Histórias de vida de habitantes da Folgosa do Douro contadas num jornal
As histórias de vida dos habitantes da Folgosa do Douro, no concelho de Armamar, estão a ser salvaguardadas através da sua publicação num pequeno jornal, que é também um projeto de investigação científica.
© Lusa
País Armamar
Com o rio Douro a seus pés, a Folgosa, no distrito de Viseu, tem cerca de 450 habitantes, alguns dos quais ainda têm bem presentes os hábitos, as tradições e os costumes de outras épocas.
Este património imaterial é mostrado no jornal "Vozes da Folgosa", um projeto que acredita que a partilha de histórias de vida não serve só para a divulgação de uma terra e dos seus costumes, mas também para "a consolidação de laços de fraternidade entre os participantes, a concertação comunitária e a construção de uma identidade".
O jornal -- que nasceu em 2014 - não pretende dar notícias da atualidade, mas sim do passado, contribuindo "para a construção de uma memória coletiva" com o envolvimento das pessoas da aldeia, explicou Ricardo Cardoso, um dos mentores do projeto, que está a fazer um doutoramento nesta área.
Juntamente com familiares e amigos, o assistente social criou uma associação de intervenção social, cultural e desenvolvimento comunitário sem fins lucrativos, a Nós e Vozes, no seio da qual nasceu o jornal.
Na sua opinião, este projeto permite às pessoas da aldeia perceberem "que são capazes de construir a sua história e, a partir daí, serem mais capazes de, ativamente, viverem a sua cidadania".
"A forma como as pessoas receberam o projeto e se veem nele é gratificante para nós e faz-nos pensar que estamos no bom caminho", referiu Mara Cardoso, irmã de Ricardo, que é a diretora do jornal e que conta na sua equipa com o pai, a mãe e uma tia.
Segundo a socióloga, as histórias de vida permitem "olhar para as pessoas de uma forma diferente".
"Às vezes, temos a ideia de que aquela pessoa sempre foi rica ou esteve muito bem na vida, mas depois quando vamos ler a história de vida percebemos que não foi bem assim, que foi uma pessoa que andou descalça, que passou muita fome, que trabalhou em muitos sítios, desde muito pequenino", exemplificou.
A história de Arsénio Peixoto, de 72 anos, é uma das que já foi contada no jornal. Com "dez ou onze anitos", já trabalhava de noite na padaria dos pais e, de dia, ia para a escola. Quando deixou a escola, começou "a trabalhar com a picareta" na abertura da estrada de acesso à freguesia.
Um período marcante da vida de Arsénio Peixoto foi o que viveu no Lobito, em Angola, onde trabalhou numa empresa de refrigerantes e de confeitaria e começou a praticar futebol.
"Ou jogava a guarda-redes ou a defesa esquerdo. Se fosse hoje, era capaz de ter um bom futuro", afirmou.
Com a guerra, em 1961 regressou a Portugal e teve vários ofícios até ter ficado efetivo na EDP.
"Nunca tive medo de todo o trabalho que me apareceu pela frente. Todos os patrões por onde passei ficavam chateados quando eu tinha que sair. Mas eu procurava sempre o melhor, eram seis filhos, a vida era ruim e tinham que se criar", justificou.
O jornal também já deu a conhecer a história de Maria Augusta Rodrigues, filha do último barqueiro do rio, que aparece na capa do jornal com o título "Menina traquina, mulher decidida".
Aos 80 anos, Maria Augusta ainda fala com um pouco de vergonha das suas traquinices de infância, como aquelas que fazia à noite, no caminho entre a sua casa e a da avó materna.
"Enchia a abada de pedras e atirava-as para cima dos telhados das velhas", contou, acrescentando que um dia foi descoberta, ficou fechada no quarto de castigo, mas fugiu depois de partir os vidros de uma claraboia.
Devido a tanta traquinice, a mãe e a avó levaram-na a "um bruxo que havia em Armamar". Pelo caminho, ainda saltou da burra e fugiu pelo pinhal, mas acabou por ser encontrada.
Na memória da idosa estão também os tempos em que ia a pé para Moimenta da Beira e Tabuaço com outra rapariga vender peixe e, no regresso a casa, já de noite, se escondiam quando viam as luzes dos carros, com medo que "alguém fizesse mal".
O jornal tem uma secção dedicada ao património, onde já foi referida, por exemplo, a importância que teve a Quinta dos Frades e a Barragem de Bagaúste para os habitantes da aldeia.
Os emigrantes têm também um cantinho no jornal, tal como receitas tradicionais, lendas, cantares e recriações do que foi o dia-a-dia da aldeia.
"O nosso objetivo é o de que o jornal seja um exemplo para que outras aldeias, outras freguesias ou vilas adaptem este formato de se contar a história do território", frisou Ricardo Cardoso.
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