A antiga ministra da Saúde Marta Temido admitiu que ficou a saber do caso das gémeas luso-brasileiras que receberam o medicamento Zolgensma "algures o final de outubro, inícios de novembro de 2023", quando recebeu "um contacto de uma jornalista de um canal de televisão".
Temido disse que tinha "uma vaga ideia de umas gémeas". "O meu distanciamento do caso e a minha total boa-fé foram tal que continuei na minha atividade. Só depois, quando passou a primeira reportagem, aí procurei inteirar-me do que se passava", disse, em audição na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) ao caso, respondendo à deputada da Iniciativa Liberal Joana Cordeiro.
Nela, a antiga ministra da Saúde disse que pediu "acesso à documentação administrativa ao Ministério da Saúde" e fez "um contacto informal com o ministro da Saúde", que lhe sucedeu - então Manuel Pizarro. Também se dirigiu por escrito à chefe de gabinete do ministro da Saúde, invocando a lei de acesso a documentos administrativos.
Marta Temido explicou que, depois, quando se tornou público que o antigo secretário de Estado da Saúde António Lacerda Sales estaria envolvido na polémica, contactou-o e tiveram uma conversa para discutir o assunto. Recusou-se, no entanto, a relatar "conversas privadas".
"Como imaginarão, forma mantidas numa fase muito inicial deste processo, das primeiras reportagens. Todos nós nos preservamos uns aos outros de trocar informação sobre o tema. Não contactei ninguém do ministério, que trabalhavam comigo, para tentar ter mais informação do que aquela que obtive formalmente e que analisei para o processo. Por uma preocupação de não pôr ninguém em causa nem contaminar nada do que pudesse estar a ser analisado", disse.
Nada de anormal significa um pedido de um medicamento de dois milhões de euros num ministério que tinha nesse ano cerca de dois mil milhões de euros de despesa em medicamentos
A antiga chefe da tutela da Saúde garantiu, nas declarações iniciais na Assembleia da República, que não teve "qualquer contacto com o caso" e, depois, respondendo à deputada Joana Cordeiro, admitiu que "nada de anormal significa um pedido de um medicamento de dois milhões de euros num ministério que tinha nesse ano cerca de dois mil milhões de euros de despesa em medicamentos", referindo-se ao valor milionário do medicamento fornecido às gémeas em questão.
"Sei que é muito, reconheço que há uma grande preocupação pela gestão dos dinheiros públicos. Esta é a normalidade dos preços do acesso à indústria farmacêutica. Foi um dos temas da nossa presidência portuguesa da União Europeia", argumentou.
De seguida, a ministra da Saúde afirmou que estas crianças "não tiveram um acesso facilitado" a este tratamento, recusando que tenha havido um acesso indevido à consulta inicial no Serviço Nacional de Saúde. Embora "o processo possa hoje estar a ser questionado sobre aquilo que envolveu", as meninas "tiveram o acesso que tinham de ter", defendeu.
De recordar que foi aberta uma CPI ao caso das gémeas luso-brasileiras que tiveram acesso a um tratamento milionário no Serviço Nacional de Saúde (SNS), em que há suspeitas de que terão recebido a ajuda do filho do Presidente da República, Nuno Rebelo de Sousa, e do então secretário de Estado da Saúde António Lacerda Sales, que terá sido o responsável pela marcação da consulta inicial das gémeas no SNS.
Lacerda Sales foi já ouvido na Assembleia da República no passado dia 17 de junho onde se mostrou indisponível para ser "bode expiatório num processo político mediático a qualquer custo".
De acordo com o relatório da Inspeção Geral de Atividades em Saúde (IGAS) sobre este caso, foi a secretária do ex-secretário de Estado da Saúde, Carla Silva, quem contactou o Hospital de Santa Maria para marcar a consulta das gémeas - uma informação já negada por Lacerda Sales. No relatório, o IGAS explicou que Carla Silva remeteu informações como "a identidade das crianças, data de nascimento, diagnóstico e datas em que os pais poderiam estar presentes" para o Hospital de Santa Maria sob orientação do ex-secretário de Estado.
[Notícia atualizada às 19h17]
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