"Não estavam reunidas as condições mínimas de segurança operacionais para retirar as pessoas, perante as estradas que existiam. O que faltou foram hábitos que todos deveríamos ter e que deveriam estar cultivados nestas populações: hábitos de segurança para que as pessoas saibam o que fazer e que deviam ter ficado em casa", disse Carlos Guerra, no Tribunal Judicial de Leiria, onde hoje decorreu mais uma sessão de julgamento.
Os incêndios que deflagraram em junho de 2017 em Pedrógão Grande e que alastraram a concelhos vizinhos provocaram a morte de 66 pessoas, além de ferimentos a 253 populares, sete dos quais graves. Os fogos destruíram cerca de meio milhar de casas e 50 empresas.
Em outubro do mesmo ano, outros fogos na região Centro provocaram 49 mortos e cerca de 70 feridos, registando-se ainda a destruição, total ou parcial, de cerca de 1.500 casas e mais de 500 empresas.
O CODIS acrescentou que à data ainda se "pensava mais no combate e menos na prevenção". "Felizmente, hoje estamos a caminhar no sentido da prevenção. Todos somos culpados do que aconteceu. Todos mesmo. As pessoas deveriam ter conhecimento de autodefesa e ter ficado em suas casas. A GNR tinha os efetivos empenhados noutras missões e mesmo que encaminhassem as pessoas para uma estrada, sabemos que há muitas outras", salientou.
Por isso, Carlos Guerra reforçou, em resposta ao advogado Castanheira Neves, que defende o ex-presidente da Câmara de Castanheira de Pera, Fernando Lopes, que "não havia condições de segurança" para a evacuação de aldeias, além de "não ser possível avisar e chegar a todas as pessoas, residentes em locais muitos dispersos".
"Não estamos a falar só de Castanheira, mas de todos os concelhos à volta", acrescentou.
Carlos Guerra afirmou ainda que Fernando Lopes "sempre manifestou total disponibilidade para o que fosse necessário" e reconheceu o "apoio que dava aos bombeiros do concelho de Castanheira de Pera".
O comandante referiu ainda que "dada a dimensão" do incêndio de junho de 2017 "não teria feito grande diferença" a limpeza das faixas de rodagem em dez ou cinco metros. "O incêndio atravessou uma estrada de mais de 30 metros", sublinhou.
"Do que li de relatórios tratou-se de uma situação anormal. A velocidade de propagação ultrapassou todos os planeamentos", adiantou.
Confrontado com o facto de Fernando Lopes não ter reunido a comissão municipal de proteção civil para declarar formalmente o estado de emergência, Carlos Guerra desvalorizou. "As pessoas nem estariam disponíveis para a reunião, quando a situação de emergência estava a acontecer no terreno. O fundamental era dizer às pessoas, e foi feito, qual a função de casa um", afirmou.
O presidente da Câmara da Batalha, Raul Castro, que em 2017 liderava o Município de Leiria e a Comunidade Intermunicipal da Região de Leiria (CIMRL), afirmou ao coletivo de juízes que Fernando Lopes teve a 'pasta' da proteção civil.
"Foi ele que trouxe para a discussão da CIMRL a implementação das câmaras de videovigilância. Os incêndios eram uma preocupação, porque antes de 2017, a região tinha sido flagelada por muitos fogos", disse Raul Castro.
O autarca também considerou que "era extremamente complicado realizar a reunião da comissão municipal de proteção civil", até porque "não havia comunicações."
Em causa neste julgamento estão crimes de homicídio por negligência e ofensa à integridade física por negligência, alguns dos quais graves. No processo, o Ministério Público contabilizou 63 mortos e 44 feridos quiseram procedimento criminal.
Os arguidos são o comandante dos Bombeiros Voluntários de Pedrógão Grande, então responsável pelas operações de socorro, dois funcionários da antiga EDP Distribuição (atual E-REDES) e três da Ascendi, e os ex-presidentes das Câmaras de Castanheira de Pera e de Pedrógão Grande, Fernando Lopes e Valdemar Alves, respetivamente.
O presidente da Câmara de Figueiró dos Vinhos, Jorge Abreu, também foi acusado, assim como o antigo vice-presidente da Câmara de Pedrógão Grande José Graça e a então responsável pelo Gabinete Florestal deste município, Margarida Gonçalves.
O julgamento prossegue no dia 5 de abril. No mesmo mês, está previsto o testemunho da ex-ministra Constança Urbano de Sousa, que tutelava a Administração Interna à data dos incêndios de Pedrógão Grande.
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