"Incompreensível" situação do Mecanismo Anticorrupção, diz Frente Cívica
A Frente Cívica considerou hoje incompreensível que, quase dois anos depois da lei que o criou e três meses depois da portaria que proclamou que estava instalado, o Mecanismo Nacional Anticorrupção (MENAC) "não tenha as condições mínimas para funcionar".
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País Frente Cívica
Em declarações à agência Lusa a propósito da demora na entrada em funcionamento do MENAC, João Paulo Batalha, vice-presidente da Frente Cívica, referiu que "o atraso no apetrechamento das instituições de combate à corrupção em Portugal já não é defeito, é feitio".
"É incompreensível que, quase dois anos depois da lei que o criou, mais de um ano depois de ter sido nomeada a sua liderança e três meses depois da portaria que proclamou que estava instalado e em funcionamento, o MENAC não tenha as condições mínimas para funcionar", vincou o mesmo responsável.
Nas suas palavras, é também "incompreensível que um quadro, aliás magríssimo, de 27 funcionários não tenha sido ainda contratado e que as plataformas e sistemas de informação em que assentará todo o trabalho do organismo ainda não existam".
"A liderança do MENAC anda há mais de um ano a exibir a sua irrelevância", acentuou.
Tudo isto mostra - na opinião de João Paulo Batalha - como o combate à corrupção "não é um prioridade, nem do poder político que criou este organismo, nem da liderança que o mesmo poder político nomeou para a instituição".
"Há um consenso generalizado em criar estruturas inúteis que consomem recursos públicos, sem impacto nenhum. O mesmo padrão se verifica, de resto, na Entidade da Transparência que, criada por lei em 2019, continua sem existência prática. O poder político gosta de anunciar uma profusão de organismos, que depois alimentam uma corte pacífica de funcionários públicos, para no fim nada funcionar", criticou o vice-presidente da Frente Cívica.
Apontou que é por esta razão que Portugal acumula críticas de avaliadores internacionais como os do Grupo de Estados Contra a Corrupção (GRECO) do Conselho da Europa, no que toca às políticas de combate à corrupção.
"Já não se trata só de um problema de ineficácia das medidas. Os cidadãos, e os observadores internacionais, têm cada vez mais dificuldade em confiar na boa fé do Estado no que toca a combater a corrupção e defender a integridade pública", concluiu João Paulo Batalha.
Três meses após a entrada em vigor da portaria que confirmou a instalação definitiva do MENAC, o organismo ainda não dispõe da plataforma para as denúncias de empresas e instituições nem preencheu o quadro de pessoal.
Em resposta à Lusa sobre o processo de instalação, a entidade criada pelo Governo em dezembro de 2021, no âmbito da Estratégia Nacional Anticorrupção, assume que a implementação da plataforma e de um canal de denúncia externo continuam por concretizar com vista à fiscalização e o sancionamento de contraordenações ao Regime Geral da Prevenção de Corrupção (RGPC).
"O MENAC está a efetuar o levantamento dos requisitos técnicos para a plataforma eletrónica para a receção, processamento automático e armazenamento dos instrumentos relativos aos Programas de Cumprimento Normativo. O 'site' do MENAC que entrou em funcionamento recentemente alojará essa plataforma. A aquisição desta plataforma depende de processo de contratação pública", refere.
A instituição, que sucedeu ao Conselho de Prevenção da Corrupção (CPC), explica ainda que "terá também um canal de denúncia externo a contratar logo que possível" e que emitiu há dois meses uma recomendação sobre o desenvolvimento dos instrumentos previstos para as entidades abrangidas, como a elaboração de planos de prevenção de riscos de corrupção, códigos de conduta, programas de formação e canais de denúncias.
Em termos de meios humanos, a situação é também deficitária, devido a "vicissitudes e constrangimentos" decorrentes da exigência de mobilidade interna na Administração Pública.
"O quadro de pessoal ainda não se encontra totalmente preenchido, porque, de acordo com o disposto no diploma do MENAC, só pode ser preenchido com recurso a instrumentos de mobilidade interna, o que implica o lançamento de concursos e a possibilidade de os dirigentes dos serviços não autorizarem a saída dos respetivos funcionários", lê-se no esclarecimento do MENAC, assinado pelo secretário-geral, Jorge Duque Lobato.
O novo organismo de combate à corrupção nos setores público e privado (em entidades com 50 ou mais trabalhadores) indica ter recebido no primeiro semestre de 2023 apenas sete denúncias e relembra que o relatório de 2022 registou quatro denúncias de alegados crimes de corrupção e peculato, tendo estas sido encaminhadas para o Ministério Público.
Questionado também sobre o nível de execução da dotação orçamental de 2,1 milhões de euros anunciada pelo Ministério da Justiça, o MENAC esclarece que a despesa efetiva realizada até ao final do primeiro semestre deste ano é de cerca de 336 mil euros, "valor que representa um grau de execução financeira de 16,72%".
Numa entrevista à Lusa em 07 de junho, por ocasião da portaria sobre MENAC, o presidente do organismo, o juiz conselheiro jubilado António Pires Henriques da Graça, já admitia que esperava que a instalação fosse mais rápida, após ter sido nomeado em junho de 2022.
O MENAC é uma entidade independente, dotada de autonomia administrativa e financeira e que atua no domínio da prevenção e do combate à corrupção. Distingue-se do antecessor CPC, que funcionou junto do Tribunal de Contas entre 2008 e 2022, pelo seu poder sancionatório, ao poder aplicar sanções entre 2.000 e 45.000 euros para empresas ou entidades equiparadas, e até 3.740,98 euros para pessoas singulares.
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