José Maria Ricciardi, primo do ex-presidente do Banco Espírito Santo, Ricardo Salgado, referiu hoje no depoimento prestado no terceiro dia do julgamento do processo BES/GES, no Juízo Central Criminal de Lisboa, que a prova assentava numa conversa entre o contabilista Francisco Machado da Cruz, apontado como responsável por ter falsificado as contas sob ordens de Salgado, e os advogados luxemburgueses, tendo remetido a prova imediatamente para o Banco de Portugal (BdP).
"Só tive a prova de que as contas estavam falsificadas em maio de 2014, num documento que recebi e que reencaminhei de imediato para o Banco de Portugal (BdP). A narrativa até então não era de que havia falsificação, mas de que havia uma má consolidação das contas e de que tinha havido um erro do 'comissaire aux comptes' [Francisco Machado da Cruz]", disse.
Ricciardi sublinhou também que, em outubro de 2013, ainda antes de serem detetados os problemas nas contas da sociedade ESI (holding do GES para as áreas financeira e não financeira), fez um documento assinado por seis dos nove membros do Conselho Superior (CS) do GES no qual se insurgiu contra a forma como Ricardo Salgado liderava o grupo.
"Propus que o doutor Ricardo Salgado saísse porque não havia controlo da 'governance' e porque o doutor Salgado fazia o que lhe apetecia. Nós não sabíamos o que se passava efetivamente. Foi assinado por seis dos nove membros e nessa altura ainda não se sabia da falsificação das contas", notou.
O antigo líder do BESI disse ainda que Ricardo Salgado apenas começou a dar explicações sobre as contas em meados de dezembro de 2013 e que, inicialmente, a narrativa sobre os problemas se devia a um erro nas contas, da responsabilidade de Machado da Cruz, e não por causa de uma manipulação dos números.
"Houve a narrativa de que ele [Machado da Cruz] se tinha enganado nas contas e em maio chegou-me um documento em que Machado da Cruz disse a uma das maiores sociedades de advogados luxemburguesas que não tinha havido nenhum erro nas contas, mas que tinha havido falsificação por ordem do doutor Ricardo Salgado", admitiu.
Sem querer revelar a fonte do documento da conversa entre Machado da Cruz e os advogados luxemburgueses, José Maria Ricciardi afiançou que a "narrativa [do erro] era imputável ao doutor Salgado, com certeza" e que o 'commissaire aux comptes' lhe explicou posteriormente que a dimensão dos problemas era ainda maior do que se pensava no final de 2013.
"O diferencial de 1,2 mil milhões de euros já era um acumular de alterações nas contas que vinham desde 2008. Havia umas contas que se apresentavam oficialmente e ia-se pondo de lado X. E em 2012 o total que já se tinha posto de lado era de 1,2 mil milhões de euros, que já vinha desde 2008 ou 2009. E disse-me que outro dinheiro se somava a este", complementou.
Questionado sobre o momento exato em que se apercebeu dos problemas das contas da ESI e se também teria tomado conhecimento da situação através do empresário Pedro Queiroz Pereira (falecido em 2018 e que entrou em conflito com Ricardo Salgado, contribuindo para a queda do ex-banqueiro ao expor os problemas nas contas do GES), Ricciardi clarificou que o antigo líder da Semapa avisou, mas nunca entregou provas.
"O doutor Pedro Queiroz Pereira veio dizer-me várias vezes que o banco estava em péssimas condições, mas como o doutor Pedro Queiroz Pereira andava sempre em guerras com o doutor Ricardo Salgado e nunca mostrou nada", afirmou, acrescentando: "O que eu sei é que já tinha ido ao BdP em outubro de 2013 porque não me sentia bem com a 'governance' que se verificava no GES e o senhor Governador [Carlos Costa] pediu-me calma, porque eu queria ir-me embora".
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