"O segredo da confissão não depende da Concordata. O segredo da confissão é tão velhinho como a Igreja e não vai mudar. Isso posso garantir", afirmou José Ornelas na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, onde foi ouvido a pedido do Chega e do PS.
Depois de salientar que o "segredo profissional é outra coisa", o presidente da CEP alegou que o segredo da confissão é algo que uma "pessoa pode ter a certeza de que, contando e expondo a sua vida para encontrar luz e perdão, isso não vai sair dali, porque senão baralhávamo-nos todos".
"Muitas pessoas morreram por isso, outras tantas poderiam estar dispostas a morrer, mas isso não vai mudar", assegurou o também bispo de Leiria-Fátima aos deputados.
Na mesma comissão parlamentar, numa audição anterior, o coordenador da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica, o pedopsiquiatra Pedro Strecht, realçou a importância da revisão do segredo da confissão, notando que "está prevista, também, noutras estruturas profissionais, incluindo a dos próprios médicos, quando há questões que se sobrepõem".
Sobre este assunto, o juiz conselheiro jubilado Laborinho Lúcio, antigo ministro da Justiça, reconheceu a existência de "obstáculos enormes do ponto de vista do Direito Canónico e, desde logo para já, neste momento, através da própria Concordata".
"Nós entendemos que sim neste aspeto [dos abusos sexuais], mas a questão aqui é uma questão de decisão absolutamente interna da Igreja e da questão que tem a ver com o dogma ou não", referiu Laborinho Lúcio.
O antigo governante disse ser "estranho, todavia, que a razão que impõe o segredo nos termos absolutos em que ele é imposto na confissão não seja depois posto em confronto com o facto de a confissão servir também, em muitos casos, para a prática dos abusos sexuais no próprio ato da confissão".
Esta comissão independente validou 512 dos 564 testemunhos recebidos, apontando, por extrapolação, para um número mínimo de vítimas da ordem das 4.815.
Vinte e cinco casos foram reportados ao Ministério Público, que deram origem à abertura de 15 inquéritos, dos quais nove foram já arquivados, permanecendo seis em investigação.
Estes testemunhos referem-se a casos ocorridos entre 1950 e 2022, período abrangido pelo trabalho da comissão.
Já em 26 de abril, foi apresentado o novo grupo de acompanhamento das situações de abuso sexual de crianças e adultos vulneráveis no contexto da Igreja Católica em Portugal, denominado Grupo VITA, liderado pela psicóloga Rute Agulhas.
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