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Nova variante da Mpox em Portugal? "É só uma questão de tempo"

Para a diretora do Serviço de Infeciologia da Unidade Local de Saúde de Braga "é importante identificar rapidamente casos para quebrar cadeias de transmissão", no entanto, "não se espera que impacto da Mpox na Europa seja o mesmo que em África".

Nova variante da Mpox em Portugal? "É só uma questão de tempo"
Notícias ao Minuto

08:02 - 21/08/24 por Natacha Nunes Costa

País mpox

A nova variante da Monkeypox está a preocupar as autoridades de saúde e já levou a Organização Mundial da Saúde (OMS) a emitir um alerta e a pedir uma resposta unificada perante a expansão do vírus.

 

Em entrevista ao Notícias ao Minuto, depois de a Suécia ter confirmado o primeiro caso do subtipo Clade I de Mpox, a diretora do Serviço de Infeciologia da Unidade Local de Saúde de Braga, Ana Claudia Carvalho, realçou que, "num mundo global como o que vivemos é só uma questão de tempo" para que esta também chegue a Portugal.

Apesar disso, assegura a médica especialista, ainda não há razões para "pânico", o que é necessário é que as pessoas que viajam para os países atingidos pela doença "se protejam" e que as autoridades internacionais tomem medidas para a "situação não ficar fora do controlo".

Alerta que a OMS lança agora a 14 de agosto, relaciona-se com um outro tipo deste vírus, que é o Clade I

Nos últimos dias têm chegado vários alertas sobre a Mpox, principalmente, desde que foi detetado o primeiro caso da nova variante na Suécia. Qual a probabilidade, na sua opinião, do subtipo Clade I deste vírus chegar a Portugal?

Num mundo global como o que vivemos, acaba por ser só uma questão de tempo até sermos confrontados com isso. Não me parece é que exista o risco de ter uma situação disseminada e de propagação sustentada na população em geral.

Tal como o subtipo Clade II do Monkeypox chegou a Portugal em 2022...

Sim, o vírus continua a chamar-se Monkeypox, a doença é que se chama Mpox porque, embora tenha sido identificada a primeira vez este vírus numa espécie de macaco, este vírus pode afetar várias espécies de primatas, roedores e humanos também. Sabemos que o vírus vai causado infeção em humanos e já há várias décadas que isso acontece, sobretudo, na região Centro-Africana e África Austral. O que aconteceu em 2022 foi pela primeira vez termos e verificarmos a circulação deste vírus em humanos fora de África, em quase todos os países do mundo e na Europa, particularmente, com Espanha, França, Alemanha, Reino Unido com muitos casos e Portugal com mais de mil casos notificados desde 2022. Só que, até agora era, essencialmente, pelo tipo de vírus Clade II, transmissões esporádicas e sem disseminação na comunidade em geral.

A maior parte deles, entre homens...

Sim, a maior parte destes casos, como a Direção Geral da Saúde (DGS) reporta são, essencialmente, entre homens e estão muito relacionados com o contacto íntimo, sexo entre homens, múltiplos parceiros, sexo comercial. Portanto, todos estes fatores de risco. Isso era o Clade II, que continua a existir e vamos tendo esporadicamente. No entanto, este alerta que a OMS lança agora a 14 de agosto, relaciona-se com um outro tipo deste vírus, que é o Clade I e, particularmente, Ib, que só foi identificado na República Democrática do Congo em outubro do ano passado, em 2023. E que, entretanto, tem circulado na comunidade nessas zonas e disseminou-se por outros países, mais de 15, incluindo aqueles que não tinham antes evidência de circulação do vírus, como o Congo, a República Centro-Africana, o Gana, o Ruanda e também o Quénia, países onde o turismo assume já outro papel, com um fluxo de turismo maior.

Não é especificamente uma doença, infeção de homens, qualquer pessoa pode ser afetada, criança, mulher, homem

E porque é que a variante Clade Ib é mais preocupante que a Clade II?

Parece ser de transmissão mais fácil e com um quadro clínico mais expressivo. Na República Democrática do Congo a letalidade associada a estes casos ronda os 3% e estes casos identificados na Suécia são precisamente não do Clade II, já identificado na Europa, mas precisamente do Clade Ib. 

As formas de transmissão são as mesmas?

Este vírus não é de transmissão fácil por via aérea, implica um contacto próximo com uma pessoa infetada, mas é importante tentarmos identificar o mais rapidamente possível esses casos e quebrarmos cadeias de transmissão. As formas de transmissão são provavelmente as mesmas, pode é ter possibilidade de transmissão maior. O que se tem verificado é uma associação grande com a relação sexual porque é onde o contacto próximo com pele e mucosas é muito facilitado. Não é especificamente uma doença, infeção de homens, qualquer pessoa pode ser afetada, criança, mulher, homem. O que sabemos é que a transmissão é feita através de um contacto próximo, pele com pele, mucosas ou cara a cara muito próximo.

Sabemos que também se pode transmitir de mãe para filho e, em África, temos verificado também nos serviços de saúde, o que tem muito a ver com a contaminação dos objetos e das superfícies pelo vírus, uma vez que, tal como sabemos, nos locais com menos recurso e onde as práticas de controlo de infeção não são as melhores, as superfícies podem também ser uma fonte de contágio.

E os sintomas são os mesmos?

Sim. Esta é uma doença que tem um período de incubação geralmente de uma a duas semanas. O início de sintomas caracteriza-se pelo aparecimento de febre, que não é necessariamente muito alta, dores musculares, dores de cabeça e, uns dias depois, lesões na pele. Essas lesões podem ser poucas e só localizadas numa determinada área, por exemplo, na área genital e daí ser mais difícil diagnosticar, mas podem também ser às centenas e apresentarem-se em todo o corpo.

Estas lesões na pele caracteristicamente também vão evoluindo, não se apresentam sempre da mesma forma. Começa por surgir uma macha na pele, que depois passa a ter uma elevação, a seguir ganha um líquido, que tem a designação de vesícula, essa vesícula muitas vezes infeta, fica com aquele aspeto amarelo e, depois, quando abre, ganha uma crosta. As lesões são semelhantes às da varicela, embora o vírus seja outro completamente diferente. Quando as lesões chegam todas à fase de crosta, forma-se pele boa, o que significa que estamos no fim do curso da infeção.

As complicações que podem ocorrer são raras e são sobretudo bacterianas. As infeções na pele podem é ser muito dolorosas, o que é uma característica também importante e faz com que as pessoas recorram aos cuidados de saúde.

Os casos graves prendem-se com complicações como a pneumonia ou sobre-infeção, infeção secundária das lesões cutâneas e, em casos raros, encefalites e miocardite, com o atingimento do cérebro e do coração

Então os casos mais complicados da doença estão relacionados com o perigo de infeção das lesões na pele?

Os casos graves prendem-se com complicações como a pneumonia ou sobre-infeção, infeção secundária das lesões cutâneas e, em casos raros, encefalites e miocardite, com o atingimento do cérebro e do coração. Mas são casos raríssimos.

Tento em conta o alerta feito pela Comissão Europeia, que tipo de medidas devem ser tomadas já pelas autoridades portuguesas?

A Direção Geral da Saúde (DGS) seguramente, tal como tem feito no Clade II, tem emitido orientações, normas e recomendações para a abordagem. Neste momento, já temos isso em curso.

Que recomendações devem as pessoas seguir para evitar o Monkeypox?

Chamar a atenção, sobretudo das pessoas que viajam para essa zona, para os países onde a circulação do vírus já está documentada. Reforçar o alerta para as pessoas terem mais atenção, se protejam, como também se regressarem desses países e tenham algum destes sintomas que procurem os cuidados de saúde e refiram essa viagem logo no primeiro contacto com o profissional de saúde. As pessoas que não saíram do país mas tiveram contacto com alguém que tenha essas lesões muito sugestivas ou tenha sido um caso confirmado ou suspeito, também devem ter cuidado.

As vacinas cobrem esta variante? Quem pode/deve ser vacinado?

A vacina não é específica para o Monkeypox, é uma vacina de terceira geração para a varíola, um outro vírus mas que pertence à mesma família. No entanto, apesar de não ser específica para este vírus, oferece uma proteção na ordem dos 80% contra a infeção provocada pelo Monkeypox. Agora, ainda não há dados específicos sobre se há uma proteção diferente para os diferentes tipos de vírus. Além disso, esta é uma vacina que está mais destinada a proteger grupos de risco, não é uma vacina que seja para fazer, pelo menos neste momento, em qualquer pessoa, em larga escala. 

Contudo, existe, e pode ser feita não só a pessoas que tenham maior risco à exposição como também pode ser útil na prevenção de sintomas, depois da exposição ao vírus. Por exemplo, se uma pessoa contactar com um caso doente, mas ainda não desenvolveu sintomas, pode beneficiar desta vacina porque esta reduz o risco de vir a desenvolver sintomas, mesmo nestes casos. A vacina tem esta possibilidade de atuar quer antes da exposição, quer depois da exposição. Isto é, neste momento, o que está aconselhado é que seja utilizada apenas em situações mais concretas e não em geral.

Isso quer dizer que quem tomou esta vacina, antes de deixar de fazer parte do Plano Nacional de Vacinação, pode ter algum tipo de imunidade?

A varíola foi erradicada em 1980 de todo o mundo e durante milénios causou doença. Em Portugal, a vacinação contra a varíola fez parte do Plano Nacional de Vacinação até 1977, entre 57 e 77, por isso as pessoas nas faixas etárias dos 50, 60 anos ainda terão, provavelmente, alguma proteção, porque ainda foram vacinadas contra a varíola. Essa pode ser uma das razões que leva a que os casos ocorram, sobretudo, entre pessoas mais jovens, assim como outros fatores, lá está. É de esperar que as pessoas mais velhas tenha alguma proteção, mesmo que seja parcial.

Não é de esperar que o impacto da Mpox na Europa seja o mesmo que é em África, como não foi na Covid, como não foi com o Ébola e todas as outras ameaças que tivemos.

Acha que há motivo para alarme?

Penso que não haja motivos para alarme para a população em geral. É importante termos essa noção que estes alertas da OMS são, sobretudo, para que se espoletem uma série de medidas, nomeadamente de ajudas internacionais aos países mais afetados de forma a conter e tentar controlar a infeção. Este alerta da OMS não é para entrarmos todos em pânico, mas é para chamar a atenção de uma situação que não pode ficar fora do controlo e atuar até nas zonas a infeção, onde, de facto, o Monkeypox está a causar muita doença e a ter muito impacto sobre as populações. Como sempre a doença é a mesma, a infeção é a mesma, o vírus é o mesmo, mas depois o impacto que tem depende muito dos recursos que os países têm para lidar com os casos e vê-se duas fases muito diferentes entre países com mais e menos recursos.

Não é por isso de esperar que o impacto da Mpox na Europa seja o mesmo que é em África, como não foi na Covid, como não foi com o Ébola e todas as outras ameaças que tivemos.

Mesmo esta letalidade documentada em África, no Congo, de 3%, sabemos que com cuidados de suporte, hidratação, de tratar a febre, as complicações, seria inferior a 2% e isso também deve ser um fator para tranquilizar e não alarmar.

Leia Também: Mpox volta a preocupar. Tudo o que deve saber em cinco perguntas

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