Portugal perdeu parte dos pulmões com a quantidade de incêndios que devastaram o país. Perderam-se vidas, hectares de floresta, casas e património. Algumas dessas perdas foram da responsabilidade de outros seres humanos. Mas o que leva alguém a querer ver o mundo a arder? É o sentido de satisfação? A vingança? A falta de controlo? A capacidade de passar despercebido perante a lei? É um pouco de tudo isto e mais alguma coisa.
“Normalmente estamos a falar de alguém que tem uma perturbação de controlo de impulsos, que sofre de depressão, tem algum atraso mental ou dependência de álcool. Alguém pouco enraizado na sua comunidade, que está sozinho, com uma vida precária e que, de alguma forma, desenvolve este fascínio pelo fogo como fonte de prazeres na vida”. Este é o perfil generalista traçado ao Notícias ao Minuto por Filipa Jardim da Silva, Psicóloga da Oficina de Psicologia.
Filipa, que já conheceu pessoas como as que assim se descrevem, lembra que, além destes traços gerais, existem condicionantes que ajudam os incendiários a ter este tipo de comportamentos. No caso dos jovens, por exemplo, as redes sociais e a própria internet são uma grande ajuda. “Para além de darem esse mediatismo mais rápido e acessível, também acabam por ser um canal privilegiado de informação. Hoje em dia, não só nas redes sociais como na internet, conseguimos aprender a atear um incêndio de forma eficaz”, exemplifica.
Contudo, lembra, a solução não passa por “diabolizar” a internet. “O problema vem quando o acesso à internet é excessivo e sem monitorização. As crianças ou adolescentes passam demasiado tempo na Internet e começam a vibrar com os gostos e visualizações daquilo que publicam. É algo a que a família devia estar atenta”, sublinha.
O próprio sistema judicial também não encaminha estes casos de forma correta. Atribui uma pena leve e durante essa pena, eles não têm o acompanhamento devido”A piromania (gosto por atear fogos), apesar de ser considerada um “distúrbio” com “dificuldades de caracterização”, não nasce sozinha. Filipa Silva lembra que todas as crianças entre os 3 e 5 anos “têm um fascínio pelo fogo” e que esta devoção pode vir a crescer ao longo dos anos consoante a monitorização que (não) é feita. Um sinal de que o acompanhamento parental ou escolar não está a ser feito corretamente, ilustra, é quando uma criança ou um jovem adolescente começa a atear pequenos fogos num quintal ou tem fascínio em deixar os bicos do fogão ligados”.
A estes fatores acresce ainda a ineficácia do sistema judicial. A psicóloga afirma que estes impulsos “também se correlacionam com a atribuição de penas muito leves e falta de penas de prisão efetivas”. Além de ver estes casos como “um crime menor”, critica a psicóloga, “o próprio sistema judicial também não os encaminha de forma correta. Atribui uma pena leve e durante essa pena, eles não têm o acompanhamento devido”.
Mesmo sob a máxima de que ‘cada caso é um caso’, a “dificuldade no controlo de impulsos” e a “falta de educação emocional” são traços comuns entre aqueles que ateiam fogos. No entanto, baseada nos resultados da investigação feita até agora, Filipa Silva traça, ao Notícias ao Minuto, o perfil de um incendiário:
"O perfil tende mais para um homem (em cada dez incêndios, um é causado por mulheres), entre os 18 e os 35 anos, sem grande escolaridade, com condições económicas e uma rede social fraca. Falamos de pessoas com dificuldade em integrarem-se na comunidade, que vivem isoladas e que passam despercebidas entre a multidão, tornando difícil a que sejam identificadas como um perigo. São aquelas pessoas que normalmente dizem que estão lá, mas que ninguém dá por elas".