Na audição regimental da equipa do Ministério da Justiça, pela comissão parlamentar de assuntos constitucionais, direitos, liberdades e garantias, a ministra da Justiça, Rita Alarcão Júdice, rejeitou que a alteração à lei dos solos promovida pelo Governo possa facilitar fenómenos de corrupção.
Citando discursos recentes da própria ministra sobre a área do urbanismo, o deputado bloquista Fabian Figueiredo, que apontou uma "simplificação excessiva" no licenciamento com consequente "probabilidade real" de "aumentar o risco de corrupção", questionou se as mudanças na lei não criariam um "terreno fértil e um ambiente propício para a corrupção germinar".
"Não é por haver uma maior simplificação que existirá uma maior corrupção", respondeu a ministra, afirmando que os maiores fenómenos corruptivos existem quanto "maior a obscuridade e maior a complexidade dos processos", manifestando ainda o compromisso do Governo em aumentar a fiscalização, com reforço de meios, pedido pelas próprias autarquias.
Admitiu a reativação da Inspeção-Geral da Administração Local, ainda que integrada noutras entidades: "Na verdade, a solução, se é uma entidade ou várias, não é algo que me preocupa, o que me preocupa é a eficácia da solução que vá ser implementada".
A audição abriu com a deputada socialista Isabel Moreira a questionar a ministra sobre se se sentia confortável com a posição e discurso do Governo sobre segurança e com a presença numa conferência de imprensa do primeiro-ministro "como se fosse diretor nacional da PSP", a apresentar resultados de operacionais policiais, em horário nobre em diretos televisivos, e sobre o que pretende fazer para combater os crimes de ódio em crescimento na sequência da operação policial que levou à revista policial de imigrantes em fila encostados à parede.
A ministra, que justificou a presença na conferência de imprensa por ter a tutela da Polícia Judiciária, disse não haver contradição entre os dados oficiais de criminalidade e o discurso do Governo, sublinhando que o primeiro-ministro reiterou por diversas vezes que o país é seguro, não respondendo sobre a questão dos crimes de ódio na sequência do episódio no Martim Moniz.
As questões de segurança levariam ainda a divergências de posição com o Chega, com a deputada Vanessa Barata a referir uma "escalada do crime" e a questionar se o Governo equaciona rever molduras penais e expulsar estrangeiros em casos de crimes como violação.
Sobre a questão dos estrangeiros, Rita Alarcão Júdice sublinhou ter "um discurso muito diferente" do da deputada e referiu que a nacionalidade "é interessante para estatística".
Sobre as críticas da deputada à intervenção inicial da ministra, nas quais a governante apontou aos sindicatos dos guardas prisionais tentativas de desvalorizar a carreira e as condições salariais de entrada, Rita Alarcão Júdice acabaria a reiterar que houve comportamentos sindicais que expuseram condições de segurança e que se tornaram em "parte do problema", não "parte da solução" e que também o Chega "tentou diminuir" a questão do salário, algo que a deputada contestou.
Ao longo da audição a ministra reiterou a intenção de apresentar até ao final do mês o anteprojeto de diploma para a perda alargada de bens, medida da agenda anticorrupção, e que o grupo de trabalho que se dedicou a preparar o diploma prossiga depois do trabalho dedicado a temas como revisão da fase de inquérito processual ou expedientes dilatórios.
Reiterou ainda a intenção de rever a orgânica do Mecanismo Anticorrupção (MENAC) e adiantou estar em "circuito legislativo" um diploma para rever a distribuição processual, "retirando a burocracia, mas sem por em causa a distribuição de acordo com os princípios constitucionais que são impostos", em resposta a um comunicado conjunto de vários operadores judiciais que criticavam as regras em vigor, implicando presenças desnecessárias de magistrados e funcionários para assistir a um processo eletrónico.
Outro diploma em circuito legislativo é o que diz respeito às assessorias dos tribunais, tendo a secretária de Estado Adjunta e da Justiça, Maria Clara Figueiredo, adiantado estar em fase avançada o diploma que as vai regular para todas as instâncias e, a propósito de uma questão do deputado António Filipe do PCP sobre essa possibilidade, disse "preferir não adiantar" se estas carreiras serão integradas no Estatuto dos Funcionários Judiciais, atualmente em negociação.
Rita Alarcão Júdice rejeitou ainda "alimentar polémicas" com o presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar-Branco, depois de na abertura do ano judicial este ter anunciado uma reunião de trabalho dedicada à justiça, sem que a ministra tivesse tido conhecimento prévio disso, mas rejeitando hoje que isso possa representar qualquer intromissão nas competências do Ministério da Justiça e da ministra.
"Não há qualquer mal-entendido entre nós", garantiu a ministra em resposta a Mariana Leitão, da Iniciativa Liberal.
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