Perante o anúncio de que a Finlândia e a Suécia pretendem apresentar candidaturas de adesão à NATO, e as ameaças de retaliação por parte do regime de Vladimir Putin, presidente russo, o jornalista José Milhazes, que foi correspondente em Moscovo durante 16 anos, apontou, em declarações à SIC Notícias, que a Rússia mostra estar “cada vez mais isolada”. Esse isolamento, por sua vez, poderá dar lugar a movimentos separatistas dentro da Federação Russa, levando, consequentemente, a uma eventual substituição do líder russo – talvez por “um pior ainda”.
Para o comentador, o isolamento da Rússia poderá “ter consequências ainda muito mais funestas”, uma vez que Putin invadiu a Ucrânia para impedir que o país se torne membro da NATO “e, a seguir, tem dois países vizinhos da Rússia, [particularmente a Finlândia,] que sempre manteve um estatuto de neutralidade e cujos habitantes sempre respeitaram muito esse acordo, mostrando que estariam dispostos a continuar, [a pedir adesão à aliança]”, começa por explicar.
“Se ele não previa uma reação destas da Finlândia e da Suécia, é outro erro trágico para Vladimir Putin”, aponta o especialista em História da Rússia, lançando que “está a sair-lhe tudo ao contrário”.
“Invade a Ucrânia, não consegue vitória nenhuma. Quer travar o alargamento da NATO, e provoca exatamente o processo contrário. Se eu fosse um patriota russo, começava a pensar que Putin pode ser um agente norte-americano a trabalhar contra a Rússia”, lançou, considerando que, se o rumo da situação prosseguir, “vamos ter uma situação muito grave – o risco de a Federação Russa se desintegrar”.
“Não conseguindo obter resultados práticos na Ucrânia, e tendo o alargamento da NATO com estes dois novos países, a elite russa, – o chamado partido da guerra –, terá de fazer alguma coisa para salvar a cara, e isso pode passar pelo afastamento de Putin. A luta pelo poder em Moscovo, tendo em conta o enfraquecimento das forças armadas devido à guerra na Ucrânia, pode provocar, dentro da própria Rússia, movimentos separatistas”, esclarece.
O jornalista adianta que, neste momento, “é difícil prever quem é que será o escolhido, se aparecer a tentação de substituir Putin”, mas que “homens dos serviços secretos”, ou até mesmo “algum militar – embora isso não seja muito tradicional na Rússia” – poderão ser considerados. Nesta linha, Milhazes realça que o problema passa pela possibilidade de alguém ainda pior do que Putin ascender ao poder.
“O problema aqui é que estamos cada vez mais perante a possibilidade de Putin ser substituído por um pior ainda, e isso pode criar vários problemas, porque a Rússia está em fuga para a frente, mas cada vez que dá um passo em frente, o resultado é desastroso”, remata.
Recorde-se que o Partido Social Democrata sueco, no poder, aprovou uma candidatura da Suécia à NATO, abrindo caminho a um pedido de adesão pelo Governo, na segunda-feira. A notícia surgiu no dia em que a Finlândia anunciou a intenção de aderir à NATO, alargando, assim, a aliança militar ocidental que conta com 30 membros.
A inversão na histórica posição de não alinhamento dos dois países escandinavos surge na sequência da invasão da Ucrânia por Moscovo, que fez mudar a opinião pública e política na Finlândia e na Suécia.
No mesmo dia, o presidente russo avisou o Ocidente de que a Rússia responderá caso a NATO comece a reforçar as infraestruturas militares da Suécia e da Finlândia, ao passo que o vice-ministro russo dos Negócios Estrangeiros, Sergei Ryabkov, reiterou que a adesão da Finlândia e da Suécia à NATO será um erro com amplas consequências que Moscovo não tolerará.
Lançada a 24 de fevereiro, a ofensiva militar na Ucrânia já matou mais de três mil civis, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), que alerta para a probabilidade de o número real ser muito maior.
O conflito causou ainda a fuga de mais de 13 milhões de pessoas, das quais mais de seis milhões para fora do país, de acordo com os mais recentes dados da ONU.
A invasão russa foi condenada pela generalidade da comunidade internacional, que respondeu com o envio de armamento para a Ucrânia e o reforço de sanções económicas e políticas a Moscovo.
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