"Não cometi nenhum crime e por isso é que eu até hoje vim cá: para apreciar ao vivo algumas coisas que tinha ouvido dizer. Mas, até agora, ainda não falaram do processo". Foi deste modo que Luís Filipe Vieira iniciou, esta quinta-feira, as suas declarações aos jornalistas, no primeiro dia do debate instrutório da Operação Lex.
Questionado sobre se se sente enganado por Rui Rangel devido a mensagens que já foram tornadas públicas, o ex-presidente do Benfica ressalvou que estas "têm de ser enquadradas no que é que foi dito, na altura". "Nunca subornei o juiz Rui Rangel em lado nenhum e há testemunhas disso. A única coisa que havia era um recebimento que eu tinha a ter do Estado Português há mais de dez anos - e a decisão já estava tomada e tinham 20 dias para pagar, já passavam três anos e nada tinha sucedido", acrescentou.
Luís Filipe Vieira reiterou que "não cometeu nenhum crime" e que está "completamente de consciência tranquila" neste caso. "Se tiver de ir a julgamento, vou a julgamento, não tenho problema nenhum".
Já sobre se os bilhetes teriam servido como pagamento a Rui Rangel para cumprimento de algum pedido seu, o arguido foi taxativo: "Então, vou-lhe dizer. Se são bilhetes que nós [Benfica] oferecíamos por jogo, então estava toda a gente subornada pelo Benfica".
O Ministério Público (MP) defendeu hoje que o antigo presidente do Benfica deve ser julgado no processo Operação Lex, no qual é acusado em coautoria de um crime de recebimento indevido de vantagem. Na abertura do debate instrutório no Supremo Tribunal de Justiça (STJ), presidido pelo juiz conselheiro instrutor Sénio Alves, o procurador Vítor Pinto considerou que o ex-dirigente "deve ser pronunciado nos exatos termos por que se encontra acusado".
Recorde-se que o debate instrutório do processo Operação Lex, que tem 17 arguidos, incluindo o ex-juiz Rui Rangel e o antigo presidente do Benfica Luís Filipe Vieira, começou hoje em Lisboa.
A instrução do processo Operação Lex iniciou-se em setembro com a inquirição de testemunhas arroladas pelo vice-presidente do Benfica Fernando Tavares e pelo advogado Jorge Rodrigues Barroso, ambos arguidos neste processo que corre termos no STJ devido ao facto de alguns dos acusados serem juízes desembargadores.
Entre os acusados encontram-se três antigos desembargadores - Rui Rangel (expulso pelo Conselho Superior da Magistratura), Fátima Galante (ex-mulher de Rangel e aposentada compulsivamente pelo órgão de gestão e disciplina dos juízes) e Luís Vaz das Neves (ex-presidente do TRL, entretanto jubilado) -, bem como o ex-presidente do Benfica Luís Filipe Vieira, o vice-presidente "encarnado" Fernando Tavares e o empresário José Veiga.
O que está em causa neste processo?
Em causa neste processo estão os crimes de corrupção passiva e ativa para ato ilícito, recebimento indevido de vantagem, abuso de poder, usurpação de funções, falsificação de documento, fraude fiscal e branqueamento, segundo divulgou a Procuradoria-Geral da República (PGR) num comunicado em 18 de setembro de 2020.
Neste processo Luís Vaz das Neves responde por corrupção passiva para ato ilícito e abuso de poder, por alegadamente ter violado os seus deveres funcionais de isenção e imparcialidade com a ordenação da distribuição manual de processos, permitindo que Rui Rangel obtivesse benefícios económicos ilegítimos.
Rui Rangel está acusado de corrupção passiva para ato ilícito, abuso de poder, recebimento indevido de vantagem, usurpação de funções, fraude fiscal e falsificação de documento.
A juíza desembargadora Fátima Galante foi acusada de corrupção passiva para ato ilícito em coautoria com o ex-marido Rui Rangel e de abuso de poder também com Rui Rangel.
Bruna Garcia do Amaral, ex-namorada de Rui Rangel, responde por crimes de fraude fiscal e de branqueamento de capitais juntamente com aquele ex-juiz e com o advogado José Santos Martins.
Quanto a Luís Filipe Vieira, a acusação imputa-lhe a prática um crime de recebimento indevido de vantagem em coautoria com Fernando Tavares e com o advogado Jorge Rodrigues Barroso.
O funcionário judicial Octávio Correia e a sua mulher, Elsa Correia, são outros dos vários arguidos do processo.
A investigação da Operação Lex, que foi efetuada pela procuradora-geral adjunta junto do STJ Maria José Morgado (entretanto jubilada), centrou-se na atividade desenvolvida por Rui Rangel, Fátima Galante e Luis Vaz das Neves -- que, segundo a acusação, utilizaram as suas funções na Relação de Lisboa para obterem vantagens indevidas, para si ou para terceiros.
Segundo uma nota da PGR acerca da acusação, para que fosse garantido o pagamento das vantagens obtidas pelos acusados, num montante superior a 1,5 milhões de euros, foi na altura requerido o arresto de património.
Enquanto decorria a investigação, o Conselho Superior da Magistratura decidiu expulsar Rui Rangel e colocar Fátima Galante em aposentação compulsiva. Luís Vaz das Neves jubilou-se em 2016 e foi substituído na presidência do Tribunal da Relação de Lisboa por Orlando Nascimento, que também já abandonou o cargo de presidente daquele tribunal superior.
O processo Operação Lex foi conhecido em 30 de janeiro de 2018, quando foram detidas cinco pessoas e realizadas mais de 30 buscas e teve origem numa certidão extraída do caso Operação Rota do Atlântico, que envolveu o empresário de futebol José Veiga, suspeito de crimes de corrupção no comércio internacional, branqueamento de capitais, fraude fiscal e tráfico de influências.
[Notícia atualizada às 14h54]
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