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"O ministro da Saúde está a ser alvo da própria armadilha em que caiu"

Em entrevista ao Notícias ao Minuto, Fernando Serra Leal da Costa comentou a sua passagem pelo Ministério da Saúde – em 2011 como adjunto de Paulo Macedo e em 2015 como seu substituto enquanto ministro da tutela – e o panorama político que Portugal hoje vive.

"O ministro da Saúde está a ser alvo da própria armadilha em que caiu"
Notícias ao Minuto

29/05/17 por Vânia Marinho

País Leal da Costa

Na segunda parte da entrevista ao Notícias ao Minuto, Fernando Leal da Costa comenta o atual panorama político português e fala da abordagem que o Ministério da Saúde teve de 2011 a 2015, altura em que fez parte da tutela. Considerando que estamos no bom caminho para concretizar a bandeira de conseguir dar um médico de família a cada português, critica, no entanto, a ‘desconsideração’ de Adalberto Campos Fernandes.

Em relação à sua experiência enquanto Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde Paulo Macedo, ficou surpreendido na altura por uma pessoa com antepassados de gestão e sem grande ligação à medicina ter sido nomeada para Ministro da Saúde?

Não só não me surpreendeu como, posteriormente, o trabalho que mantive com o Dr. Paulo Macedo durante quase quatro anos e meio e a amizade que daí resultou mostra claramente que ele foi a pessoa certa no momento certo naquele lugar, não tenho qualquer dúvida.

Pensa que a abordagem primordialmente financeira à saúde, que Paulo Macedo teve, é a mais correta ou apenas a necessária numa altura de crise?

A abordagem do Dr. Paulo Macedo e da equipa que ele liderou não foi primordialmente financeira. A nossa abordagem foi acima de tudo uma abordagem de saúde. Aquilo que nós tivemos de fazer foi sanear as contas públicas, como parte do acordo financeiro que o Partido Socialista nos tinha deixado, para conseguir que o país continuasse a poder ter um Sistema Nacional de Saúde. Objetivamente deixámos o Sistema Nacional de Saúde melhor do que o encontrámos, em múltiplos aspetos, não apenas no financeiro.

Também não é menos verdade que sem boas finanças não há boa saúde, mas, objetivamente, a nossa principal abordagem foi tratar da saúde dos portugueses e por via disso tentar que as finanças do Ministério da Saúde não fossem um entrave àquilo que era preciso ser desenvolvido.

Não se pode esquecer de que quando chegámos ao governo, fruto das dívidas que o Partido Socialista tinha deixado, fomos concretamente ameaçados de que, por exemplo, as farmacêuticas deixariam de nos vender medicamentos se não pagássemos o que já devíamos.

E como viu a passagem de Paulo Macedo para a Caixa Geral de Depósitos?

Com toda a naturalidade, é uma pessoa de enorme competência e portanto é normal, e ainda bem que assim foi, que o grande banco público que é a Caixa Geral de Depósitos tenha entregue a sua gestão a uma pessoa de indiscutível competência e com qualidades humanas ímpares. 

Até 2019 ou 2020, provavelmente, teremos o problema dos médicos de família em termos de número resolvido em Portugal

No seu mandato a bandeira de conseguir dar um médico de família a cada português era muito forte, apontava-se para que isso fosse possível até 2017. Acredita que ainda seja concretizável ou está muito longe de o ser?

Essa bandeira, que aliás foi criada pelo Dr. Paulo Macedo, tinha dois objetivos: em primeiro lugar criar claramente junto das pessoas a ideia de que nós defendíamos, como continuamos a defender, o princípio de que o Sistema Nacional de Saúde constrói-se em primeiro lugar a partir dos cuidados de saúde primários. Em segundo lugar, foi também uma forma clara de conseguirmos junto das entidades, nomeadamente do Ministério das Finanças, que sempre nos ajudou muito, criar condições para que se fizessem todas as contratações necessárias de todos os médicos de família que estivessem disponíveis.

Nós sabíamos que era muito difícil concretizar esse dado quando estávamos e ainda estamos num processo em que o número de aposentações supera o número de novos especialistas. Estou convencido de que com a política que o Governo atual tem continuado a seguir de tentar contratar todos os especialistas disponíveis, e sendo certo que o ritmo de aposentações poderá diminuir nos próximos anos, até 2019 ou 2020, provavelmente, teremos o problema dos médicos de família em termos de número resolvido em Portugal.

Tendo criado expectativas que não pode cumprir, o ministro da Saúde está agora a ser alvo da própria armadilha em que caiuO que pensa do novo ministro da Saúde Adalberto Campos Fernandes?

É uma pessoa que eu conheço há muitos anos, tenho por ela a maior consideração e até, devo dizê-lo, amizade, fomos colegas de curso. Acho que está em condições extraordinariamente difíceis de desenvolver um trabalho que só não é melhor porque não tem as condições financeiras que provavelmente precisaria de ter.

O maior erro que ele cometeu foi logo no início ter de alguma forma desconsiderado o trabalho dos seus antecessores e ter defendido a ideia de que agora tudo seria diferente, porque agora com o novo Governo iriam poder resolver tudo, o que não fizeram. É evidente que não o fez nem o poderia fazer porque as condições de austeridade que este Governo tem são ainda maiores do que aquelas que nós tivemos durante os anos em que lá andámos. Portanto, tendo criado expectativas que não pode cumprir está agora a ser alvo da própria armadilha em que caiu. O que obviamente não o transforma numa pessoa pior ou num indivíduo menos capaz de desenvolver a função que está a tentar desenvolver.

Há alguma medida que este ministro tenha implementado que lhe mereça elogios?

Penso que aquilo que foi feito na continuação do que já estava a ser seguido, nomeadamente a continuação da contratação dos médicos para o Sistema Nacional de Saúde, merece o maior elogio. Da mesma forma que, embora sejam sinais pequenos, não posso deixar de me regozijar pela constituição do Conselho Nacional de Saúde, que penso que seria fundamental que rapidamente entrasse em funções.

Devo ainda reconhecer que naquilo que se prende à tentativa de introduzir algum rigor orçamental, ele tem obviamente dado mostras de grande resistência e resiliência, o que não pode deixar de merecer o elogio público. Todavia fica-lhe mal não admitir que neste momento, verdadeiramente, os hospitais e Serviço Nacional de Saúde estão muito mais apartados do ponto de vista de verbas para o seu funcionamento do que estavam nos tempos em que nós lá andámos da malfadada troika.

Esta solução de um governo social-comunista serviu os propósitos pessoais políticos do Dr. António CostaPoliticamente Portugal vive algo inovador até em termos europeus, o que pensa da chamada 'Geringonça'?

Esta solução de um governo social-comunista serviu os propósitos pessoais políticos do Dr. António Costa num determinado momento. Acho que ele conseguiu, como se esperaria, de alguma forma, domar ainda que transitoriamente aquilo que é, digamos, a manifestação de rua, mas a verdade dos factos é que há incongruências insanáveis entre o Partido Comunista e o Partido Socialista. O Partido Comunista já conseguiu o essencial daquilo que queria, nomeadamente impedir a gestão privada dos transportes públicos, impedir a privatização da TAP, conseguiu a reposição da 35 horas, o fim dos cortes salariais em um ano.

A partir de agora, não tendo muito mais ganhar, está numa situação de crescente dificuldade porque sabe que, ao ser cada vez mais confundido com esta política de grande austeridade a que o PS nos está a obrigar, tem o risco eleitoral real de porventura o seu eleitorado histórico entender que o Partido Comunista já não corresponde àquilo que são normalmente os desejos lícitos de uma determinada franja da população e, portanto, acabar por votar eventualmente no Bloco de Esquerda.

O Bloco de Esquerda é um partido muito mais plástico e que verdadeiramente não tem nenhuma ideologia definida, sendo claramente uma agremiação de ex-comunistas ou de comunistas de crença diferente que vai aproveitando as oportunidades políticas tal e qual elas se vão colocando. Desse ponto de vista, o Bloco de Esquerda poderá também de alguma forma vir mais tarde a ser uma moleta de um eventual governo socialista se ele não tiver a maioria absoluta.

Em Portugal é moda bater no líder de oposição. Acho que ele tem feito aquilo que está ao alcance dele fazerAcha que Passos Coelho está a conseguir ser oposição?

É muito difícil fazer oposição quando a comunicação social pura e simplesmente não discute o governo, mas o líder de oposição. No último ano e meio, verdadeiramente, quase se fala mais daquilo que é o comportamento e a expectativa do líder de oposição do que se critica o Governo. Logo aí há uma grande dificuldade em fazer oposição.

Por outro lado convirá não esquecer que o Dr. Passos Coelho, que é um político muito resistente e com uma capacidade de trabalho invulgar, tem tido um conjunto de dificuldades pessoais e políticas que tornam ainda mais difícil o seu trabalho de oposição.

Em Portugal é moda bater no líder de oposição. Acho que ele tem feito aquilo que está ao alcance dele fazer. É inevitável que a partir de agora o PSD tenha de apresentar um conjunto de alternativas políticas, nomeadamente na área da saúde. Sou o primeiro a reconhecer que é muito importante que os partidos de oposição, também nesta área, apresentem políticas alternativas porque rapidamente colocar-se-ão problemas de saúde que neste momento ainda não estão a ser resolvidos pelo atual Governo que impactarão na sustentabilidade do serviço de saúde enquanto serviço social.

*Pode ler a primeira parte desta entrevista aqui.

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