Antidepressivos actuam menos em vítimas de abuso sexual
A probabilidade dos medicamentos antidepressivos não produzirem efeito é quase cinco vezes superior nos doentes em situação de desemprego ou vítimas de violência doméstica, por exemplo, revela um estudo liderado pelo psiquiatra Serafim Carvalho.
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País Tese
O investigador explicou à Lusa que os doentes com acontecimentos e dificuldades de vida marcados pela “humilhação” e em situações de “beco sem saída” (situação de submissão forçada conhecida por ‘entrapment’) apresentavam 4,6 vezes mais possibilidades de serem resistentes ao tratamento.
“No caso de maus tratos ou abusos sexuais na infância ou adolescência, a probabilidade de serem resistentes ao tratamento é 3,6 vezes superior”, concluiu a investigação que permitiu perceber porque é que um grupo significativo de pessoas com depressão é tão difícil de tratar.
Segundo os investigadores, quem sofreu abusos sexuais na infância ou na adolescência, ou teve no ano anterior à depressão experiências humilhantes no emprego, com patrões ou chefes prepotentes, ficou desempregado e em circunstâncias de beco sem saída, teve roturas conjugais em que sentiu ficar a perder, sofreu violência doméstica ou é dominado pelo sentimento de derrota (“não vale a pena lutar mais”), tem uma resistência muito superior aos fármacos que combatem a depressão.
Serafim Carvalho, psiquiatra do Hospital Magalhães Lemos do Porto e docente da Cooperativa de Ensino Universitário (CESPU), explicou à Lusa que “havia alguma intuição de que, em casos de depressão, precisamente as pessoas que mais precisavam da acção dos fármacos eram aquelas em que estes, muitas vezes, produziam menos efeitos”.
“A questão é que ninguém tinha ainda estudado a resistência ao tratamento farmacológico da depressão de vítimas de experiências humilhantes – um grupo que, no actual contexto de crise, tem vindo a aumentar –, de pessoas dominadas pelo sentimento de derrota ou de vítimas de abuso sexual na infância ou na adolescência”, sustentou.
A investigação ‘Variáveis Sócio-Cognitivas como Preditores da Resposta ao Tratamento Farmacológico da Depressão”’– título da sua própria tese de doutoramento, defendida em 2012, na Universidade de Coimbra – foi desenvolvida ao longo de 27 meses e envolveu 139 doentes.
Segundo o investigador, os resultados obrigam a dois tipos de alterações na actividade clínica de psiquiatras e psicólogos. “A primeira é que, no início da avaliação do doente, se terá de dar desde logo muito mais atenção a episódios da infância e adolescência – pedofilia, bullying, abuso físico, negligência. E, por outro lado, devem-se avaliar muito bem as condições de vida das pessoas nos meses que antecederam a sua entrada em depressão”, disse.
A segunda alteração tem a ver com a própria técnica terapêutica. “Sabendo que os medicamentos são muito menos eficazes nas situações referidas, tem de se utilizar mais a psicoterapia, ou a combinação desta com o tratamento farmacológico”, defendeu Serafim Carvalho.
Um dos dados que a investigação revelou foi que, muitas vezes, a vergonha de ter sofrido determinado episódio (estar desempregado, por exemplo) era muito mais patológico do que a vivência quotidiana das dificuldades que este provocava.
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