Depois de ter indicado, na quinta-feira, à Lusa que ainda não chegou a Bruxelas a anunciada queixa formal de Lisboa sobre o aterro nuclear na central de Almaraz, mas que, se e quando tal acontecer, "a Comissão irá analisá-la e poderá decidir contactar Espanha para clarificar a situação e chamar a atenção para as obrigações previstas na legislação a União Europeia", o porta-voz do Ambiente insistiu hoje que Bruxelas necessita de ter em sua posse as fundamentações das autoridades nacionais.
"Até agora, a Comissão não recebeu qualquer queixa de Portugal, pelo que, nesta fase, não há nada que possamos dizer ou comentar sobre o projeto de Almaraz, porque não há queixa oficial e não temos documentos sobre os quais basear uma opinião", disse Enrico Brivio, quando questionado sobre o assunto durante a conferência de imprensa diária do executivo comunitário, em Bruxelas.
O porta-voz escusou-se a estabelecer paralelos com outros processos anteriores da mesma natureza, sublinhando que, nestas matérias, é necessária "uma análise caso a caso", e há muitas questões a considerar e que, insistiu, levam tempo a analisar, tal como a necessidade ou não de as autoridades espanholas procederem a um impacto ambiental transfronteiriço, como reclama Portugal.
"Isso é precisamente o que só poderemos avaliar quando recebermos uma queixa, porque é um assunto complexo. Por exemplo, a diretiva sobre impacto ambiental prevê que apenas projetos com impacto significativo no ambiente estejam sujeitos à obrigação de informação transfronteiriça. Nesse caso, temos de avaliar se há um impacto significativo, por exemplo, e continuo nos exemplos, porque ainda não recebemos qualquer queixa", disse.
Na mesma ordem de exemplos, acrescentou, a legislação comunitária prevê que se o que estiver em causa for a construção de um armazém - como é o caso, o chamado Armazém Temporário Individualizado (ATI) da central de Almaraz -, a avaliação de impacto só é obrigatória se o mesmo for suposto funcionar por um período superior a 10 anos e se for construído num sítio diferente da central nuclear.
Todavia, o porta-voz insistiu que as suas observações são meramente teóricas dado que é necessário analisar o caso específico de Almaraz para julgar se as condições previstas na legislação da UE estão ou não a ser cumpridas.
"Este é um assunto complexo. Se recebermos uma queixa, vamos analisar cuidadosamente e, eventualmente, pedir esclarecimentos a Espanha. Mas, se recebermos a queixa, não me peçam comentários no dia seguinte pois levará algum tempo a analisar a questão", reforçou.
Afirmando-se ciente de que as conversações entre Lisboa e Madrid foram aparentemente inconclusivas, Enrico Brivio fez, no entanto, votos para que "o diálogo construtivo entre Portugal e Espanha possa ser retomado", tendo já apontado, na véspera, que a Comissão está "disponível para dar assistência no diálogo sobre medidas para a segurança nuclear".
Na sequência do diálogo mantido ao longo das últimas semanas entre os dois países, e culminado na quinta-feira em Madrid com uma reunião entre o ministro do Ambiente português, João Matos Fernandes, a sua homóloga espanhola, Isabel García Tejerina, e com o ministro da Energia, Álvaro Nadal, o Governo português anunciou que vai mesmo apresentar queixa junto de Bruxelas, dado não ter sido alcançado um acordo sobre a construção de um aterro nuclear na central de Almaraz, perto da fronteira portuguesa, sem que tenham sido avaliados os impactos transfronteiriços.
"Portugal vai solicitar a intervenção de Bruxelas neste caso. [...] Havendo aqui um diferendo [...] ele tem de ser resolvido" pela Comissão Europeia, disse o ministro do Ambiente, acrescentando que a queixa deverá ser apresentada "em princípio, na próxima segunda-feira".
O Governo português defende que no projeto de um aterro de resíduos junto à central nuclear de Almaraz "não foram avaliados os impactos transfronteiriços", o que está contra as regras europeias.
"O que é exigido por Portugal é que se reconheça que não foi cumprida a diretiva europeia de impactos ambientais" e Lisboa tem "a fortíssima expetativa de que a UE determine que se faça esta avaliação de impactos transfronteiriços", declarou João Matos Fernandes.