No seu entender, também a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) sairá fragilizada deste processo e perderá poder negocial caso exista um efeito dominó que leve outros municípios a abandonar a associação.
"Se não houver negociação com o Governo, se o Governo não negociar com o Porto e com os outros municípios que saem e esses municípios não negociarem com o Governo, não é feita a transferência das competências", afirmou a consultora em Direito Público e Administrativo da Antas da Cunha Ecija, em declarações à Lusa.
"Há aqui um bloqueio e as competências não são transferidas. No fundo, há aqui um obstáculo à descentralização das competências, que se mantém no poder central", acrescentou.
Jane Kirkby salientou que as competências que não são transferidas são apenas aquelas em que há este obstáculo entre a autarquia e o Governo, nomeadamente as da Educação, Saúde e Ação Social, porque todas as outras que o Porto já aceitou desde o início deste processo, em 2019, estão transferidas.
No caso destas três áreas, em causa está sobretudo o financiamento que o Governo quer atribuir a estas competências para serem exercidas pelos municípios, sobretudo numa altura em que aumentaram os custos de alimentação escolar e dos investimentos à volta da construção para reabilitação de escolas, por exemplo, e os preços da energia - "não se considera que [o processo] foi acompanhado pela dotação orçamental certa" para os municípios.
Por outro lado, a consultora salientou que esta saída do Porto por não ver os seus interesses atendidos está a ter um efeito dominó, já que existem outros municípios a ameaçarem também sair da ANMP por não verem os seus interesses defendidos.
"Claro que a própria associação, se for perdendo os municípios, também fica aqui um bocado fragilizada na negociação, porque a certa altura, em vez de estar a negociar em nome dos 308, está a negociar em nome de 200 e tal, que podem ser os municípios com menos peso. Fica aqui também com uma margem de negociação menor", considerou.
No final de maio, a Assembleia Municipal do Porto aprovou a saída da autarquia da ANMP, por proposta do executivo presidido pelo independente Rui Moreira, por considerar que a autarquia foi mal representada pela associação nas negociações com o Governo relativamente às verbas da descentralização de competências na Educação e na Saúde.
Outros municípios, como Trofa (PSD-CDS/PP), Póvoa de Varzim (PSD), Vale de Cambra (CDS-PP), Pinhel (PSD) e Coimbra (coligação liderada pelo PSD) ameaçam abandonar ou discutir a saída da ANMP, invocando os mesmos motivos.
A ministra que tutela as autarquias, Ana Abrunhosa, reafirmou a disponibilidade "total" do Governo para o diálogo, mas reiterou que, como consta da lei-quadro da descentralização, a associação de municípios é "o interlocutor" único para negociações, "independentemente do número de municípios" que, depois do Porto, possam vir a desvincular-se da associação, fundada em 1984.
Após uma audiência com o Presidente da República, no dia 06 de junho, Rui Moreira disse que a decisão "não foi uma atitude precipitada" e afirmou que o Porto "não tem nada que negociar" com o Governo.
"Quando [a descentralização] nos é imposta na data e nas verbas, peço desculpa, não há diálogo. Na reunião que eu tive com a Associação Nacional de Municípios, no âmbito da Área Metropolitana do Porto, foi-me dito que esta era a lei que eu tinha de cumprir. Se isto é diálogo, estamos conversados", afirmou.
Rui Moreira pediu a Marcelo Rebelo de Sousa o veto do Orçamento de Estado para 2022, para que o documento volte a ser avaliado pelo parlamento e para que sejam revistas as verbas atribuídas à descentralização, mas o Presidente considerou que isso teria "um custo enorme" para o país.
A descentralização de competências do Estado Central para os 278 municípios do continente tem sido um objetivo do Governo, embora a conclusão do processo se tenha arrastado por causa da dificuldade em chegar a acordo quanto às verbas a transferir do Estado central para as estas autarquias, que as consideram insuficientes.
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