Acusados de maus-tratos no Lar do Comércio em silêncio no tribunal

Um ex-presidente da direção e uma ex-diretora de serviços do Lar do Comércio, acusados por 67 crimes de maus-tratos, 17 dos quais agravados pelo resultado morte, remeteram-se, esta terça-feira, ao silêncio no início do julgamento, no tribunal de Matosinhos.

Notícia

© iStock

Lusa
14/02/2023 11:17 ‧ 14/02/2023 por Lusa

País

Matosinhos

No Palácio da Justiça de Matosinhos, os arguidos, depois de identificados, comunicaram ao coletivo de juízes a sua intenção de permanecer em silêncio nesta fase do processo.

Durante a tarde, estava prevista a audição de testemunhas, dois delegados de saúde e dois ex-utentes daquele lar, contudo a mesma não se realizou devido à greve, por tempo indeterminado, dos oficiais de justiça que se iniciou a 10 de janeiro.

 
Em abril de 2022, o Tribunal de Instrução Criminal de Matosinhos pronunciou (decidiu levar a julgamento) o antigo presidente da direção, a ex-diretora de serviços e a própria Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS), que fica em Matosinhos, no distrito do Porto, nos exatos termos da acusação do Ministério Público (MP), depois de os arguidos terem requerido abertura de instrução.

Segundo a acusação do MP, a que a agência Lusa teve acesso, entre janeiro de 2015 e fevereiro de 2020, os arguidos "violaram os deveres inerentes aos cargos que ocupavam".

O MP sustenta que os arguidos, "apesar de saberem que a instituição dispunha de meios económicos para o fazer, por razões de diminuição e contenção de gastos", não contrataram médicos, funcionários e enfermeiros necessários "para assegurar o conforto e cuidados mínimos aos utentes", deixando também de comprar equipamentos, mobiliário e produtos de higiene e terapêuticos, como apósitos para escaras, colchões antiescaras, fraldas e suplementos proteicos.

O MP acrescenta que os arguidos "atuaram com a consciência de que as suas condutas resultariam na falta de cuidados na saúde, na higiene, na alimentação, na atenção, nos afetos, no entretenimento e socialização" dos residentes acamados.

 
"Determinando o agravamento do estado de saúde, provocando-lhes mazelas físicas e sofrimento físico e psíquico, atentando contra a dignidade da pessoa humana, como ocorreu em 50 dos utentes ali internados", lê-se na acusação do MP.

Os arguidos, ainda de acordo com a acusação, deduzida em 27 de julho de 2021, "atuaram também com a consciência de que a omissão dos cuidados aos utentes poderia causar-lhes a morte, como veio a suceder com 17 dos utentes ali internados".

A acusação diz que os arguidos "estiveram sempre cientes da prática de atos que atentavam contra a individualidade e contra a dignidade da pessoa humana, bem como da desumanidade e crueldade desses atos e da humilhação e sofrimento que causavam aos residentes dependentes".

"Ao atuarem da forma descrita, por si e por intermédio de terceiros que agiram sob as suas ordens e sobre quem detinham poder de orientação e disciplinar, os arguidos Marta Soares e José Moura, por si e em representação da arguida 'Lar do Comércio', agiram cientes de que provocavam, quer por ação, quer por omissão, sofrimento, angústia e vexame nas pessoas mais vulneráveis que se encontravam ao seu cuidado, e cujo bem-estar se lhes impunha defender e salvaguardar", concluiu a investigação do MP.

Em 15 de maio de 2020, a Procuradoria-Geral da República (PGR) respondeu à Lusa que tinha instaurado um inquérito à atuação daquela IPSS, onde tinham sido, até àquela data, contabilizadas 21 mortes devido à pandemia de covid-19.

Em 19 de outubro de 2020, um relatório da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados (CDHOA) revelava terem sido detetados indícios de "violação grave" de direitos humanos no Lar do Comércio e o "incumprimento reiterado" de orientações recebidas em vistorias.

Naquele ano, o Lar do Comércio teve mais de 100 idosos infetados com covid-19, 24 dos quais acabaram por morrer, segundo o relatório de "averiguação sobre o surto da covid-19", um documento de 23 páginas.

[Notícia atualizada às 16h40]

Leia Também: Matosinhos. Ex-responsáveis de lar começam a ser julgados por maus-tratos

Partilhe a notícia

Produto do ano 2024

Descarregue a nossa App gratuita

Oitavo ano consecutivo Escolha do Consumidor para Imprensa Online e eleito o produto do ano 2024.

* Estudo da e Netsonda, nov. e dez. 2023 produtodoano- pt.com
App androidApp iOS

Recomendados para si

Leia também

Últimas notícias


Newsletter

Receba os principais destaques todos os dias no seu email.

Mais lidas