"A deposição do regime de [o agora ex-Presidente, Bashar al-]Assad é algo que é bem recebido pela comunidade internacional", já que "este era um dos regimes mais sanguinários da atualidade", mas "é evidente que a situação é incerta e, portanto, reclama prudência", afirmou Paulo Rangel à margem de uma reunião da IGCP (Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública) que hoje decorre no CCB, em Lisboa.
"É fundamental que as diferentes forças - porque a Síria é um conjunto de comunidades muito, muito diversas -- possam, de facto, dialogar e trabalhar para construir um sistema" melhor, disse.
Apesar de sublinhar que acredita que a diplomacia e o diálogo devem ser as primeiras ferramentas a usar, o ministro reconheceu ser necessário assegurar que o país árabe "não sai de um regime negativo para o seu povo para [entrar] noutro do mesmo tipo".
Depois de uma ofensiva relâmpago iniciada pela oposição ao regime, os rebeldes declararam este fim de semana a capital da Síria, Damasco, livre de Bashar al-Assad, que esteve 24 anos no poder.
A ofensiva foi realizada em menos de duas semanas por uma coligação liderada pelo grupo islâmico Organização de Libertação do Levante (Hayat Tahrir al Sham ou HTS, em árabe), juntamente com outras fações apoiadas pela Turquia.
A HTS, também conhecida por Al-Qaida da Síria, é uma organização política e paramilitar 'jihadista', de orientação sunita, considerada terrorista por países como os Estados Unidos, o Reino Unido, o Canadá, e também pela União Europeia (UE).
Uma questão que Paulo Rangel admitiu ser necessário analisar, sublinhando que "é preciso avaliar os próximos desenvolvimentos" para saber se se deve retirar a classificação de "grupo terrorista" antes de iniciar o diálogo com o grupo sírio.
"É evidente que organizações radicais são organizações com as quais não podemos trabalhar, mas vamos ver qual são os desenvolvimentos", considerou, acrescentando que os líderes do movimento têm prometido moderação nas suas futuras decisões.
Agora, é preciso "olhar para a Síria como um palco de oportunidades", sublinhou, adiantando que a situação atual "é motivo de grande preocupação, mas é seguramente melhor do que a anterior".
O ministro português reforçou ainda esperar que a reunião do Conselho de Segurança das Nações Unidas, marcada para hoje (às 20:00 de Lisboa), reafirme a necessidade "de um entendimento entre todas as comunidades sem discriminação de minorias", de maneira a "encontrar forma de integrar todo o puzzle" formado por sunitas (maioria), cristãos judaicos, drusos, xiitas, entre outros.
A ideia é "que se consiga estabilizar a situação e até permitir (...) que muitos refugiados que estão nas imediações - no Líbano, na Jordânia e na Turquia em particular, onde estão vários milhões - possam, progressivamente, regressar", avançou Rangel.
Sem embaixada na Síria, sendo a representação diplomática feita a partir de Nicósia (Chipre), Portugal tem registo de apenas dois cidadãos naquele país: uma religiosa e um funcionário das Nações Unidas que, segundo o gabinete do Ministério dos Negócios Estrangeiros, estão "ambos enquadrados nas suas estruturas e não pediram para sair" do território sírio.
Rangel reconheceu ainda esperar que a mudança da situação na Síria "seja uma possibilidade também de diálogo no contexto dos problemas do Líbano, onde as coisas estão um pouco mais estáveis do que estavam há um mês, da questão da Palestina, da Faixa de Gaza e até da Cisjordânia".
Além disso, "é muito importante que se crie aqui a oportunidade de um cessar-fogo em paralelo àquilo que se fez com o [grupo xiita libanês] Hezbollah", referiu, lembrando que há ainda problemas noutros pontos do Médio Oriente, como por exemplo, no Mar Vermelho e, nomeadamente, no Iémen.
"Todos estes fatores estão, evidentemente, também ligados à crise síria, portanto vamos ver se aqui se cria uma oportunidade, uma janela para um novo fôlego no Médio Oriente", concluiu o chefe da diplomacia portuguesa.
[Notícia atualizada às 14h45]
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