'E Se Fosse Consigo': Não intervir será sinónimo de compactuar?
“Os portugueses são um povo de brandos costumes, mas estão capacitadas para intervir em situações como as que são retratadas no programa da SIC ‘E Se Fosse Consigo?’.
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País Preconceito
Numa esplanada, a filha apresenta ao pai o namorado, um rapaz de raça negra, e ele reage muito mal. Numa paragem de autocarro, um casal gay está de mãos dadas e é insultado. Num banco de jardim, um rapaz é violento para com a sua namorada, que se tenta defender. Ambas as cenas são assistidas por dezenas de pessoas. Quem estará disposto a reagir?
Foram assim dois dos mais recentes episódios do programa da SIC ‘E Se Fosse Consigo?’, criado para testar a capacidade de intervenção dos portugueses perante situações de conflito ou preconceito. O último teve a particularidade de 'enganar' a líder do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, que, ao deparar-se com a situação violenta entre o jovem casal não fechou os olhos e atuou.
Mas até que ponto Portugal é um país com um povo interventivo? E será que não intervir é sinónimo de compactuar?
Ao Notícias ao Minuto, o sociólogo Paulo Santos explicou que “a intervenção e o preconceito estão interligados, mas o receio de invadir uma área da privacidade de cada um leva a que muitos não intervenham”.
“Somos uma sociedade firmada no postulado do espaço privado, o que conduz, muitas vezes, a uma certa retração no que se refere à invasão do espaço alheio. Além disso, ainda existem, na sociedade portuguesa, resquícios muito significativos de 40 anos de um regime assente na chamada ‘brandura dos costumes’”, afirmou.
A não intervenção quando se está perante um preconceito exacerbado pode também ser um sinal de “alheamento da realidade e de individualismo”, predominante nos grandes centros urbanos.
“Não reagir denota empatia, não pensar, não querer participar”, complementa Ana Beatriz Saraiva, psicóloga clínica, também ela convicta de que “não se meter na vida dos outros” é uma tendência do povo português.
Manuela Mendes lida diariamente com a questão do racismo. A experiência enquanto socióloga permite-lhe afirmar que “a sociedade portuguesa valoriza mais a autopromoção do que o igualitarismo”, mais preponderante no norte da Europa.
“Portugal continua a ter baixos níveis de escolaridade e de educação para os valores e a cidadania”, explicou. É por isso que, muitos casos, a vontade de ser bem aceite socialmente prevalece em relação à vontade de reagir, sendo disruptivo.
Ainda assim, “cada vez mais as pessoas estão capacitadas para intervir”, assegurou Paulo Santos. Também Manuela Mendes pensa de forma semelhante, deixando mesmo um conselho: “Um bom cidadão deveria intervir”.
Há que ter em conta, contudo, a situação em específico. No programa ‘E Se Fosse Consigo?’, um conjunto de atores já confrontou os portugueses com situações de homofobia, bullying, obesidade e violência no namoro.
Na perspetiva de Ana Beatriz Saraiva, se em determinadas situações “o observador passivo tem um papel essencial” e pode estar perante uma “oportunidade excelente para agir”, pode também colocar-se em perigo. É o que acontece quando se presencia uma agressão.
Em todo o caso, e quando se trata de crianças, “todos os adultos devem assumir o papel de educadores”, no entender da especialista do Instituto Quintino Aires.
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