A Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) reagiu, esta sexta-feira, ao relatório sobre os abusos na Igreja, agradecendo às vítimas que deram o testemunho e pedindo a quem ainda não denunciou, que o faça.
A Igreja anunciou um memorial em homenagem às vítimas dos abusos sexuais na Igreja Católica durante a Jornada Mundial da Juventude, em Lisboa, e revelou ainda que vai rever diretrizes de proteção de menores.
D. José Ornelas avançou que os nomes dos abusadores foram entregues a cada diocese e que estas são "as entidades responsáveis pela investigação de possíveis casos", frisando que, sem identidade das vítimas será "muito difícil" investigar nomes da lista de alegados abusadores.
Na conferência de imprensa desta tarde, o padre Manuel Barbosa começou por ler um comunicado onde agradeceu às vítimas que quebraram o "silêncio guardado". "Reiteramos o nosso profundo agradecimento a todas as vítimas que deram o seu testemunho ao longo do último ano e, em muitos casos, a um silêncio guardado durante décadas. Sem vós, não teria sido possível chegar ao dia de hoje. Obrigado", disse.
"Estamos disponíveis para acolher a vossa escuta através de um grupo específico, que será articulado com a Equipa de Coordenação Nacional das Comissões Diocesanas de Proteção de Menores e Adultos Vulneráveis”, afirmou ainda Manuel Barbosa.
As feridas infligidas às vítimas são irreparáveis
O sacerdote vincou ainda que "é com dor que", novamente, pedem perdão "a todas as vítimas de abusos sexuais no seio da Igreja Católica em Portugal" e anunciou um memorial no decorrer da Jornada Mundial da Juventude e perpetuado, posteriormente, num espaço exterior da Conferência Episcopal Portuguesa. Este pedido de desculpa terá um gesto público no próximo mês de abril, em Fátima, no decorrer da próxima Assembleia Plenária, revelou também.
"As feridas infligidas às vítimas são irreparáveis", continuou, referindo que "se o desejarem", terão acolhimento o devido acompanhamento espiritual, psicológico e psiquiátrico.
Dizendo ainda reconhecer o "trabalho imprescindível das Comissões Diocesanas e da Equipa de Coordenação Nacional", a Igreja propôs que sejam constituídas apenas por leigos competentes nas mais diversas áreas de atuação, podendo ter um assistente eclesiástico. "São valiosas estruturas da Igreja em Portugal, agora mais aptas a responder à problemática dos abusos de menores, nomeadamente no que respeita à prevenção, formação e acompanhamento, contribuindo assim para um ambiente seguro nos espaços eclesiais".
“Entre outras resoluções, procederemos à revisão das Diretrizes da Conferência Episcopal e dos planos de formação dos seminários e de outras instituições, bem como a conveniente preparação de todos os agentes pastorais”, prosseguiu o clérigo.
“A todos os fiéis e sacerdotes que servem a Igreja e que neste momento sofrem com os impactos deste estudo, manifestamos a nossa proximidade e encorajamento, na esperança de que estas circunstâncias nos estimulem à renovação da própria Igreja”, disse, por fim, Manuel Barbosa.
Nomes de abusadores entregues a cada diocese
Depois da leitura do comunicado, os clérigos responderam às questões dos jornalistas. Questionado sobre o destino que vai ter a lista dos nomes dos alegados abusadores - entregue hoje pela Comissão -, D. José Ornelas disse que foram entregues a cada diocese, que são “as entidades responsáveis pela investigação de possíveis casos”. Ou seja, cada diocese decidirá as medidas a aplicar a cada caso.
"É uma lista de nomes. Sendo uma lista de nomes, sem outra caracterização, torna-se difícil essa investigação, exige redobrados esforços", admitiu, afirmando ainda que se pode "confrontar com as informações que tenhamos acerca de tais nomes".
Só com a lista dos nomes, se não tivermos outros dados, sem saber quem denunciou, porque é que denunciou, é muito difícil
Indagado se, com estes abusadores ainda no ativo, não estarão crianças em risco, D. José Ornelas disse que "as acusações têm de partir "de uma base sólida".
"Não é simplesmente aquilo que alguém pode dizer. Tem de haver uma base sólida também para julgar a moralidade e a ética das decisões que se tomam", asseverando que sem identidade das vítimas será "muito difícil" investigar nomes da lista de alegados abusadores.
"Só com a lista dos nomes, se não tivermos outros dados, sem saber quem denunciou, porque é que denunciou, é muito difícil", afirmou. Ainda sobre as listas D. José Ornelas disse não saber nem o total de nomes, nem quantos padres estão no ativo.
Perante a insistência dos jornalistas em saber 'de que valerá' a lista de nomes hoje entregue, D. José Ornelas diz que a Igreja vai "analisar nome a nome", e que o "processo canónico é independente do processo civil".
"Se houver outros documentos que nos cheguem para identificar o eventual abusador e o que fez de errado, evidentemente, tomaremos as respectivas medidas", vincou.
"Quem quer ter dúvidas, é porque fecha os olhos"
Dirigindo-se a quem duvida do relatório, D. José Ornelas diz que "quem quer ter dúvidas, é porque fecha os olhos". "O relatório di-lo abertamente: é o que se passa no seio da Igreja e é o reflexo do que se passa ao nível do país inteiro", avançou, frisando que a Igreja “não é uma atracção fundamental para pedófilos. Mas temos e assumimos”.
O bispo de Leiria-Fátima terminou a conferência de imprensa apelando a uma mudança de “cultura na Igreja e na sociedade”.
Recorde-se que a Comissão Independente validou 512 dos 564 testemunhos recebidos, apontando, por extrapolação, para um número mínimo de vítimas da ordem das 4.815.
Vinte e cinco casos foram reportados ao Ministério Público, que deram origem à abertura de 15 inquéritos, dos quais nove foram já arquivados, permanecendo seis em investigação.
Estes testemunhos referem-se a casos ocorridos no período compreendido entre 1950 e 2022, o espaço temporal que abrangeu o trabalho da comissão.
O sumário do relatório, contudo, revela que "os dados apurados nos arquivos eclesiásticos relativamente à incidência dos abusos sexuais devem ser entendidos como a 'ponta do iceberg'".
No próprio dia da apresentação do relatório, 13 de fevereiro, o presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), José Ornelas, reconheceu que os resultados não podem ser ignorados e admitiu estar-se perante uma "situação dramática" que será difícil ultrapassar.
No seu relatório, a Comissão Independente deixou algumas sugestões à Igreja, nomeadamente a constituição de uma nova comissão para dar continuidade ao "estudo e acompanhamento do tema", com membros internos e externos à Igreja; a adoção do "dever moral de denúncia, por parte da Igreja, e colaboração com o Ministério Público" ou o pedido "efetivo de perdão sobre as situações que aconteceram no passado e sua materialização".
O "apoio psicológico continuado às vítimas do passado, atuais e futuras" é encarado, também, como responsabilidade da Igreja, em articulação com o Serviço Nacional de Saúde.
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