"Hoje, com uma classe média esmagada por impostos, violentada por cortes e reduções de salários e pensões, não é possível continuarmos indiferentes ao empobrecimento desses cidadãos, exigindo o pagamento de taxas e de custas manifestamente insuportáveis para os seus orçamentos", disse Elina Fraga na cerimónia de abertura do novo ano judicial, realizada hoje, em Lisboa.
Para a bastonária, a revisão do Regulamento das Custas Judiciais e a diminuição das custas judiciais "constituem uma opção política, marcadamente ideológica, um salto qualitativo na democratização do acesso aos tribunais".
E isto porque - disse - "é uma manifestação que contrariará as opções do passado, de privilegiar a justiça pública em detrimento da justiça privada, tantas vezes pouco transparente ou mesmo verdadeiramente clandestina".
"A transferência de custos dos tribunais para os cidadãos, sobretudo através da imposição da tramitação eletrónica dos processos na plataforma Citius, que permitiu poupar milhares de euros ao Estado em registos postais e impressões de despachos e decisões, não foi acompanhada de qualquer contrapartida, designadamente a que se impunha, a correspetiva redução das custas judiciais", frisou.
A bastonária defendeu ainda o reforço de meios humanos para as secções de execuções e de comércio, assinalando que um país onde não se consegue cobrar uma dívida ou recuperar um crédito "não pode ter uma economia em crescimento".
"Não capta investimento nacional ou estrangeiro, desencoraja os cumpridores e premeia os prevaricadores", enfatizou.
Ao referir que não há Estado de Direito sem tribunais, sem uma magistratura independente e uma advocacia verdadeiramente livre, Elina Fraga defendeu que todos os dias em Portugal se enfrentam "os constrangimentos infligidos por uns tantos, alguns magistrados, que renegam pertencer à família judiciária, para se integrarem no que me permitiria apelidar de ´máquina judiciária´".
"Uma ´máquina´ que despreza as garantias fazendo-as coincidir com expedientes, que não respeita as pessoas porque está presa às estatísticas, que confunde celeridade com o automatismo do ´copy paste` nas decisões, (...) que não sente a dor das vítimas, nem reconhece direitos aos arguidos, que despreza a presunção de inocência e contempla a celeridade como um valor em si mesmo", frisou.
Acrescentou ainda tratar-se de uma ´máquina` que vê no advogado "um obstáculo à realização da Justiça e que "privilegia a quantidade e representa uma Justiça sem humanidade, sem rosto e sem alma".
Lembrou ainda a falta de meios em tribunais, como o de trabalho de Beja, e como trabalhadores assediados no trabalho são vencidos pela morosidade processual, que derruba a sua resistência e expõe a sua fragilidade económica.
E apelou diretamente ao Presidente da República para "fazer despertar deste torpor" mencionando o facto de Portugal ter uma Constituição, com 40 anos, "que não está cumprida no que respeita ao acesso universal à justiça e aos tribunais".