Casos como os de Filipa Lourenço, do Seixal, e Rodrigo Lapa, de Lagoa, têm vindo a público nos últimos meses e alertaram a população para os perigos de hoje em dia.
O Notícias Ao Minuto procurou saber junto da Polícia Judiciária quantas comunicações de desaparecimentos existem por ano. O número é alarmante mas tem uma explicação.
Falamos de 1.600 comunicações de desaparecimentos por ano. “Não há uma oscilação. Tem sido constante. Mas há um decréscimo quando não há escola. As nossas comunicações têm um número razoável, mas muitas vezes é uma comunicação por horas, uma fuga voluntária”, explica o inspetor Fernando Santos da Polícia Judiciária de Lisboa.
Já os dados da Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) são inferiores. Em 2015 contabilizam entre 15 a 20 registos. No entanto, revelam que os dados oficiais estão prestes a sair.
O mito na sociedade
Segundo a Polícia Judiciária, os progenitores não têm que comunicar 48 horas após o desaparecimento da criança. Muito pelo contrário, devem fazê-lo assim que têm a certeza que o menor não está em casa. “É um mito a questão das 48 horas, quanto mais cedo melhor. Tanto para a criança, como para a polícia”, revela.
Procedimentos das autoridades
“Fazemos diligências logo imediatas no sentido de tentar localizá-las. Mas quando se apura uma atividade ilícita paralela ao desaparecimento isto baixa a inquérito e vai para as respetivas unidades, nos casos de sequestro e rapto parental”, afirma.
De seguida, é investigado em sede própria. Quando há um desaparecido e depois conhece-se o seu homicídio o caso é investigado como processo-crime.
Dois tipos de desaparecidos
A polícia divide estes menores em dois grupos, os dos zero aos 10 anos e os dos 11 aos 18 anos. Os mais novos prende-se, por norma, “com problemas com os progenitores, de ambiente familiar". Normalmente nestas idades, explica o inspetor, é porque há uma situação de crime. Muito excecionalmente acontece o caso de uma criança desaparecida, só como é conhecido os casos de Rui Pedro – desaparecido em 1998 – e Maddie – a menina desaparecida desde 2007 na Praia da Luz.
Segue-se o grupo dos menores com idades compreendidas entre os 11 e os 18 anos. Também aqui se pode dividir: “aqueles que estão devidamente enquadrados em ambiente familiar” e os que estão em instituições.
Dentro do ambiente familiar a fuga é por vezes voluntária e prende-se com “algum problema de notas, de namorados, é uma coisa momentânea e a resolução além de rápida é também muitas vezes voluntária”.
No caso das instituições, “muitos são os desaparecimentos em que a criança tinha um recolher obrigatório mas só aparece umas horas depois”. Também nestes casos é feita a comunicação do desaparecimento.
O que pode motivar um jovem a desaparecer de casa
“As razões podem estar relacionadas mais ou menos diretamente com os progenitores. Consoante a sua estrutura de personalidade e enquadramento familiar e cultural, podemos ter crianças mais vulneráveis à influência de terceiros, o que por si só está na base de algumas situações de fuga: o ir em procura de maior liberdade e conforto e o fantasiar convites que lhes são feitos, presencialmente ou online, com promessas de uma vida melhor”, refere a psicóloga da Clínica da Oficina de Psicologia, Filipa Silva Jardim.
Contudo, há mais explicações. “As próprias crises de identidade típicas da adolescência motivam, por vezes, comportamentos mais disruptivos e de oposição que podem passar por desaparecer”, frisa.
Ou até mesmo um teste ao amor da família “por sentirem que são invisíveis ou até mesmo um fardo, ou por medo de partilharem uma situação menos boa”.
Pais devem "manter um diálogo aberto com os filhos"
“Manter um diálogo aberto com os filhos, abrindo espaço à expressão de emoções, ideias e necessidades, é fundamental para diminuir a possibilidade de os pais serem excluídos da vida dos filhos ou não estarem a par da sua realidade emocional”, afirma a psicóloga.
Além de que é preciso maior monitorização devido aos “mundos virtuais”. “A supervisão e orientação parental é fundamental. É essencial que os pais acompanhem de perto os hábitos do dia a dia dos seus filhos, que conheçam as pessoas com quem conversam e lidam e possam ter a oportunidade de clarificar imagens que passam na TV, conversas que surgem online e outras situações”, sublinha.
Balanço até março de 2016
A Polícia Judiciária revela ao Notícias Ao Minuto que as comunicações de desaparecimento até março rondam as 500. Mas há a considerar os reincidentes. Quanto a este caso temos o exemplo de Inês, de 15 anos, institucionalizada em Fátima, que já desapareceu várias vezes. “A criança que está institucionalizada é geralmente um menor que foge uma vez e volta a fugir outras tantas”, explica, acrescentando que, por cada vez que se recebe uma comunicação todas são registadas, o que significa que podem ter vários registos de pessoas diferentes.
Por média, os menores até aos 18 anos correspondem a metade dos registos. Além de que dados recentes indicam que 25% dos menores que fogem de casa ficam em perigo real, “sendo relatados casos de violação, abuso de drogas e álcool, exploração sexual e prostituição no período em que estão entregues a si mesmos. Por isso mesmo, o desaparecimento de um menor, mesmo que seja por fuga, nunca deverá ser menosprezado”, refere a psicóloga.
A Polícia Judiciária pede ajuda
Em último caso, quando a criança não é mesmo encontrada pelas autoridades, a PJ disponibiliza as informações do menor no seu site oficial, em jeito de apelo à população. “Isto serve para pedir ajuda, para pedir ao cidadão que nos ajude, se poder, a localizar e identificar o paradeiro da criança. Isto é muito importante”, adianta.
Intervenção da CPCJ
A CPCJ visa promover os direitos da criança e do jovem e prevenir ou pôr termo a situações suscetíveis de afetar a sua segurança. É nesse sentido que a sua intervenção é mais frequente depois do aparecimento do menor para tentar perceber se foi só uma “chamada de atenção”. Pois há muitos casos em que “os meninos saem e voltam no mesmo dia” – a mesma interpretação que a PJ tem da maioria dos casos. O intuito é falar com o jovem para verem “o tipo de intervenção a ter na família e com a criança”, indica a presidente da CPCJ de Sintra.
Mais casos ou mais mediatização?
O caso de Rodrigo Lapa, Filipa Lourenço, Inês e tantas outras crianças que desapareceram nos últimos tempos deram origem a vários grupos de apoio e procura nas redes sociais. Além de todas as notícias que foram sendo veiculadas. O que significa isto? “As redes sociais e a comunicação social têm permitido dar maior visibilidade às situações de desaparecimento de menores e têm potenciado uma maior discussão pública desta problemática”, sublinha a psicóloga Filipa Jardim da Silva.