urgência de se adaptar a esta possível nova portugalidade". "O mínimo que se pode dizer é que, se esses tempos vierem, a direita não está nem preparada nem predisposta a abordar o desafio - uma vez que temas como o da imigração e da coexistência entre diferentes comunidades serão cada vez mais centrais".

Além das questões migratórias, José Pedro Zúquete antevê que o populismo continue a aproveitar também a cada vez menor diversidade de profissões dos deputados, contribuindo para uma "aura de elitização", com predomínio de juristas, advogados, professores, gestores e consultores em detrimento de trabalhadores agricolas ou operários, e com a maioria em regime de não exclusividade. Além disso, aponta ainda o "imobilismo do sistema eleitoral" que não aproxima eleitores e eleitores.

O investigador alerta ainda que depois de alcançado o "monopólio deste tema identitário, mais fácil será, sob este ângulo populista, abordar temas socioeconómicos numa perpetiva de 'nós´contra os 'outros' e numa perspetiva de vitimização de um povo abandonado e até discriminado perante a ascensão da minorias, dos seus direitos, e das suas reivindicações".

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