"Vamos ter desperdício anual de muitas centenas de horas de trabalho e muito dinheiro gasto em deslocações, julgamentos e diligências adiados ou interrompidos, e mais pontos críticos que os advogados especializados em nulidades e incidentes vão usar para atrasar aqueles processos que todos sabemos quais são", afirma Manuel Soares, que tinha defendido anteriormente o adiamento da entrada em vigor das novas regras.
Questionado pela Lusa sobre a portaria que altera as regras relativas à distribuição eletrónica dos processos nos tribunais judiciais e nos tribunais administrativos e fiscais, o líder da ASJP assume não saber se os tribunais estão preparados para a mudança, uma vez que "o Ministério da Justiça não respondeu" às questões do sindicato dos juízes.
Segundo a portaria publicada em Diário da República em 27 de março, que veio regulamentar mais de um ano depois as leis do novo modelo de distribuição processual aprovadas pelo parlamento em 2021, "passa a ser necessário reunir diariamente, em todos os locais onde ocorre distribuição, um conjunto de operadores da justiça para assistir ao ato da distribuição, que até aqui dispensava, na maioria dos casos, qualquer intervenção humana, e elaborar uma ata à qual é anexado o resultado da distribuição".
Na nova regulamentação, a distribuição tem como intervenientes o presidente do tribunal, que designa "um juiz para presidir e um substituto, para os casos em que aquele se encontre impedido", um magistrado do Ministério Público (MP), um oficial de justiça (e um substituto, designados pelo administrador judiciário ou secretário do tribunal) e um advogado.
"Este é um daqueles casos em que uma boa ideia se pode transformar numa má ação por falta de planeamento atempado e consulta a quem está no terreno e conhece melhor os problemas", adverte Manuel Soares, que reforça que o "modelo devia ter sido mais desburocratizado" e os efeitos devidamente acautelados antes da respetiva aplicação.
"Não tem sentido aplicá-lo nos turnos de férias judiciais, não tem sentido aplicá-lo nos tribunais onde só há um juiz, não tem sentido fazer várias distribuições por dia, não tem sentido que os juízes e procuradores tenham de gastar tempo em deslocações para atos burocráticos que podiam ser praticados por videoconferência, nem tem sentido colocar juízes a certificar a autenticidade de um ato automático feito por um computador com base num algoritmo que desconhecem", acrescenta.
O presidente da ASJP não equaciona contestar na justiça a aplicação das novas regras, ao assinalar a vontade dos magistrados de "estar do lado da solução e não criar mais problemas". Todavia deixa um aviso ao Ministério da Justiça: "Quando nos quiserem ouvir, estamos aqui para ajudar. Se não nos ouvem, então depois não nos venham pedir contas".
Por sua vez, o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público que tinha igualmente apelado à suspensão das novas regras e à realização urgente de reuniões para corrigir uma solução legislativa considerada "absurda" - esclareceu apenas que pediu uma audiência à ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro, e que ainda aguarda por esse encontro.
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