"As questões éticas, primeiro, e as questões morais, depois, parecem ter ficado subterradas pelas questões do direito, quer canónico, quer civil", afirmou à Lusa Nuno Caiado, que descreveu o comunicado da CEP e as declarações do seu presidente, o bispo José Ornelas, como "uma resposta equivocada", sublinhando: "Não esperava mais, mas desejava mais. A Igreja parece não ser capaz de construir uma resposta sólida ao problema".
Para este católico, inserido num grupo de cerca de 200 pessoas e seis movimentos que divulgaram esta semana uma nova carta aberta com propostas para mudar a realidade exposta pela Comissão Independente, a posição da CEP sobre uma possível indemnização às vítimas de abusos sexuais por padres e elementos ligados à Igreja traduz uma "insensibilidade atroz".
"Fazer depender as indemnizações financeiras às vítimas de um processo cível é de uma insensibilidade atroz. E eu faço parte do grupo de pessoas que não considera que as indemnizações sejam, propriamente, a melhor solução. Daí a fazer depender de um processo nos tribunais civis parece-me uma coisa extraordinária e inaudita. O que temos aqui em causa é postergar a clarificação que já devia aparecer hoje. E isso parece-me um pouco triste", frisou.
Nuno Caiado criticou ainda a ausência de uma palavra sobre critérios ou metodologia a instituir junto das comissões diocesanas para prestar apoio às vítimas, bem como a atribuição da decisão de afastamento de padres abusadores a cada bispo, considerando que pode dar azo a uma "dualidade de critérios" na resposta a estes casos.
"Esta espécie de vácuo torna a situação muito desconfortável para todos nós", assumiu o subscritor da carta aberta, continuando: "Não me parece razoável esta lentidão e esta indefinição relativamente aos procedimentos que vão ser tomados para lidar com cada um dos casos, fazendo depender cada caso de novas informações sobre a pessoa. Tem de ser mais do que isso, não pode haver uma passividade para que as informações caiam no colo".
Lamentando que a CEP tenha ignorado as propostas apresentadas na carta aberta organizada por um grupo de católicos, Nuno Caiado argumentou que a comunicação "vaga e confusa" sobre um avanço para o futuro possa dever-se a uma de duas possibilidades. "Uma profunda inabilidade de o fazer ou um compromisso interno de tal maneira difícil que impede que os avanços sejam compreensíveis", resumiu.
A Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica validou 512 dos 564 testemunhos recebidos, apontando, por extrapolação, para um número mínimo de vítimas da ordem das 4.815.
Vinte e cinco casos foram reportados ao Ministério Público, que deram origem à abertura de 15 inquéritos, dos quais nove foram já arquivados, permanecendo seis em investigação.
Estes testemunhos referem-se a casos ocorridos entre 1950 e 2022, período abrangido pelo trabalho da comissão.
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