Em entrevista à Lusa, em Roma, António Estêvão Fernandes salientou que o trabalho de Francisco, atualmente hospitalizado com uma pneumonia bilateral, é reconhecido por crentes e não crentes graças à sua capacidade de diálogo e vontade de reformar a Igreja.
Nesse sentido, o reitor faz dois balanços separados do pontificado de Francisco, um com impacto interno e outro mais externo.
Na questão interna, "o Papa Francisco assumiu - e já se falava disso quando eram as Congregações Gerais do Conclave que o elegeu - a necessidade de uma reforma da Igreja" e essa proposta foi levada por diante, "com algumas provocações sobre o exercício do próprio ministério sacerdotal".
"[Francisco trouxe] um olhar diferente, que nos provoca e que nos interpela a um exercício diferente", salientou, evocando a expressão utilizada do Papa, que queria a Igreja como um "hospital de campanha", num mundo em crise.
Ora, "a expressão 'hospital de campanha' não é só uma expressão de uma Igreja que tem de estar no meio da crise, mas em que a própria Igreja também se assuma como parte" e em que se revela também a fragilidade da estrutura eclesiástica, considerou.
No seu entender, esta reforma, que passou pela nomeação de leigos ou de mulheres para cargos de relevo, a fusão de serviços e a reorganização das instituições, também segue "o pensamento fundamental do Concílio Vaticano II", acrescentou.
Por outro lado, o pontificado é também marcado por um discurso que "extravasa as fronteiras da Igreja e é capaz de ir a temas importantíssimos como a ecologia, os migrantes" ou a inteligência artificial, disse o reitor.
"São temas que extravasam" o discurso tradicional dos Papas e o tornam uma "figura proeminente no tempo que corre a nível internacional", salientou.
Por isso, considera António Estêvão Fernandes, há "esta preocupação universal sobre o estado de saúde do Papa", porque "é um Papa que é transversal" que, ao longo do seu pontificado veio "falar vezes sem conta do primado da pessoa humana".
O seu pontificado foi também marcado por aquilo que o reitor considera a "encíclica dos gestos", em que Francisco foi um exemplo, seja na condenação dos abusos sexuais ou durante a pandemia.
"Foi a encíclica da pandemia de um homem a atravessar a praça sozinho, a rezar por toda a humanidade, numa praça vazia" e, hoje, "esta mesma praça que se enche, como outras praças, a rezar por um homem que está no hospital".
Para António Estêvão Fernandes, "todos os Papas deixam uma Igreja diferente porque trazem aquilo que é o seu cunho de governo da Igreja" e Francisco não é exceção.
Sobre as alterações ao colégio cardinalício, mais diverso e com mais representantes das periferias, o reitor do colégio português considera que essa marca já começou a sentir-se em Roma.
Exemplo disso é a nomeação inédita de um cardeal da Mongólia, país em que os cristãos são uma minoria, considerou o reitor, salientando que Francisco quer que o Vaticano oiça os cristãos, onde quer que eles estejam.
"As periferias são hoje Roma. Eu, Papa, quero escutar a vossa voz aqui em Roma", considerou o reitor.
"Acho que os primeiros passos foram mais difíceis", disse, exemplificando com as críticas às "primeiras nomeações cardinalícias" de Francisco.
No entanto, o reitor considera que hoje se começa "a respirar outro ar" e surge a consciência de que a "Igreja também está ali", nessas periferias até agora ignoradas pela hierarquia católica.
"Não é retirar relevância à Europa, se quisermos falar em termos de política eclesiástica", mas a "igreja está viva noutros quadrantes", disse, dando o exemplo dos alunos do colégio que vieram da Coreia do Sul.
"Há poucos dias disseram-me que a diocese de Seul iria ter 22 ordenações [de novos sacerdotes] num fim de semana. Ora, a Igreja em Portugal, no ano passado, não teve 22 ordenações", exemplificou.
Leia Também: Vaticano cancela audiências de sábado do Papa Francisco