Os jovens e o mundo online. Doença ou não, importa é tratar
Se existe um tema que é constante na sociedade portuguesa – e, na realidade, no mundo inteiro – é o dos problemas oriundos da internet. Enquanto uns realçam apenas os seus benefícios, outros fazem notar que, nos dias que correm, os jovens são os que mais "sofrem" com o universo online. Num livro direcionado principalmente aos especialistas na área e com a coordenação de Daniel Sampaio e Ivone Patrão, vários investigadores juntaram-se e expuseram os problemas das dependências online.
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País Dependência
Se há 50 anos “o problema era a televisão”, agora parece que “passou de moda” e “apareceu a internet”. Mas será isto um verdadeiro “problema”? Ou, pelo contrário, o mundo online ajuda na socialização de cada um? Numa entrevista exclusiva ao Notícias ao Minuto, Daniel Sampaio, antigo diretor de serviço do Hospital Santa Maria, e Ivone Patrão, prestigiada psicóloga, manifestam uma opinião que para alguns pode ser controversa. Juntamente com outros investigadores, deram vida ao livro 'Dependências Online - O Poder das Tecnologias'.
Conscientes de que o mundo online levou à criação de novas “psicopatologias”, são os primeiros a garantir que a solução não passa por “desligar a luz” ou “tirar o router” para acabar com o vício da net, assim como fazem “alguns pais”. Defendem, sim, soluções que passam por “regras” e muita “comunicação”. É no NUPI, (Núcleo de Intervenção Problemática da Internet) localizado no Hospital de Santa Maria, que recebem muitos dos jovens e é também ali que tentam “dar respostas” a estas “situações”.
Há uma grande discussão se a dependência da internet deve ser uma doença ou não, mas não é isso que é o mais importante no momento. O importante é que estes jovens estão em sofrimento
“O que nós mais temos são jovens na faixa entre os 15/16 anos até aos 25/26, apesar de podermos ter às vezes até aos 30. São jovens do secundário até ao início da vida universitária e sobretudo rapazes. Relativamente à dependência, a mais comum é relativa aos jogos online, a dinheiro ou não”, explicou Ivone Patrão. É “raro ser o jovem a pedir ajuda”, mas já aconteceu. Mesmo assim, a maioria deles é “arrastada ou forçada pelos pais”.
Ironicamente, quando ali chegam, o primeiro contacto que têm é com um computador. “Gostava de ter uma câmara para gravar a expressão facial deles”, relembrou a psicóloga. Mas o mais importante nesta questão, tal como frisou Sampaio, “é que muitos destes jovens têm sintomas psiquiátricos e portanto é muito importante conhecer do ponto de vista psicopatológico o que se passa com eles e a partir daí é que podemos intervir do ponto de vista psiquiátrico”.
Assim, garantiu “que não basta” cortar o meio online, “porque se a pessoa tem um problema de ansiedade, um problema de depressão ou de personalidade, não basta tirar o objeto da dependência”. Quando começam a conhecer o paciente, acontece que por vezes se apercebem de que têm "o jovem na consulta com um comportamento alterado, mas também a avó, a tia e a prima e ele é só mais um do que está lá em casa assim”.
Mas, Ivone faz a ressalva de que para os pais “a identificação e o assumir isso é muito difícil, até porque acham que têm outro estatuto e não refletem que podem ser aqui um modelo para este comportamento” dos jovens.
É muito mais fácil termos um jovem dentro de um quarto e no computador. É mais fácil para os pais porque o filho está em casa e estão descansados, do que não saber onde é que ele está
Além disso, Sampaio sublinhou que é “muito frequente os pais queixarem-se de que os filhos não falam em casa, mas eles próprios não falam”. Muitos deles “estão no Facebook” e isso pode “afetar a comunicação dentro da família”. Voltando a pegar no termo de comparação da televisão, a grande diferença para a internet é que estes jovens “não são só recetores”.
Como enumerou Ivone, caso estes adolescentes estejam online “eles tanto podem estar no jogo, como podem estar a falar com alguém ao mesmo tempo, como podem ainda estar a filmar-se a si próprios e a postarem depois. É muito mais fascinante”.
Existe ainda o outro lado da questão, que recai sobre o facto de que para alguns destes adolescentes "as redes sociais e a comunicação online facilita a vida, pois é o primeiro passo, e depois no dia a dia conseguem evoluir na relação com os pares e estar num grupo". Por um lado desvantagens, mas por outro vantagens.
E os verdadeiros problemas desta segunda realidade (primeira para alguns)?
Bullying. Além de todos os outros vícios que a internet pode criar, há um efeito que está a alastrar-se, proliferando nas redes sociais. Falamos de um novo nível de bullying, o cyberbullying. Ao contrário do primeiro, que poderia ser mais facilmente controlado nas escolas, este tem um grau de amplitude muito maior e é quase impossível evitar.
E há solução? Mais uma vez, o caminho parece ser a comunicação, baseada numa resposta local. Não pode ser “uma resposta para todo o Portugal”, assegurou Sampaio, já experiente em palestras com alunos sobre o tema. “Apesar de não sermos um país grande, somos muito diferentes. É preciso que os professores detetem o problema, comecem a trabalhar com os alunos e depois há sempre uns que podem ser puxados para uma ação positiva. Sempre”, fez sobressair.
Existe ainda a questão da obesidade infantil. Sentados horas a fio a jogar, anormal seria para algumas destas pessoas levantar-se para comer por exemplo. Ou para ir tomar banho. “Há muita coisa a fazer. Uma coisa que devia ser muito incentivada é o desporto escolar que é muito fraco nas nossas escolas. Fazia bem à saúde, à mental” principalmente, sugeriu o médico.
Apesar de terem coordenado o livro, Daniel Sampaio e Ivone Patrão são os primeiros a relembrar que o assunto internet não gira apenas em torno de coisas más. Contrariamente, recordam aquilo que o fenómeno veio “democratizar” e a “possibilidade” que trouxe ao “conhecimento, visto hoje em dia estar ao alcance de todas as pessoas". Algo que em outros tempos seria impossível pois os livros estavam apenas à mão de alguns.
Mas, se pretende encontrar uma solução chave para lidar com o problema da ‘World Wide Web’, podemos desde já dizer-lhe que não vai conseguir encontrá-la, pois muitas vezes esta é a apenas “a ponta do iceberg”, salvaguardou a psicóloga.
“Provavelmente as famílias já estão há uma data de tempo sem dialogar e sem comunicar. Estão só a funcionar. É importante começar desde pequenos não com a exclusão nem da internet nem da tecnologia, mas ensinando-os a conviver com ela (…). Não me parece que isto aconteça na maior parte das famílias hoje em dia, acho que se oferece tecnologia sem regras”, concluiu Ivone Patrão.
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