Lucília Gago esteve hoje de manhã a intervir no IV Congresso Europeu sobre "Uma Justiça Amigas das Crianças -- O direito à educação", em Lisboa, no qual aproveitou para chamar a atenção para algumas das falhas do sistema relativamente à justiça juvenil e para o que apelidou de "desconformidades no domínio da intervenção tutelar educativa".
Na opinião da procuradora-geral da República (PGR), o recente encerramento de unidades residenciais em centros educativos, aliado ao "inexpressivo registo de inquéritos e de requerimentos de abertura da fase jurisdicional", levou a que se chegasse a uma situação que classificou de "incongruente".
"O número global de internamentos decretados, 136, suplantou em fevereiro e março deste ano a lotação estabelecida, 134", apontou.
Alertou, por outro lado, que "a conjuntura inspira a maior apreensão face também à escassez de recursos humanos e ao crescente ingresso em território nacional de jovens não acompanhados das respetivas famílias".
A PGR apontou que são jovens "desenraizados, indocumentados, de distintas origens e proveniências" e que não têm capacidade para se autossustentarem.
"Com elevada probabilidade poderão vir a denotar necessidades educativas manifestadas na prática de factos criminalmente relevantes, avolumando as dificuldades no terreno hoje fortemente sentidas", salientou Lucília Gago.
Para a PGR, a escola de hoje é confrontada com "inúmeros desafios", por causa da "crescente multiculturalidade das crianças e jovens que a frequentam", que têm exigido dos vários profissionais educativos esforços "redobrados e hercúleos" para que seja possível "a plena integração dos alunos e a igualdade de oportunidades".
"Esse reforço soçobrará, segundo julgamos, caso inexista maior oferta e versatilidade nos percursos escolares, diversificando os conteúdos curriculares e facultando melhor correspondência com o interesse dos educandos, valorizando as suas potencialidades e aptidões, atendendo à sua crescente multiculturalidade, sem deixar de ter presente o pulsar do mercado de trabalho", defendeu.
Citou os dados do relatório de Caracterização Anual da Situação de Acolhimento das Crianças e Jovens (CASA) de 2022 para defender que "outro elemento a impor reflexão" é o facto de não ser possível que a medida de acolhimento residencial exista em regime semiaberto, "uma opção do legislador" que vê como "altamente questionável".
Segundo Lucília Gago, isto tem "reflexos perversos", que leva a que os jovens institucionalizados façam "sucessivas fugas", o que só contribui para a sua desproteção, "projetando-os para o absurdo de precoces e impreparadas, e a todos os títulos contraproducentes, autonomias".
"Tudo em desfavor da frequência e progressão escolar, catapultando os jovens residencialmente acolhidos para a mendicidade, a prostituição, o consumo e a dependência de drogas e de álcool", criticou.
Lamentou também "a escassez de equipamentos especializados para permitir cabal resposta no domínio das problemáticas de saúde mental".
Por seu lado, a ministra da Justiça, igualmente presente na sessão de abertura, citou dados do Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) para referir que tem aumentado a delinquência juvenil desde 2021 e que isso tem reflexo no aumento do número de inquéritos tutelares educativos.
"Consequentemente, a aplicação potencial da medida tutelar mais intrusiva para as crianças, o internamento em centro educativo, tenderá a aumentar", apontou Rita Júdice.
A ministra apontou que os jovens, aos quais é aplicada a medida, chegam aos centros educativos com uma média de idade de 16 anos e com "percursos desviantes cada vez mais complexos".
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