O Presidente do PSD, Rui Rio, e o líder do PCP, Jerónimo de Sousa, encontraram-se na noite desta quinta-feira, na antena da RTP, para um frente-a-frente rumo às eleições legislativas de outubro.
Durante o morno debate, as evidentes diferenças entre forças políticas de Direita e Esquerda saíram em forma de sussurro, com Rui Rio e Jerónimo de Sousa a salientarem "divergências de fundo" na forma de atingir os objetivos em matéria de salários, saúde e natalidade.
A governação socialista ficou para segundo plano. Apenas no final, Jerónimo de Sousa foi questionado pelo moderador do debate, o jornalista António José Teixeira, se espera um sinal do PS para viabilizar um futuro executivo liderado pelos socialistas. Ao que o líder dos comunistas respondeu que "há coisas que não são repetíveis, deixemos que o povo português decida".
Já Rui Rio, quando questionado sobre a sua "falta de entusiasmo" pelo cargo de deputado, caso não o PSD não ganhe as eleições legislativas e não seja nomeado primeiro-ministro, o líder dos social-democratas foi claro: "Eu não quero ser deputado, quero ser primeiro-ministro".
Veja abaixo os principais temas do debate:
Recentemente Rui Rio demonstrou falta de entusiasmo pela função de deputado. Sendo dos seus cavalos de batalha um conjunto de reformas, isso não é contraditório?
Rui Rio – Não é aquilo que me entusiasma, o que me entusiasma é justamente liderar um partido, ganhar as eleições e liderar essas reformas que depois desaguam no Parlamento. Aquilo que é o meu objetivo é liderar um Governo. Eu não quero ser deputado, quero ser primeiro-ministro.
E o Jerónimo de Sousa, continua a sentir entusiasmo por ser deputado?
Jerónimo de Sousa – Há alegrias maiores na vida, mas creio que, pela importância que tem a Assembleia da República, onde, por exemplo nesta legislatura houve uma grande centralidade da própria Assembleia da República - coisa que não acontecia com governos de maioria absoluta-, considero que é uma tarefa de grande exigência e convicção.
Quanto às 35 horas de trabalho, o PCP defende que devem estender-se também ao setor privado. Rui Rio concorda?
Rui Rio – Que é justo é. Por isso é que somos contra aquilo que este Governo fez que foi baixar de 40 horas para 35 na Função Pública e não exigir isso aos Privados, porque deve ser igual. A partir do momento em as horas de trabalho baixaram na Função Pública, o PSD só iria mudar isso numa situação extraordinária. Vamos é lutar para que o desenvolvimento económico possa levar o setor privado também a isso, mas se tivermos desenvolvimento económico que o permita, neste momento não permite.
O PSD tem se demonstrado preocupado com as grandes desigualdades salariais. Isto não seria muito expectável para um partido social democrata, pois não?
Rui Rio – Como é evidente não fui eu que escrevi o programa do PSD, nasceu de muitos contributos. Mas essa medida em particularmente fui eu que a meti diretamente. Entendo que não é moral, não é correto haver empresas em que a direção ou administração de topo ganha muitíssimo mais que os salários mais baixos. É evidente que tem de haver uma grande diferença, mas tem de haver limites. Ter um administrador a ganhar um milhão de euros e depois cá em baixo a ganharem 700 euros, não pode ser. Têm todos de ganhar com o sucesso de uma empresa. O Estado pode, por exemplo, através da via fiscal ser criativo e penalizar uma empresa que tenha esse fosso fiscal.
Jerónimo de Sousa – Uma das questões que colocamos com uma emergência nacional é a necessidade da valorização dos salários e particularmente do salário mínimo nacional. A dificuldade que Rui Rio coloca será ultrapassada com a devida valorização do salário mínimo nacional. Por isso mesmo, nós pensamos que ele devia ser aumentado para 850 euros.
Rui Rio – Esta é uma divergência de fundo. Nós temos o mesmo objetivo, pagar melhores salários e sabemos que 600 euros é insuficiente para se viver. 700 euros é a nossa proposta com o privado e o público com os mesmos ordenados. Não podemos aumentar os salários que não são comportáveis para as empresas, porque vão à falência e é pior a emenda que o soneto. Temos de criar condições para pagar salários mais altos. Uma economia mais competitiva, como a Alemanha, para poder pagar salários mais elevados. Podemos forçar um bocadinho, mas não isso tudo que o PCP quer.
O PCP propõe a reposição do abono de família tornando-o de novo universal e um reforço dos montantes, mas não diz quanto. Estamos a falar de que valores?
Jerónimo de Sousa – Acho que a primeira batalha tem de ser o reconhecimento desse princípio universal. A questão do abano de família é um direito da criança, portanto, não podemos criar desde logo uma desigualdade. O abono de família deve ser para todas as crianças sem qualquer discriminação.
Rui Rio – Não concordo que seja universal. Nós estamos com muito poucos nascimentos, nascem muito menos pessoas do que aquelas que morrem e, portanto, temos de ter uma política forte de apoio à natalidade. A proposta neste momento é de alargar o abono de família, mas apenas para pessoas mais carenciadas. Depois, damos mais 50% ao segundo e terceiro filho e se for no interior ainda têm mais uma majoração.
Jerónimo de Sousa – Outra coisa que o PCP propõe é uma rede pública de creches dos zero aos três anos.
Rui Rio – Na base da natalidade essa é a nossa principal medida, mas há uma diferença. O PCP quer fazer uma rede de creches pública mesmo e nós queremos fazer uma rede de creches nacional em que por exemplo o setor social é relevante. Esta medida será apoiada nos fundos comunitários e as creches devem ser gratuitas ou tendencialmente gratuitas. Apenas a forma de fazer é diferente do PCP.
O País está numa condição financeira que permita ter prestações sociais mais generosas? Há uma folga orçamental?
Rui Rio – Não, hoje 2019 não está em condições de certeza, para o ano e em 2021 tem um bocadinho mais de condições. Independentemente de quem for Governo. A questão que aqui se coloca é qual o partido que tem capacidade para induzir mais crescimento económico. O PS teve margem orçamental decorrente do crescimento.
Jerónimo de Sousa – Há uma dificuldade levantada pelas opções do PS e PSD que é em relação à ditadura do défice e às suas opções. Há sempre dinheiro para os bancos e para os banqueiros. Quanto milhares de milhões já foram para o Novo Banco? Mas levanta-se sempre dificuldades para aumentar o salário mínimo nacional ou por causa do abono de família, aumento de reformas. A facilidade com que os últimos governos têm a tendência para atribuir montantes para a banca. Aqui está uma divergência de fundo com o PS.
O PSD tem uma proposta de criar um Sistema Nacional de Saúde diferente do Serviço Nacional de Saúde (SNS), isso não é uma forma de desvalorizar um SNS?
Rui Rio – De forma nenhuma. O SNS é público e tem de continuar a ser público. O que nos diferencia da Esquerda é que nós entendemos que se os Privados estão capazes de gerir um hospital com o mesmo orçamento e fazer mais e melhor porque é que eu hei-de dizer que não?! É sistema no sentido de que o privado tem um papel, o público tem um papel e o social tem um papel. As PPP continuam. Agora o que temos de introduzir é critérios de gestão nos próprios hospitais.
A Lei de Bases da Saúde ainda continua a permitir as PPP, acha que isso é uma derrota para o PCP?
Jerónimo de Sousa – Acho que é mais um exemplo de que o ponto de partida era negativo. Nós resolvemos apresentar a nossa iniciativa. Durante a discussão na especialidade conseguimos que não ficasse lá expresso que as PPP eram para continuar. Admitimos alguns serviços, mas quando o Estado não tiver condições e por isso mesmo é que este é outro exemplo da divergência de fundo que temos com o PSD porque a Saúde é um direito.
Há quatro anos, o PCP deu um sinal ao PS de uma possível parceria. Acha que esse sinal deve partir agora do PS?
Jerónimo de Sousa – Os portugueses é que vão decidir da arrumação de forças da Assembleia da República. São eleições para eleger deputados, não são para eleger nenhum primeiro-ministro e em conformidade com essa arrumação de forças sairão resultados. Há coisas que não são repetíveis, naturalmente. Nós na altura demos uma contribuição para resolver um impasse institucional que estava criado. E por isso mesmo é que continuamos a dizer que há coisas que não são repetíveis, deixemos que o povo português decida.