A União Europeia tem de mudar a forma como trata os Estados-membros pois não o faz de forma justa, acusa André Ventura.
E mais. Se é para intervir em coisas simples como "proibir o uso da colher de pau", então também o deve fazer noutros aspetos, em especial no que diz respeito aos impostos porque, explicou o professor de Direito Fiscal, o facto de os Estados-membros não pagarem todos os mesmos impostos gera "concorrência desleal".
Desleal, pode dizer-se, é também a forma como André Ventura entende que os criminosos são tratados nas prisões, locais onde estão a cumprir pena, mas nos quais não contribuem com nada.
E para contornar esta questão, o cabeça-de-lista da coligação Basta quer todos os reclusos a trabalhar. "Se eu pago a renda e as contas da minha casa, porque é que eles também não podem contribuir" para a sua estadia nas prisões?, questiona.
Um outro tema que também o preocupa diz respeito às alterações climáticas, sendo algo que considera que precisa de ser legislado, mas sem nunca prejudicar os empresários que são quem cria emprego, defende.
Como pretende diminuir a abstenção de 60% registada nas últimas eleições europeias?
Sabe porque é que tivemos 60% de abstenção? Porque as pessoas não acreditam na política. Quando um político começa a dizer ‘bom, temos de ver...’ para as pessoas ele é um ‘tangas’. O que eu quero dizer às pessoas é que sou a voz delas na política. Eu não sou político por mim próprio, para me envaidecer.
É assim que se combate a abstenção?
É. É as pessoas terem alternativa, terem alguém que diga as verdades mesmo que sejam duras de ouvir.
Dizer as verdades chega? É que da teoria à prática é um longo caminho.
Bom, têm de me dar a oportunidade que já deram aos outros muitas vezes. Se querem ter essa hipótese têm de me dar essa oportunidade.
Mas chegando lá é possível fazer as coisas de forma diferente?
Claro que é. Olhe, por exemplo, o trabalho dos presos que é uma matéria que tenho defendido. Perguntam-me sobre se vamos andar lá com chicotes a mandá-los trabalhar. É evidente que não.
Não quero voltar aos tempos da barbárie, mas quem não faz não é igual a quem faz. Eu pago a renda da minha casa, pago as contas… porque é que os presos não podem contribuir? Qual é a estratégia nesta questão?
Ninguém os vai obrigar fisicamente. Mas se se recusarem a trabalhar não têm direito a liberdade condicional, nem a saídas precárias. Não quero voltar aos tempos da barbárie, mas quem não faz não é igual a quem faz. Isto não é desumano, é um simples pedido de contribuição. Eu pago a renda da minha casa, pago as contas… porque é que os presos não podem contribuir?
E esta é uma diretriz que vai defender também na Europa?
Claro. Quero que os presos trabalhem e que contribuam, tanto aqui em Portugal, como na Europa. Os reclusos europeus devem todos trabalhar porque são muitos milhões que se gastam todos os anos na Europa com o sistema prisional. E isso são os impostos dos contribuintes europeus.
A castração química é outra das suas bandeiras. Não tem receio de que isso afaste eleitores?
Tenho e sei que afasta. Encontro muita gente na rua que me diz que concorda com tudo menos com a questão da castração química. Mas nesta fase de estudos em que estamos, esta é a melhor solução para combater o crime de pedofilia e abuso sexual de menores. Dir-me-ão que não resolve tudo. Pois não, mas não existem fórmulas mágicas. E também dirão que é um processo que pode ter sequelas. Pois pode e eu estou-me nas tintas. Quem abusou de crianças tem de cumprir a sua parte com a sociedade.
As pessoas não querem saber de rótulos, as pessoas querem é olhar para um partido que diga verdades com as quais concordam e se identificamChegados aqui, como é que distinguimos, de forma resumida, a coligação Basta do PNR?
Através da nossa posição perante a Europa, perante a História de Portugal, a forma e o estilo. Não somos uma Direita saudosista. Somos uma Direita do futuro e para o futuro. As pessoas não querem saber de rótulos, as pessoas querem é olhar para um partido que diga verdades com as quais concordam e se identificam.
Não o preocupa o surgimento cada vez maior de forças denominadas de extrema-direita na Europa?
Tudo o que é de extremos preocupa sempre. A única questão é que eu duvido sempre dos rótulos de extrema-direita que são colocados.
Porquê?
Olhe vou dar-lhe um exemplo: o Vox é um partido tão de extrema-direita que foi o primeiro a colocar um deputado negro no Parlamento. A Liga, do Matteo Salvini, também é identificado como partido de extrema-direita porque tem dito aos italianos que uma coisa é serem solidários e outra coisa é escancararem as portas e destruírem a sua identidade e colocarem em risco a sua segurança. Isto não é de extrema-direita, é o que qualquer governante deve fazer na sua casa.
Em que família partidária se vai inserir o Basta?
Ainda estamos em negociações com o Vox e com outros movimentos internacionais para definir o pós-26 de maio caso tenhamos alguma eleição. Mas não temos para já totalmente definido esse grupo. Mas será sempre um grupo da Direita democrática que assuma também a questão da liberdade das nações e se identifique com o que temos defendido na área da justiça.
A coligação Basta é europeísta?
É uma coligação que aceita a Europa, mas que é cética desta Europa.
Porquê?
Aceita a Europa porque não quer sair da Europa, nem quer abandonar a moeda única. Mas quer uma Europa diferente, uma Europa que não trate de forma diferente os Estados pelo seu peso, como aconteceu com o défice de Portugal. Nós fomos sancionados e a França não. Isto é inadmissível. Ou há regras para todos ou não há regras para ninguém.
Porque é que há estas distinções?
Porque há diferenciações de tratamento político pelo peso político dos Estados e isso não pode acontecer. Tal como não pode acontecer termos uma UE que se mete em todos os assuntos e depois não se mete onde se devia meter, como é caso dos impostos que nós pagamos e que outros não pagam, o que é uma concorrência desleal inadmissível.
Prefiro que a UE me diga que vou pagar menos impostos do que me diga que não posso usar uma colher de pau ou que não posso usar micropláticos por causa do oceanoMas se também se imiscuísse nesses aspetos não perderíamos a soberania enquanto país?
Mais ainda? Eles decidem que não podemos usar colheres de pau, mas depois nas questões em que deviam intervir, não intervêm. Redefinam as prioridades. Eu prefiro que a UE me diga que vou pagar menos impostos do que me diga que não posso usar uma colher de pau ou que não posso usar micropláticos por causa do oceano.
O Basta não tem preocupações ambientais?
Tem, claro que tem. Os microplásticos são um exemplo disso. A UE devia legislar sobre isto, porque têm um efeito tremendo no mar, logo no peixe e nós somos dos maiores consumidores de peixe do mundo. Os microplásticos são um exemplo daquilo em que a UE devia legislar melhor, mas não, prefere meter-se numa série de outras coisas que prejudicam os empresários em vez das coisas essenciais.
É preciso encontrar um equilíbrio entre a proteção do ambiente e a proteção de quem investe e quer criar empregoO que é mais importante: o ambiente ou a economia?
Temos de ter preocupações ambientais, mas temos de perceber que se não houver economia já não vai haver preocupações nenhumas a seguir, porque não há emprego. Eu sou um defensor do ambiente, acho que a UE deve legislar em termos de ambiente, mas atenção, também precisamos de muito menos burocracia. É preciso encontrar um equilíbrio entre a proteção do ambiente e a proteção de quem investe e quer criar emprego.
O Tribunal de Contas Europeu diz que poderá haver um corte de 7% nos fundos de coesão para Portugal. Partilha das críticas que são feitas ao cabeça-de-lista do PS que foi o responsável do Governo por esta pasta?
Claro que sim. É preciso lembrar que Portugal já esteve em primeiro lugar na execução de fundos, há pouco mais de 10 anos. Hoje está em sétimo. Isto mostra que temos vindo a perder capacidade de gerir fundos e de atrair recursos.
Porque é que isto aconteceu?
Por falta de capacidade administrativa, pela confusão burocrática em que o país vive e pela falta de fiscalização. Durante anos abriram vários turismos rurais porque era dinheiro da UE para a reabilitação de casas que estavam abandonadas. Muitos deles, misteriosamente, fecharam. Para onde foi o dinheiro? Mas a verdade é que se nós nem Pedrógão conseguimos investigar como é que vamos investigar os turismos rurais espalhados pelo país inteiro? E aí é que está o nosso problema crónico. Não podemos continuar com isto. Ou a máquina funciona ou um dia vamos ficar tão furiosos que a máquina vai toda abaixo.
Qual é o eleitorado que quer conquistar nas eleições de domingo?
Quero ir buscar eleitores a todos os partidos, mas essencialmente quero ir buscar os abstencionistas.
Porquê?
Porque, do ponto de vista democrático, nada me dá mais entusiasmo do que pessoas que encontro na rua e que me dizem que não votam há anos e anos e que agora vão votar em mim. São pessoas que estão alheadas da política, mas ouviram alguma coisa do que eu disse e disseram ‘aqui está um tipo que é autêntico, que erra, que falha, que às vezes excede-se, às vezes diz coisas que são agressivas, mas é autêntico’.
Eu não sou infalível e o pior erro de um político é achar-se infalível. Eu erro às vezes em coisas que digo, mas peço desculpa Quando é que o André Ventura errou?
Algumas vezes. Num dos comícios que tive recentemente, em que estávamos a falar da castração química eu disse à multidão que ‘devíamos castrá-los’ e as pessoas responderam. Foi um exagero. Admito que pode apelar a uma certa agressividade. Foi um erro. Mas eu reconheço isso. Eu não sou infalível e o pior erro de um político é achar-se infalível. Eu erro às vezes em coisas que digo, mas peço desculpa.
Qual é o papel do eurodeputado português?
É um papel muito reduzido, mas até por isso não pode continuar a acontecer o que tem acontecido, que é os eurodeputados serem eleitos e depois durante cinco anos não se sabe nada deles. Olhe o caso do doutor Marinho e Pinto. Fez uma campanha muito exuberante, com muitas críticas e durante cinco anos ninguém soube nada dele. Aparece cinco anos depois e por isso é que as sondagens mostram o que mostram. Os portugueses não são parvos. Isto não pode ser o eurodeputado. Se é isto, não vale a pena.
Estou nisto para combater a corrupção, não poderia aceitar que viesse dinheiro de fora para a minha candidatura, isso é ilegal. Mas é curioso que o Aliança apresenta um orçamento pouco mais baixo do que o nosso e a preocupação somos nós… Têm sido levantadas muitas dúvidas quanto ao financiamento da coligação. Afinal, de onde vem o dinheiro?
O orçamento que apresentámos foi uma estimativa. Nós temos a estimativa que conseguiremos angariar um valor com várias campanhas que estamos a fazer com angariações de fundo, donativos pessoais, etc. Isto é só uma estimativa. Mas garanto que não há um cêntimo de dinheiro do estrangeiro. Eu estou nisto para combater a corrupção, não poderia aceitar que viesse dinheiro de fora para a minha candidatura, isso é ilegal. Mas é curioso que o Aliança apresenta um orçamento pouco mais baixo do que o nosso e a preocupação somos nós…
Porquê?
Porque levantou-se a suspeita de que eu possa ser uma espécie de cavalo de tróia de movimentos nacionalistas internacionais em Portugal. Isso é mentira. A ideia do partido foi minha e só minha. O que vivi em Loures foi uma epifania, foi mostrar-me que já não estava no sítio certo, mas que havia uma multidão de pessoas lá fora que queria que eu estivesse no lado certo da história.
Só há uma mulher como cabeça-de-lista às Europeias. O que é que isto nos diz?
Diz-nos que ainda temos muito para avançar. As mulheres são uma parte fundamental da vida política e lamento que muitas vezes, elas mulheres, não queiram ou não estejam tão disponíveis, mas é culpa do sistema que temos que não lhes dá condições para fazerem política. E acho também que, infelizmente, nos países latinos as pessoas ainda olham com alguma desconfiança para a mulher política e isso é muito negativo. Temos de tomar a mulher parte tão política como o homem e isso não se faz com quotas e imposições. Faz-se com trazer as mulheres para a política.
Quantas mulheres há na lista do Basta?
Há várias. Temos quatro ou cinco. Não é a maioria, poderia ser mais.
Porque é que nunca o ouvimos falar do papel das mulheres na sociedade?
Olhe porque nunca ninguém me questionou a esse respeito, é esta a primeira vez.
Porque será?
Não surgiu ocasião ou talvez até por algum tipo de preconceito dos próprios jornalistas que acham que eu vou ter uma posição diversa sobre este tema.
Se algum dia tiver de trocar a Europa por Portugal fá-lo-ei de bom grado e sem pestanejar. O que está em causa não é dinheiro, é uma missão de mudar o nosso país O que é para si o sucesso nestas eleições?
Podia dizer que é um ou dois eurodeputados. Mas nem sequer é isso que me move. O que eu quero é saber que pela primeira vez o nosso sistema foi abalado ferozmente. Se nós tivermos um bom resultado o que eu vou dizer é que não foi uma vitória minha, nem do número dois, nem do número três. Vou dizer que é o primeiro dia do fim da vida do nosso sistema político. No dia em que entrarmos dentro do sistema não vamos desistir até o sistema ser totalmente diferente.
Se for eleito eurodeputado como ficam as legislativas?
Cumprirei a minha missão como é expectável. Sobre as legislativas falaremos noutra ocasião, porque ainda falta algum tempo. Em todo o caso, o que posso dizer é que se algum dia tiver de trocar a Europa por Portugal fá-lo-ei de bom grado e sem pestanejar. O que está em causa não é dinheiro, é uma missão de mudar o nosso país.
*Pode ler a primeira parte desta entrevista aqui.