Eutanásia. Após veto, as reações: Da "pressa ofegante" à "vontade da AR"
Marcelo Rebelo de Sousa utilizou, ontem, o veto político pela 26.ª vez, não promulgando (novamente, e pela quarta vez) o diploma sobre a morte medicamente assistida. Devolveu-o ao Parlamento, pedindo a clarificação de dois pontos. Os partidos reagiram e 'dividiram-se'.
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Política Eutanásia
Foi ontem - e pela quarta vez - que Marcelo Rebelo de Sousa vetou o diploma da eutanásia, devolvendo-o à Assembleia da República sem promulgação e não o enviando (como já tinha feito no passado) ao Tribunal Constitucional (TC). O novo recuo, justificou o chefe de Estado, prendeu-se com a clarificação de dois pontos: quem determina a incapacitação de um doente para recorrer à eutanásia e quem supervisiona, medicamente, o processo.
Na carta dirigida ao Parlamento, onde explicou as razões pelas quais colocou novamente um 'travão' à morte medicamente assistida, o Presidente da República assinalou: "Concretamente, solicito à Assembleia da República que pondere clarificar quem define a incapacidade física do doente para autoadministrar os fármacos letais, bem como quem deve assegurar a supervisão médica durante o ato de morte medicamente assistida".
Marcelo Rebelo de Sousa argumentou ainda que "numa matéria desta sensibilidade e face ao brevíssimo debate parlamentar sobre as duas últimas alterações, afigura-se prudente que toda a dilucidação conceptual seja acautelada, até pelo passo dado e o seu caráter largamente original no direito comparado".
Mais tarde, em declarações aos jornalistas, Marcelo esclareceu a sua decisão, considerando que "não há inconstitucionalidade" nesta versão do documento, motivo pelo qual não fez o seu envio para o Tribunal Constitucional e que há a definir apenas dois pontos para que a lei fique clarificada. Declarou ainda que o vetou por "um problema de precisão" e que se for confirmado "não tem drama".
Recorde-se que o quarto diploma do Parlamento sobre a morte medicamente assistida foi aprovado em votação final global em 31 de março e, após fixação de redação final, publicado em Diário da Assembleia da República na quinta-feira passada, 13 de abril.
Leia aqui na íntegra a carta enviada à Assembleia da República
Marcelo Rebelo de Sousa já utilizou 26 vezes o poder de veto político: três vezes em 2016, duas em 2017, seis em 2018, cinco em 2019, seis em 2020, três em 2021 e uma em 2023. Quatro destes vetos incidiram sobre decretos do Governo e 22 sobre legislação da Assembleia da República.
Os partidos não tardaram a reagir, com pedidos de 'luz verde', de novo envio ao Constitucional e o ressurgimento da sugestão de levar o tema da morte medicamente assistida a referendo.
"Chegou a vez de ver respeitada a vontade do Parlamento"
A deputada do PS, Isabel Moreira, considerou o novo chumbo da lei da eutanásia, esta quarta-feira, "atípico", salientando que ficou "claro" que o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, não encontraria qualquer problema no diploma, motivo pelo qual não o enviou para o Tribunal Constitucional.
"Fica para nós claro que o Presidente da República sabe que o TC não encontraria, desta vez, qualquer problema de inconstitucionalidade no diploma votado, mais uma vez, por uma maioria esmagadora", começou por dizer, em declarações aos jornalistas.
Por esse motivo, destacou Isabel Moreira, "optou por um veto político, ainda que um pouco atípico". "Em vez de promulgar, optou por um veto com considerações jurídicas, as tais que já foram respondidas ao TC. Assim como sempre respeitámos uma, outra e outra vez a decisão legítima do Presidente da República [e] os acórdãos do TC, chegou a vez de ver respeitada a vontade do Parlamento.
Direto | Declaração da deputada Isabel Moreira sobre o veto político do Presidente da República à Lei da Morte Medicamente Assistida. https://t.co/SG0IruZKny
— Grupo Parlamentar PS (@GPPSocialista) April 19, 2023
"Vamos a tempo" de levar um texto consolidado a referendo
O presidente do PSD defendeu, ainda ontem, que ainda há tempo para levar "um texto legislativo consolidado a referendo" sobre a Eutanásia após o veto presidencial, criticando o que classificou de "pressa ofegante" dos impulsionadores desta legislação.
O presidente do PSD salientou que, além de pedir uma maior clarificação ao legislador, o chefe de Estado deixou "duas considerações muito pertinentes". "Primeiro, recorda que se trata de uma evolução legislativa de grande sensibilidade e, em segundo, escreveu na mensagem que existiu um brevíssimo debate no Parlamento após a pronúncia anterior do Tribunal Constitucional", salientou.
"A nossa posição, e a minha em particular, continua a ser de consolidar um texto que possa ser colocado em consulta pública aos portugueses", disse, considerando que a realização de um referendo "seria a oportunidade de realizar" o debate alargado que considera ser pedido pelo Presidente.
Luís Montenegro defende que ainda há tempo para submeter um texto legislativo consolidado a consulta popular sobre a Eutanásia.#Acreditar @LMontenegroPSD pic.twitter.com/t015VwtOPZ
— PSD (@ppdpsd) April 19, 2023
Chega diz a Marcelo para enviar Eutanásia ao Constitucional
André Ventura afirmou, após uma audiência com Marcelo Rebelo de Sousa, que caso a lei da Eutanásia não vá para o Tribunal Constitucional a "falta de clareza, determinabilidade e as incongruência jurídicas são de tal forma que poucos a vão querer aplicar".
"Uma vez que estão a decidir entre a vida e a morte, poucos médicos, profissionais de saúde, vão querer aplicar lei que não sabem que consequências lhes pode trazer e que teve a oposição da Presidência da República, de quase metade do Parlamento", afirmou, referindo que esta é "uma lei completamente diferente da outra - não é uma melhoria".
André Ventura diz não entender por que a lei não foi enviada ao Tribunal Constitucional e diz ter recebido a notícia da devolução ao Parlamento sem estupefacção. "Ficou a minha garantia, em nome do Chega, ao Sr. Presidente da República, que procuraremos articular com outras forças para que o TC se pronuncie sobre esta matéria", asseverou ainda aos jornalistas.
IL disponível para confirmar decreto e pede "respeito"
A Iniciativa Liberal mostrou-se disponível para confirmar o decreto sobre a morte medicamente assistida "tal como foi devolvido à Assembleia da República" pedindo "respeito institucional pela Assembleia da República".
"Do nosso lado haverá disponibilidade para confirmar o texto tal como foi devolvido à Assembleia da República", anunciou o deputado liberal João Cotrim Figueiredo em declarações aos jornalistas no parlamento, em reação ao veto do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.
Cotrim Figueiredo considerou que os partidos têm demonstrado "respeito institucional" ao ter em conta "as mensagens do Presidente da República" e as suas objeções sobre os vários decretos aprovados pelos deputados e "as mensagens e acórdãos do Tribunal Constitucional" e defendeu que "está na altura das outras instituições demonstrarem o mesmo respeito institucional pela Assembleia da República".
BE diz que "chegou o momento" de confirmar o diploma
Já a coordenadora do BE defendeu que chegou o momento de confirmar o decreto sobre a morte medicamente assistida, não vendo necessidade de alterações uma vez que o diploma "responde a qualquer dúvida constitucional que possa existir".
"É chegado o momento de confirmar a lei e depois concentramo-nos no passo seguinte, que será a sua regulamentação", considerou Catarina Martins, em declarações aos jornalistas no parlamento, em reação ao veto do Presidente da República ao quarto diploma da Assembleia da República sobre a morte medicamente assistida.
Para a deputada e líder bloquista, o veto de Marcelo Rebelo de Sousa comprova que "a lei tal como saiu do Parlamento responde a qualquer dúvida constitucional que possa existir e, portanto, o senhor Presidente da República sabe que não vale a pena recorrer ao Tribunal Constitucional para tentar travar esta lei".
PCP diz que veto do Presidente "confirma as dificuldades"
O PCP defendeu que o veto do Presidente da República ao diploma sobre a morte medicamente assistida "confirma as dificuldades" que uma matéria "desta sensibilidade levanta", apesar de as suas preocupações não serem "exatamente as mesmas".
"No entender do PCP, a decisão tomada agora pelo Presidente da República, confirma aquelas que são as dificuldades, as dúvidas que uma matéria desta sensibilidade levanta. Para o PCP, a questão não se coloca num julgamento moral sobre a decisão de cada um sobre a sua própria morte, mas sim aquilo que é uma atitude que o Estado tem perante o fim de vida dos cidadãos", defendeu a deputada Alma Rivera no Parlamento, em declarações aos jornalistas.
A deputada comunista salientou que "o valor da vida é muitas vezes relativizado em função de critérios económicos ou economicistas". "É nesse contexto em que não existem uma rede de cuidados paliativos, em que a fase terminal e mais crítica da vida das pessoas é vivida, muitas vezes, desapoiada pelo Estado, que se discute a aprovação de um regime legal para a eutanásia", defendeu.
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