Palavras de ódio podem levar ao suicídio, diz vítima de insultos

A dançarina Francielle Rodrigues assume à Lusa que depois de ter visto o seu vídeo a ser divulgado por um grupo de apoiantes da extrema-direita, ficou com depressão e poderia "ter sido só mais uma pessoa que se suicidou".

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Lusa
06/03/2023 09:01 ‧ 06/03/2023 por Lusa

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Crimes de ódio

Há cerca de dois anos, Francielle Rodrigues, nascida no Brasil, mas desde os cinco anos a morar em Portugal, publicou um vídeo na rede social TikTok que deu azo a uma enorme onda de insultos e discursos de ódio 'online'.

"Comecei a perceber que se fizesse muito conteúdo relacionado com a imigração e aquilo que eu experienciei desde que estou em Portugal, ia dar-me visualizações. Então lembrei-me de contar a minha história", começa por contar, em entrevista à Lusa.

"Gravei um vídeo a explicar que quando se entra em Portugal temos de dizer que só estamos aqui a passar férias, porque naquela altura era impossível ter um visto de trabalho. Eu contei o que dizíamos ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) para ficarmos aqui a morar e, no final do vídeo, disse que 20 anos depois, continuo aqui", explica.

A honestidade das suas palavras fez com que esse vídeo fosse divulgado pelas várias redes sociais dos apoiantes do partido de extrema-direita, com mais de 10 mil partilhas só no Facebook, e ainda identificaram a GNR, a PSP e o SEF para denunciar a dançarina.

Quando Francielle Rodrigues se apercebeu da proporção que o vídeo estava a tomar na internet, fechou-se em casa durante um mês e parou de imediato com as publicações de vídeos, porque ficou com medo e percebeu que tudo o que divulgava nas redes sociais, mesmo que não fosse relacionado com a imigração, estava sujeito ao ódio e aos comentários ofensivos.

"Senti-me muito mal e tive de ter acompanhamento psicológico. Até hoje faço terapia, mesmo que cheguemos a ir a tribunal, o sofrimento por que passei e os custos que já tive são incontáveis", lamenta.

A dançarina diz que há muitas pessoas que acham que se está a vitimizar, mas comentários como "volta para o teu país", "tu nunca vais ser uma portuguesa como nós", ou "tu não és do nosso sangue, não és portuguesa", são palavras injustas de se ouvir para quem "sempre vestiu a camisola de Portugal", refere à Lusa.

"Esta situação tornou-se um crime público e hoje existem dois processos em andamento. Mas o que acontece é que vão fazer dois anos e ainda não há novidades. São mais de 200 pessoas no inquérito, mas não aconteceu nada a ninguém, para além de mim, que me causou danos psicológicos", queixa-se, em entrevista.

A Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) juntou-se ao caso e conseguiu eliminar o vídeo em todas as redes sociais à exceção do YouTube, onde, atualmente, ainda se encontra disponível para visualização.  

Francielle Rodrigues também pediu ajuda à Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR), no entanto, conta à Lusa que nunca aconteceu nada a quem escreveu os comentários de ofensa.

A Linha Internet Segura, um serviço de apoio à vítima coordenado pela APAV, referiu à agência Lusa que os últimos dados divulgados, referentes a 2021, registam um aumento do número de cibercriminalidade 'online', num total de 1.626 processos e, segundo o relatório anual da APAV, em 2021 foram assinaladas 394 denúncias por discriminação e incitamento ao ódio e à violência.

A dançarina de 26 anos acusa Portugal de ser um país muito lento, porque "se as coisas não são resolvidas e se não aproveitarem esse calor do momento, o processo vai ser arquivado", diz revoltada.

A bailarina descreve à Lusa que a maior parte das pessoas que comentaram o seu vídeo "sentiam raiva" e "o pior é que essas pessoas tinham quase todas mais de 40 anos, o que é assustador, porque isto é a educação que vão passar para os seus filhos e para os seus netos".

"Eles fizeram-me mal, fiquei com uma depressão e tive de gastar muito dinheiro com isto. Mas está tudo bem. Eu podia ter-me suicidado, mas está tudo bem", diz de forma irónica.

"Eu seria só mais uma pessoa que se suicidou e não há represálias para isto", diz à Lusa com amargura.

Leia Também: Estado civil também é tema para destilar ódio nas redes sociais

 

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