"Começam já a aparecer aqui números preocupantes de pessoas que realmente têm uma escolaridade mais avançada, um nível de literacia maior. Até pessoas que tiraram formação superior e depois, ou não conseguem arranjar algo que seja compatível com a sua formação, ou então, conseguem, mas com ordenados muito baixos", disse à Lusa a diretora da AMI no Centro Porta Amiga de Chelas (Lisboa).
De acordo com Salomé Marques, as pessoas pedem sobretudo bens alimentares.
"O [pedido] flagrante é a alimentação. [As pessoas] dirigem-se ao centro (...) com essa necessidade. Só que depois, em ambiente de gabinete, percebemos que, além da alimentação, há toda uma série de necessidades muita alargada, quer a água, a luz, o gás, as rendas, a medicação e, às vezes exames, que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) não comparticipa", realçou.
A responsável salientou também que a organização não governamental (ONG) tem recebido mais pedidos de ajuda para apoio psicológico.
"Estamos a sentir a saúde mental das pessoas cada vez mais fragilizada. Ou seja, isto é muito preocupante, porque não há emprego, não há poder económico e claro que toda a estabilidade emocional vai ficar afetada e acaba por ser uma bola de neve", afirmou.
"Se a saúde mental não está bem, dificilmente conseguimos dar o salto para melhorarmos outros níveis", acrescentou.
Salomé Marques antecipou que situação de pobreza em Portugal deverá "agravar-se mais" nos próximos tempos.
"Se estas pessoas já estão vulneráveis, a maioria mais vai ficar, porque, do nosso total de população, a maioria que está em idade ativa está desempregada. Entre os 16 e os 66 anos, 70% da nossa população está desempregada. Tememos que a situação se vá ainda agravar", observou, perspetivando que até ao final do ano os números de pedidos de ajuda poderão disparar, em relação a 2022.
Segundo um relatório da ONG, publicado no final de abril, o número de novos pedidos de ajuda à AMI aumentou 46% no primeiro trimestre deste ano e 53% nos casos de pessoas em situação de sem-abrigo face ao período homólogo.
A AMI especificou que os seus serviços sociais apoiaram no primeiro trimestre 5.409 pessoas em situação de vulnerabilidade social, das quais 533 procuraram apoio pela primeira vez, um aumento de 46% em relação ao mesmo período de 2022.
Das pessoas apoiadas, 50% são homens (2.692) e 50% são mulheres (2717), encontrando-se a maioria em idade ativa, entre os 16 e os 66 anos (70%), seguida de menores de 16 anos (21%) e dos maiores de 66 anos (7%).
A maioria (79%) são naturais de Portugal e 6% dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP).
No que diz respeito ao emprego, 43% das pessoas com mais de 16 anos, não exerce qualquer atividade profissional e 41% não tem formação profissional.
De acordo com a AMI, os recursos económicos provêm sobretudo de apoios sociais como o RSI - Rendimento Social de Inserção (18%), pensões e reformas (10%), subsídios e apoios institucionais (5%).
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