Da polémica à "desistência". Tudo sobre o (controverso) 'Caso Figueiredo'
Das acusações de "troca de favores" ao salário que o ex-diretor de Informação da TVI iria auferir, a contratação de Sérgio Figueiredo como consultor nas Finanças esteve, desde o primeiro momento, envolta em polémica. Agora, num artigo publicado no Jornal de Negócios, renunciou ao cargo e explicou os motivos. As reações não tardaram.
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País Sérgio Figueiredo
Depois da polémica 'instalada' com a contratação de Sérgio Figueiredo, ex-diretor de Informação da TVI, para o cargo de consultor no ministério das Finanças - tutelado por Fernando Medina, comentador do canal nos tempos de gestão do ex-jornalista -, exponenciada pelos valores divulgados que Figueiredo iria auferir, a 'novela' acabou esta quarta-feira.
O anúncio foi tornado público num texto publicado no Jornal de Negócios. "Para mim chega! Sou a partir deste momento o ex-futuro consultor do ministro das Finanças. Sossego as almas mais sobressaltadas de que não cheguei a receber um cêntimo, nem sequer formalizei o contrato que desde a semana passada esperava pela minha assinatura", pode ler-se num texto assinado pelo próprio.
Num artigo em que explica os seus motivos, Sérgio Figueiredo aponta que "ficou insuportável tanta agressividade e tamanha afronta, tantos insultos e insinuações" depois de ter sido convidado por Fernando Medina.
Para o também ex-administrador da Fundação EDP, "esta indignação tão generalizada e profunda só acontece quando se descobre uma terrível ilegalidade", considerando que "a desfaçatez ultrapassou todos os limites", apesar de ninguém ter falado em "qualquer ilegalidade ou irregularidade".
Sérgio Figueiredo apresenta ainda as "quatro mentiras por detrás de uma desistência", referindo que foi atacado por "não ter competências para as funções, o valor do 'salário', não ter exclusividade e a troca de favores entre o contratado e o contratante".
Sobre os alegados 'favores', salienta que é um dos argumentos mais "repetidos" e "dos mais ofensivos", defendendo que "não se provam de forma alguma, não se baseiam em factualidades, trata-se apenas e só de processos de intenções e julgamentos de caráter", criticando "uma polémica que atingiu um raro nível de ataques raivosos e agressões verbais".
"Basicamente, o raciocínio é tão primário como insultuoso: Fernando Medina quando precisava de exposição, Sérgio Figueiredo deu-lhe palco na TVI; Sérgio Figueiredo quando precisava de emprego, Fernando Medina contratou-o como consultor", atira o antigo diretor de informação da TVI, explicando que conheceu atual ministro das Finanças através do canal de televisão.
E lembrou que Medina também teve espaços de opinião no Correio da Manhã e na Rádio Renascença. "Que favores deverá Medina a Octávio Ribeiro e a Graça Franco que, tal como eu, deixaram, entretanto, de liderar aqueles projetos de informação?", questiona ainda, considerando "espantoso que, pela mais elementar regra de coerência, aquele jornal e aquela rádio repliquem e ampliem a suspeição", quando "fizeram a opção editorial idêntica".
Quanto ao salário, Sérgio Figueiredo salienta que esta questão teve "grande relevância nacional" pelos "cerca de 70 mil euros anuais, o que corresponde ao valor de 5.800 euros brutos por mês" que iria auferir e não é "mais do que ganha o próprio ministro".
"Há três formas de qualificar quem confunde uma prestação de serviços (12 meses) com o salário do ministro (14 meses): incompetência, ignorância ou perfídia. Aconteceram as três coisas ao mesmo tempo. A verdade foi tão torturada que a mentira fez o seu curso. E várias vezes corrigida. Mas renascia das cinzas com 'notícias' que deveriam envergonhar quem as fez, mas também quem as deixou publicar. Optaram deliberadamente pela mentira", realça.
Sérgio Figueiredo aborda também no texto as funções do cargo a que renunciou, contestando as "duas linhas de argumentação" que não lhe reconheciam capacidades "para qualquer espécie de intervenção no domínio das políticas públicas" e "uma alegada redundância com as missões atribuídas a vários organismos que existem no Ministério das Finanças e fora dele".
"Por ignorância ou má-fé, surgiu a conversa do 'lobbying'. Como se ouvir outras pessoas ou conhecer outras opiniões relevantes da sociedade e economia portuguesa significasse fazer-lhes a vontade. Mentes perversas viram 'Figueiredo a tratar dos 'stakeholders' de Medina', quando o foco não estava no ministro, mas nos problemas que tem a obrigação de gerir", frisa.
"Lamento profundamente a decisão"
O ministro das Finanças, Fernando Medina, emitiu, esta quarta-feira, uma declaração sobre a decisão de Sérgio Figueiredo em renunciar ao cargo de assessor. "Lamento profundamente a decisão anunciada por Sérgio Figueiredo, mas compreendo muito bem as razões que a motivaram", pode ler-se num comunicado.
"Considero que a melhoria da qualidade da decisão através do contacto regular e informado com os principais agentes económicos e sociais do país é uma necessidade específica do Ministério das Finanças, que acrescenta às avaliações já desenvolvidas por outros organismos públicos", escreve Medina, numa nota enviada às redações.
Para o ministro, Sérgio Figueiredo "reúne excelentes condições para desempenhar tais funções", e elenca-as: a sua formação em Economia; a "experiência de quase três décadas como jornalista e diretor de diversos órgãos de comunicação social", incluindo dois jornais económicos – tendo-se afirmado nessa qualidade como um dos mais destacados analistas nacionais de política económica; e a "liderança de cerca de sete anos e meio de uma fundação nacional conferem-lhe experiência e qualificações que o distinguem".
"Lamento pois não poder contar com o valioso contributo de Sérgio Figueiredo ao serviço do interesse público", termina a missiva.
Reações dos partidos (também) não tardaram
Os partidos com assento parlamentar não demoraram a reagir a esta publicação (e demissão) de Sérgio Figueiredo. O Bloco de Esquerda considerou que a renúncia era um "desfecho inevitável", que não absolve Fernando Medina de um "processo reprovável" nem o primeiro-ministro "de uma desresponsabilização inaceitável".
"O desfecho inevitável. Mostra como é possível travar os caprichos da maioria absoluta com a mobilização da opinião pública", lê-se numa publicação do líder parlamentar do Bloco de Esquerda (BE), Pedro Filipe Soares, na sua conta oficial da rede social Twitter.
O desfecho inevitável. Mostra como é possível travar os caprichos da maioria absoluta com a mobilização da opinião pública.
— Pedro Filipe Soares (@PedroFgSoares) August 17, 2022
Mas não absolve Medina de um processo reprovável, nem A. Costa de uma desresponsabilização inaceitávelhttps://t.co/MN6OQr1Ldp
Também o PCP considerou hoje que a renúncia do antigo diretor de informação da TVI ao cargo de consultor do ministro das Finanças foi o "desfecho natural" para uma decisão da tutela baseada em "critérios discutíveis".
"Ele lá saberá", reagiu o membro da Comissão Política do Comité Central do PCP João Dias Coelho, depois de ser questionado pelos jornalistas sobre a renúncia de Sérgio Figueiredo, durante uma conferência de imprensa na sede do partido, em Lisboa.
Por sua vez, o Chega considera que "há explicações que continuam por dar" após a renúncia de Sérgio Figueiredo ao cargo de consultor do ministro das Finanças, e questiona se houve "alguma espécie de troca de favores".
Em comunicado, a direção nacional do partido refere que "recebeu sem surpresa a notícia da renúncia de Sérgio Figueiredo como consultor do Ministério das Finanças", apontando que "a pressão pública e o sentimento de imoralidade do seu vencimento, perante os restantes funcionários públicos, mesmo do Ministério das Finanças, assim o ditavam".
A Iniciativa Liberal aponta que a "desistência de Sérgio Figueiredo" de um cargo no Ministério das Finanças "não apaga" a demonstração de que o "PS se confunde com o Estado" e "usa e abusa do dinheiro dos contribuintes".
"A desistência de Sérgio Figueiredo não apaga a tentativa e desejo de Fernando Medina em devolver a contratação passada. Não apaga a forma despudorada como o PS usa e abusa do dinheiro dos contribuintes. Não apaga a forma como o PS recorre aos ajustes diretos para contornar o escrutínio", lê-se numa nota da Iniciativa Liberal.
Para Inês de Sousa Real, porta-voz do PAN, "nem Fernando Medina deveria ter nomeado Sérgio Figueiredo, nem Sérgio Figueiredo deveria ter aceitado". Reagindo ao facto de Sérgio Figueiredo ter desistido do cargo de consultor nas Finanças, a deputada garante que fica clara a "importância de uma oposição e sociedade civil despertas e interventivas".
"A gestão dos dinheiros públicos exige escrutínio e responsabilidade. E o Governo não está isento de se justificar", escreveu numa publicação no Twitter.
Sérgio Figueiredo desistiu do cargo de consultor, ficando clara a importância de uma oposição e sociedade civil despertas e interventivas. A gestão dos dinheiros públicos exige escrutínio e responsabilidade. E o Governo não está isento de se justificar.https://t.co/hFfNQTdeMl
— Inês de Sousa Real (@lnes_Sousa_Real) August 17, 2022
O último partido a reagir foi o PSD, pela voz de Paulo Rangel. O vice-presidente do PSD insta Fernando Medina e António Costa a prestarem esclarecimentos. "Se como diz o ministro das Finanças, a função prevista para este contrato, é tão fundamental e essencial, por que é que o ministro esteve em silêncio todos estes dias? Porque é que nunca veio em defesa daquele que agora renunciou a poder ser parte deste contrato?", questiona.
Para Rangel, é necessário que se explique por que é que era "essencial essa função", questionando se não existia já um centro de competências para planeamento, avaliação e acompanhamento das políticas publicas. "O próprio Ministério das Finanças tem um gabinete de planeamento de estratégia, avaliação e de relações internacionais", assevera, frisando que com o assinar deste contrato, Portugal passaria a ter três entidades com as mesmas funções.
O que estava em causa?
A notícia surgiu no jornal Público do passado dia 9. O Ministério das Finanças tinha contratado o antigo diretor de informação da TVI e ex-administrador da Fundação EDP, Sérgio Figueiredo, como consultor estratégico para fazer a avaliação e monitorização do impacto das políticas públicas.
Segundo o jornal, o contrato em questão era por ajuste direto e Sérgio Figueiredo iria auferir um ordenado ilíquido equivalente ao vencimento mensal de um ministro, correspondendo a 4.767 euros. Sérgio Figueiredo teria começado a desempenhar as suas funções a 29 de julho.
Ao Público, o ministério tutelado por Fernando Medina confirmou a contratação de Sérgio Figueiredo, afirmando que o antigo jornalista iria "prestar serviços de consultoria no desenho, implementação e acompanhamento de políticas públicas, incluindo a auscultação de partes interessadas na economia portuguesa e a avaliação e monitorização dessas mesmas políticas".
O jornal avançou ainda que o contrato de Sérgio Figueiredo teria uma duração de dois anos e o antigo jornalista iria "ajudar a conceber e desenhar as políticas públicas do ministério de Fernando Medina, mas também monitorizar a sua execução e a perceção, em tempo real, que têm delas as partes interessadas".
Nascido em 1966, Sérgio Figueiredo já foi diretor do Diário Económico e do Jornal de Negócios, tendo também trabalhado para o canal televisivo RTP2. Entre 2007 e 2014 foi diretor da Fundação EDP e, entre 2015 e 2020, foi diretor de informação da TVI.
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