Chegada dos 'retornados' a Portugal veio "reforçar a democracia"

O investigador Rui Pena Pires defendeu hoje, em Lisboa, que a chegada a Portugal dos retornados das ex-colónias, e que coincidiu com o processo de democratização então em curso, "reforçou a democracia portuguesa".

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Lusa
22/03/2024 17:52 ‧ 22/03/2024 por Lusa

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O sociólogo, do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa, destacou a chegada de cerca de meio milhão de retornados, em 1975, "como um dos mecanismos que legitimou a democracia portuguesa foi a velocidade como se começou a construir um Estado social, um Estado providência".

Rui Pena Pires, que intervinha no Fórum das Políticas Públicas, evento organizado anualmente pelo ISCTE e que se associou este ano às comemorações dos 50 anos do 25 de Abril, defendeu, designadamente que "o facto de Portugal estar em democratização [quando os retornados chegam], ou melhor estar em mudança, vai reforçar a democracia".

"Muitos dos retornados eram quadros. Um dos maiores mitos da emigração portuguesa é que só agora é qualificada, que antes era só trabalhadores pobres que iam para a França e a Alemanha. Não é verdade. Já havia uma emigração qualificada tão grande como há agora", acrescentou na sua intervenção, no painel "Descolonização (e Identidade Nacional)".

Rui Pena Pires exemplificou com a diferença da taxa de alfabetização existente na então metrópole e nas ex-colónias.

"Só para se ter uma ideia, em Portugal, em 1981, quase um terço da população com mais de 30 anos era analfabeta. Nós às vezes não temos ideia do nosso ponto de partida. Entre os retornados era 5% de analfabetos com mais de 30 anos", disse.

A ex-ministra da Justiça, Francisca Van-Dunem, analisou a questão legal de se saber quem tinha direito à nacionalidade portuguesa.

"O que nós temos aqui é uma legislação que, contrariando aquilo que era regra da lei portuguesa de nacionalidade, que era uma lei de 1959, vai fazer bastante mais apelo ao sangue do que ao solo".

"Esta opção criou um novo padrão de ser português. E este padrão de ser português obviamente radica numa ligação do sangue, o que também acaba por ter uma interseção no que diz respeito à raça e, portanto, criou-se aqui pela primeira vez um modelo e um novo padrão, em que as pessoas que tinham o mesmo estatuto são separadas não em função da sua vontade, mas em função, digamos, do sangue que lhes corre nas veias e de alguma forma, também da raça que tenham", salientou.

Outro interveniente no painel, José Neves, do Departamento de História da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, chamou a atenção para o facto de a "queda do Império português coincidir com o acesso à democracia".

"E esse traço não se encontra assim historicamente nem em muitas outras circunstâncias. E isso produz alguns efeitos muito positivos do ponto de vista do que é a nossa identidade democrática. Ou seja, em certo sentido, a responsabilidade pelo colonialismo não é deste regime democrático. Ao mesmo tempo, cria, facilita uma associação entre o que foi o regime anterior, a ditadura, o Estado Novo e o colonialismo, quando na verdade o colonialismo tem uma história, digamos assim, mais longa, que precede a própria ditadura", afirmou.

José Neves questionou ainda a ideia da associação entre o fim da ditadura do Estado Novo e o fim do Império com a entrada na Comunidade Económica Europeia, atual União Europeia.

"Essa associação é feita de forma muito direta e não tem que ser assim. Isso faz parte de uma interpretação do desenvolvimento do país mas ele afasta-se dela", defendeu, considerando que existe um período de seis a oito anos "em que o destino do país e a sua identificação como parte da Europa, como parte de uma entidade, o chamado Ocidente, não está estabelecido".

A escritora Dulce Maria Cardoso destacou a necessidade de se abordar devidamente a perda do Império colonial.

"Acho que enquanto nós não percebermos, não aceitarmos que a perda do império não foi devidamente tratada - como dizia o saudoso professor Eduardo Lourenço: 'desfizemo-nos do império como quem deita fora uma camisa velha' -, corremos o risco do que fizemos, do que deu origem ao fim do império, portanto a revolução [do 25 de Abril], não se cumpre", defendeu.

"E as passadas eleições demonstraram isso, porque nós ainda não percebemos o nosso lugar no mundo. Porque não nos conseguimos desfazer de cinco séculos, e depois não conseguimos pôr cinco décadas de ditadura, de um momento para o outro, num discurso, e está tudo resolvido e vamos para a frente. Eu acho que devíamos, nós os que têm o privilégio de ter tempo para pensar sobre isso, devíamos pensar seriamente sobre isso", acrescentou.

Leia Também: 25 Abril. Ex-deputados apresentam propostas para aprofundar democracia

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