Ouvida como testemunha em mais uma sessão realizada no Juízo Central Criminal de Lisboa, Maria João Salgado lembrou o casamento de quase 60 anos com o antigo presidente do Grupo Espírito Santo (GES) para salientar a degradação do estado de saúde do marido, assinalando que tem de o acompanhar em praticamente todas as atividades do dia a dia.
"Está doente, a doença infelizmente tem progredido. O Ricardo tem dificuldade em fazer tudo sozinho... Eu tenho de estar com ele para ele ir à casa de banho. Durmo com ele e tenho de estar com atenção porque ele levanta-se de noite e não acende a luz. Custa-me dizer isto do meu marido, mas ele não tem independência nenhuma hoje em dia", disse Maria João Salgado, continuando: "Já se tem perdido em casa".
De acordo com a mulher do ex-presidente do BES, Ricardo Salgado baralha frequentemente os filhos com os netos, devido ao diagnóstico de doença de Alzheimer (que lhe foi atribuído e alvo já de duas perícias médicas). Assumiu ainda que já teve de recorrer também algumas vezes a uma cuidadora para ajudar a tratar do marido.
"A cuidadora dele sou eu e serei sempre, mas às vezes preciso de descansar. Fico sem dormir e já tenho recorrido a uma cuidadora em casa. O nosso quarto é no primeiro andar e arranjei-lhe um quarto cá em baixo para ele não ter de descer escadas e ir à casa de banho, porque tenho medo... Quando eu estou muito cansada, ele fica lá em baixo. Não tem nada a ver... Tinha um marido fantástico e hoje tenho um bebé grande para tratar", resumiu.
Sobre as relações de Ricardo Salgado com os outros dois arguidos neste processo, o ex-ministro da Economia, Manuel Pinho, e a sua mulher, Alexandra Pinho, Maria João Salgado vincou que o marido falava "muito pouco do trabalho" e que por essa razão não tinha muitas informações sobre o relacionamento.
Também ouvidos esta manhã em tribunal foi o padre Avelino Alves, amigo e sacerdote da família do ex-presidente do GES, que realçou "a humildade" de Ricardo Salgado e a sua preocupação com os lesados do BES até se terem começado a notar os sinais da doença de Alzheimer.
"Nunca lhe vi aquela arrogância. Era uma pessoa com serenidade de espírito e que transmitia paz. Ele acreditava que ainda era possível [ajudar os lesados], não lhe deram oportunidade... Ele dizia 'Eu tinha solução, nós tínhamos uma solução'", confessou o padre, que destacou "a pancadaria" que representou o colapso do BES: "Era um homem forte e firme e agora está bastante debilitado. Ele sentia esse peso de não resolver o problema dos lesados".
Pela sessão desta manhã passaram ainda Carlos Silva, ex-funcionário do BES e antigo líder da UGT, e o ex-presidente da câmara de Portimão, Manuel da Luz.
Ricardo Salgado está a ser julgado neste processo por corrupção ativa para ato ilícito, corrupção ativa e branqueamento de capitais.
Já Manuel Pinho, em prisão domiciliária desde dezembro de 2021, é acusado de corrupção passiva para ato ilícito, corrupção passiva, branqueamento e fraude fiscal, enquanto a sua mulher, Alexandra Pinho, está a ser julgada por branqueamento e fraude fiscal - em coautoria material com o marido.
[Notícia atualizada às 13h49]
Leia Também: Operação Marquês. Salgado vai a julgamento por corrupção e branqueamento