"Levamos com pilhas, pratos e sacos de água na cabeça a fazer revistas"

Em entrevista ao Notícias ao Minuto, Jorge Alves, presidente do Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional, defende que o atual horário a que os guardas prisionais estão sujeitos coloca em causa a segurança dos estabelecimentos prisionais.

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Filipa Matias Pereira
15/02/2018 09:20 ‧ 15/02/2018 por Filipa Matias Pereira

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Jorge Alves

Qual o ambiente que se vive nas prisões portuguesas? Qual o perfil do recluso? A que circunstâncias estão sujeitos os guardas prisionais no exercício das suas funções? Estas são algumas das questões que deram o mote para uma grande reportagem, cujas peças serão lançadas pelo Notícias ao Minuto ao longo das próximas semanas.

Em entrevista, Jorge Alves, presidente do Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional, começa por defender a perspetiva dos guardas prisionais, que se têm 'degladiado' com a atual Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais relativamente a questões como o horário que está a ser cumprido nos estabelecimentos prisionais.

Uma conversa que não passou à margem de algumas questões mais sensíveis como a violência e o tráfico de droga nas prisões, já que diariamente os amigos e familiares que visitam os reclusos tentam fazer passar estupefacientes para o interior do estabelecimento prisional - imagens exclusivas que o Notícias ao Minuto lhe mostrará em breve. 

Este novo regime obriga a que haja uma rendição às 16h00, altura em que os reclusos estão ‘abertos’O Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional (SNCGP) tem-se manifestado nos últimos tempos, organizam-se em formas de ‘luta’. O que dizem estas greves?

Esta última fase da greve esteve mais centrada na questão do horário de trabalho. O diretor da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais - Celso Manata - parece querer desfazer aquilo que o seu antecessor fez. O anterior diretor-geral, de forma a tentar perceber se outro tipo de horário funcionaria, diferente daquele que tinha vindo a ser realizado ao longo do último século, decidiu colocar um novo modelo em prática em alguns locais, mais concretamente na prisão de Alcoentre e no hospital prisional. Mais tarde, alargou-o aos esquadrões do Grupo de Intervenção e Segurança Prisional (GISP) que tem um esquadrão em Lisboa e outro no Porto. Na altura, o Dr. Rui Sá Gomes aplicou esse horário apenas em fase experimental. E, efetivamente, o relatório que foi recolhido por parte dos chefes dos guardas desses estabelecimentos prisionais (EP) demonstrava que havia uma redução de absentismo e uma maior disponibilidade de pessoal para esse serviço. Tratava-se de um horário menos desgastante.

Trabalhávamos em períodos de 12 horas e esse era um horário que fazia todo o sentido porque os reclusos são abertos, a nível nacional, às 8h00 da manhã e encerrados às 19h00. A partir dessa hora estão no espaço de habitação na sua cela até às 8h00 do dia seguinte e só saem se houver alguma questão de saúde.

Ora, para ter pessoal entre as 8h00 e as 19h00, a Direção-Geral implementou, na altura, um horário de 12 horas. Porém, este diretor-geral entendeu de forma diferente e aplicou um horário distinto sem sequer testar. E o Sindicato considera que este horário põe em causa a segurança dos EP porque, em vez de duas rendições de períodos de 12 horas, são necessárias três, já que cada período de trabalho é de sete horas. Uma equipa trabalha das 8h00 até às 16h00, outra das 16h00 à meia-noite, e mais uma da meia-noite às 8h00. Este novo regime obriga a que haja uma rendição às 16h00, altura em que os reclusos estão ‘abertos’. Acaba por sair uma equipa e entrar outra em momentos em que a prisão está aberta.

Quer isso dizer que este novo horário coloca em causa a segurança das prisões?

Sim, claro. Até porque das 8h00 às 16h00 estão três equipas a trabalhar (duas equipas de turno mais os elementos que estiverem em horário rígido) o que equivale a cerca de 80 pessoas. E às 16h00 entram apenas 12 pessoas para render essas 80, que terão de garantir o serviço até à meia-noite. Sem esquecer que à hora de entrada da equipa que irá render está tudo aberto e a funcionar, nomeadamente com as visitas a decorrer, com reclusos no exterior, na escola, etc.

Como esses 12 elementos que entram não são suficientes para assegurar o trabalho, os guardas prisionais são obrigados a estender o horário até quando for preciso, por vezes até ao encerramento. Enquanto no horário anterior os guardas prisionais cumpriam o seu horário, no novo sabem a que horas entram, mas não a que horas saem. O Sindicato entende que esta realidade contraria aquilo que seria adequado para garantir a segurança.

Não há enfermeiros, não há médicos e são os guardas que dão medicação. São funcionários civis que dão medicação em certas cadeias Helena Mesquita Ribeiro, secretária de Estado Adjunta e da Justiça, deixou a porta aberta a ajustes quanto ao horário, mas defendeu que os novos horários são para continuar.

Fazer ajustes num horário que decidiram que era o melhor é um contrassenso. Se há reconhecimento que é necessário fazer ajustes é porque algo falhou e para não dar razão aos trabalhadores vão ser feitos ajustes. Assim é politicamente correto.

Quando estávamos a discutir com a senhora secretária de Estado o horário extraordinário de trabalho que somos obrigados a fazer, a Direção-Geral aprovou um regulamento em que se menciona que para além das sete horas de trabalho só podemos fazer mais duas por dia. Mas a Direção-Geral, na verdade, está a obrigar-nos a trabalhar mais três horas por dia. É lamentável que a senhora secretária de Estado não reconheça isso. Além disso, no período da noite não estamos a descansar uma hora consoante exige o regulamento.

O horário que a Direção-Geral decidiu aplicar não se ajusta às necessidades do serviço. Não há pessoal que chegue para garantir o serviço no período normal de trabalho sequer. Quando colocámos esta questão, irritada, ela ainda disse: “Vejam lá que se quisermos até acabamos com as horas extra. Temos estudos para entregar em outsourcing certos serviços das prisões”. Devemos é relembrar que já existem serviços nesse regime nas prisões, concretamente na alimentação e na saúde e é a vergonha que temos. Não há enfermeiros, não há médicos e são os guardas que dão medicação. São funcionários civis que dão medicação em certas cadeias à hora de almoço. A Direção-Geral não vê isto.

O diretor-geral tem uma atitude irracional e até patológica em relação àquilo que são os problemas dos guardas prisionaisCom estas reivindicações, a tutela tem-se mostrado mais sensível às questões evocadas pelos guardas prisionais?

Não, aliás, destaco uma frase do diretor-geral na última reunião [realizada no dia 10 de janeiro]: “O Governo não tem de fazer a vontade do Sindicato”. O diretor-geral pensa que não deveríamos fazer as formas de luta - que nos são legítimas -, mas a Direção-Geral não se deve esquecer de que as reivindicações não são para nosso interesse, mas sim do serviço.

Quando pedimos formação é para que o serviço funcione melhor. Quando pedimos mais segurança é para garantir a segurança do EP e melhor acompanhamento dos reclusos. Só quando nos focamos no estatuto e na questão remuneratória é que nos centramos mais nos guardas prisionais, mas só estamos a pedir aquilo que outros têm, designadamente a PSP, sendo que somos equiparados a esta força de segurança.

O diretor-geral tem uma atitude irracional e até patológica em relação àquilo que são os problemas dos guardas prisionais. Qualquer coisa que reivindiquemos não tem interesse nenhum. Este diretor-geral é um fenómeno diferente dos anteriores. Antes, marcávamos uma greve ou um pré-aviso e havia uma tentativa de reconciliação. Agora não é assim. A secretária de Estado agora mostrou-se disponível para rever o estatuto, mas até 10 de janeiro não se tinha pronunciado nesse sentido. E espero que não seja para arrastar o problema até às eleições.

E quanto à formação? O que reivindica o corpo da guarda prisional?

Os guardas prisionais devem ter uma formação pelo menos de seis em seis meses. A única coisa que está a ser praticada é o tiro, duas vezes por ano. É uma formação contínua e é necessária porque se tratam de armas de fogo. Mas, além dessa, não há mais formação nenhuma.

O Sindicato é da opinião de que deviam ser protocoladas determinadas medidas que são necessárias no sistema prisional, tais como as regras do controlo e fiscalização das pessoas. O diretor-geral frisou que há fragilidade nas portarias das prisões. Mas a verdade é que não há protocolo nesse sentido. Todos os atores da guarda prisional devem saber as regras e essas devem ser iguais. Porém isso não acontece. É lamentável que cada diretor aplique as suas regras.

O diretor-geral tem sido uma pessoa muito má com o corpo da guarda prisional e merece cada vez menos o respeito dos profissionais da guarda prisional porque ele não os respeita. Isto tem sido uma luta porque ele não está preocupado em resolver os problemas dos guardas prisionais. Está preocupado em inaugurar quartos íntimos e em tirar os reclusos das prisões, sendo que este é um trabalho dos juízes.

Devia, isso sim, centrar-se na falta de guardas. Há postos desocupados porque não há guardas. Aliás, temos muitas diligências no exterior a serem efetuadas só por um guarda com dois e três reclusos. Nos pavilhões, há falta de guardas para fazer observações de forma a evitar o tráfico de droga, as agressões e até a exploração entre reclusos.

Outra das reivindicações do SNCGP prende-se com a questão remuneratória, certo?

Em termos de progressão na carreira estamos equiparados à PSP. O guarda prisional de primeiro escalão deveria ganhar o mesmo que o agente da PSP desse escalão, já que o nosso estatuto, quando foi aprovado, foi com base na equiparação. Mas em 2015, a PSP alterou a grelha salarial e a dos guardas prisionais manteve-se.

Para lá disso, a nossa progressão na carreira é muito mais lenta do que na PSP. Nessa força de segurança, com 14/15 anos consegue-se ser promovido a agente principal. Na guarda prisional são usados chefes sem lhes pagarem como tal, sem abrirem concursos de pessoal para ocupar os lugares vagos. Há grande preocupação da Direção-Geral com o recluso – e bem –, mas tem de haver, no nosso entender, um equilíbrio. Há uma desvalorização do papel do guarda prisional no sistema. Existe uma ditadura silenciosa sobre o corpo da guarda prisional como se fôssemos o problema do sistema e este diretor-geral parece ter uma relação estranha, de ódio, com o corpo da guarda prisional. E não conseguimos perceber, até porque ele foi diretor da guarda prisional durante alguns anos. Ele deveria saber qual o esforço de quem tem trabalhado muito além daquilo que tem sido remunerado. Os guardas prisionais trabalham uma semana gratuita por mês. Sempre nos mostrámos disponíveis, ninguém vira as costas ao problema.

Houve, inclusive, guardas prisionais que chegaram a levar com excrementos humanos de um reclusoComo é que descreveria o ambiente que se vive nas prisões?

O espaço da prisão está sobrelotado e há falta de guardas prisionais. Hoje, a falta de elementos obriga a direcionar os guardas disponíveis para outras tarefas que não a zona prisional. Por um lado isso dá aos reclusos maior possibilidade de contrariar as leis do sistema e aos guardas maior frustração porque temos cada vez menos capacidade de intervenção e de punição.

Há situações em que o guarda prisional é ameaçado pelos reclusos e outras até em que é agredido com objetos que são arremessados pelos presos. Levamos com fruta, pilhas, pratos e sacos de água na cabeça quando estamos a fazer revistas nos espaços habitacionais deles. Houve, inclusive, guardas prisionais que chegaram a levar com excrementos humanos de um recluso. Tudo isto é feito para intimidar e para não nos deixarem fazer o nosso trabalho. Mas depois não há apoio nenhum aos guardas prisionais. Dizem-nos que este tipo de situações a que estamos sujeitos faz parte do nosso trabalho.

Chegam a temer pela vida?

Sim. Há guardas prisionais que chegam a temer entrar na zona prisional. Tentam arranjar desculpas para não irem para a zona de conflito, mas não assumem porque têm medo de serem retirados das suas funções. Aliás, por causa destas situações, temos reivindicado medicina no trabalho porque se existisse teríamos maior noção do estado psicológico dos guardas prisionais. Acredito que há casos de guardas que se virem um recluso com um telemóvel não o vão buscar, ou se virem droga não intervêm porque sabem ao que estarão sujeitos e têm medo. É que depois não têm apoio nenhum.

Há hierarquias entre os reclusos? Ou esta é só uma ideia ficcionada?

Sim existe. Imaginemos uma pessoa que já é vista como um líder onde vive. Quando entra para a prisão e é reconhecido é imediatamente visto como líder. E todos os outros reclusos agem como ele quiser. Aliás, nas questões de tráfico de droga que há dentro da prisão esses líderes não mexem em nada. São apenas quem manda e depois têm quem faça o trabalho por eles. Mas se por um lado há líderes, por outro há quem não tenha apoio familiar na retaguarda e acabe por fazer tudo o que os que têm mais poder mandam, obrigando-os, por exemplo, a limpar a cela deles. No outro dia encontrámos um homem que tinha dois telemóveis guardados no ânus, que nem sequer eram dele. Mas foi obrigado as escondê-los.

 

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