Rui e João. Os alunos que ilustraram o "enorme fosso" entre CDS e PS

António Costa e Assunção Cristas defrontam-se esta sexta-feira, num frente-a-frente na TVI, numa altura em que falta menos de um mês para as eleições legislativas e em que as sondagens apontam para uma possível maioria absoluta do PS e uma derrapagem do CDS.

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© Reprodução/TVI

Melissa Lopes
13/09/2019 22:55 ‧ 13/09/2019 por Melissa Lopes

Política

Legislativas

O secretário-geral do PS e a líder do CDS enfrentaram-se hoje, sexta-feira 13 (de sorte ou de azar?), num duelo espicaçado e onde ficaram evidentes as diferenças entre os dois partidos.

“Entre o PS e o CDS há hoje um enorme fosso sobre a forma como vimos a sociedade e sobre qual o papel que cada um na sociedade”, atirou, logo no início António Costa, respondendo à crítica de Assunção Cristas de que o PS, apoiado pelos partidos à esquerda, deixou o país “entre parêntesis” nos últimos quatro anos.

Foram vários os exemplos dados que comprovam que os dois estão nos “antípodas” um do outro, tendo sido António Costa a puxar os temas que dominaram o debate: acesso à universidade, a habitação e quociente familiar.

O primeiro-ministro acusou a líder do CDS de querer que o dinheiro “pague tudo”, ao propor que os alunos que não tenham média suficiente não entrem nas vagas definidas para os cursos do Ensino Superior.

Foi aqui que Cristas resolveu trazer para o debate o Rui, um jovem que, com média de 18,6 não conseguiu entrar no curso de engenharia aeroespacial, o exemplo de alguém que poderia pagar para entrar nas vagas destinadas aos alunos estrangeiros.

“Isso é subverter os critérios”, atirou Costa, trazendo para debate mais uma pessoa: João, o jovem que entrou com a média mais alta para o mesmo curso, no Instituto Superior Técnico.

“O que eu não vou dizer é ao João que teve 18,8 que não precisava de ter estudado porque até podia ter tido 17 e se tivesse dinheiro para pagar , podia entrar”, vincou o primeiro-ministro, concluindo que a proposta do CDS é "muito simples": "uns precisam de notas, a outros bastam-lhes o dinheiro. E isso é inaceitável numa sociedade do século XXI”. 

"Não desvirtue", pediu Cristas: "Acha que um aluno com 18,6 não tem mérito e não estudou o ano inteiro?”, continuou, num diálogo que podia ter durado a noite toda, e que deixou evidente as diferentes formas de ver a sociedade. 

Depois de esgrimirem argumentos, provando o “enorme fosso” entre ambos (nomeadamente em matéria de habitação e impostos), Cristas e Costa apelaram ao voto.

A líder centrista aproveitou para deixar um aviso aos eleitores do seu espaço político: “Para as pessoas de Centro e de Direita que entendem que o jogo está feito e que o PS já ganhou e que não é preciso ir votar, é preciso dizer-lhes que podem acordar no dia 7 com um Parlamento dois terços à Esquerda. E isso eu garanto que é um risco para o país”, disse, afirmando que o voto no CDS é um “voto seguro”.

Já Costa, garantiu que não é intenção do PS aumentar impostos e que a trajetória das “boas políticas” é para continuar. "Espero que acordemos no dia 7 com um PS suficientemente forte para assegurar o equilíbrio, bom senso e a estabilidade. Há uma coisa que os portugueses sabem do PS desde que Mário Soares o fundou: é que o PS é o partido do bom senso, do equilíbrio e da estabilidade, e contra as aventuras”.

Um recado para os seus parceiros de ‘namoro’?

Veja abaixo os principais temas do frente-a-frente: 

Cristas não está disponível para um acordo parlamentar com o PS. Em nenhuma circunstância? Nem mesmo para um acordo de regime, como o PSD já admitiu?

Assunção Cristas: Estou aqui para mostrar o que é projeto alternativo do CDS, um projeto de Centro-Direita, para o nosso país numa altura muito crítica em que sentimos em há uma certa tendência de o país virar bastante à Esquerda. Achamos que isso é negativo. Pelas propostas e projeto em si. Achamos que o país precisa de um projeto que liberte as famílias e as empresas da maior carga fiscal de sempre, que traga um verdadeiro Estado Social de parceria (na saúde, na educação ou na acção social). Uma política que olhe para todo o país (…) Uma política que olhe para as questões de soberania. O PS poderia optado por apoiar as forças políticas que tinham saído vitoriosas das eleições e dar estabilidade para que pudessem prosseguir um caminho de crescimento e de reformas estruturais no país. O PS optou por outro caminho, por se juntar às esquerdas e deixar o país entre pressentis durante 4 anos. Sacrificando reformas no país. Creio que neste momento António Costa tem várias alternativas ao seu dispor e não creio que seja o CDS.

Nem mesmo para um acordo de regime?

Assunção Cristas: O CDS nunca se demitiu, foi uma oposição muito firme e sempre muito construtiva. Apresentamos propostas em todas as áreas. (…) Estamos sempre a olhar para os interesses do país, e achamos que neste momento é batermo-nos por uma alternativa de uma política de Centro e Direita. E não podemos aceitar que já se entenda que as eleições já estão feitas e que não vale a pena ir a jogo.

Preferência à Esquerda mais vincada?

António Costa: O país há 4 anos precisava de uma alternativa e em boa hora foi possível construir essa alternativa e virar a página da austeridade, devolver rendimentos às famílias, criar melhores condições para as empresas investirem, para uma redução muito significativa do desemprego e para conseguirmos ter o défice mais baixo da democracia e estarmos a reduzir sustentadamente a dívida pública. Entre o PS e o CDS hoje há uma enorme diferença, um enorme fosso, sobre a forma como vimos a sociedade e de como julgamos qual é o papel de cada um na sociedade.

Costa dá três exemplos para provar o “fosso” e que dominaram o debate

António Costa: 1- Quem não entra na universidade por não ter notas suficientes pode comprar o lugar pagando. Como se o dinheiro pagasse tudo. 2 - Sobre habitação, no centro das políticas da habitação, o CDS diz que deve estar, não o direito à habitação, mas a defesa do direito de propriedade. O direito à habitação é um direito básico de qualquer família (...). 3 – O CDS propõe recuperar o chamado quociente familiar onde em vez de podermos deduzir para cada filho uma determinada quantia no IRS, propõe que essa dedução um percentual de rendimento, o que faz com que quando mais rica é a família mais deduz, como se as crianças fossem diferentes consoante a família. É uma visão profundamente injusta da sociedade. (…) De facto há um enorme fosso hoje em dia entre o PS e o CDS

O dinheiro pode comprar tudo?

Assunção Cristas: Deixe-me rebater. De facto há um fosso grande entre nós. O PS prometeu virar a página da austeridade e criou a carga fiscal máxima, nunca vista em Portugal. Estamos neste momento asfixiados como nunca tivemos por uma forma habilidosa construída pelo ministro Mário Centeno: dar a aparência que devolve algum rendimento e devolve através do IRS, e depois retirá-lo através dos impostos indiretos. Essa carga fiscal máxima, que ainda por cima está a par e passo com os piores serviços públicos de sempre, leva-me a dizer que estamos nos antípodas. Sabe qual foi a média mais elevada de entrada para a faculdade? 18,88 (engenharia aeroespacial no IST). O Rui teve 18,6 de entrada, não ficou. Qual a escolha que tem? Há 17 vagas reservadas a alunos estrangeiros fora da UE para poderem aceder a essas vagas, pagando uma propina superior. Isto está a retirar direitos a alguém?

António Costa: Está a subverter os critérios …

Assunção Cristas: Não, não está. Está a valorizar o mérito. Está a dar alternativa às pessoas.

António Costa: Os numerus clausus definem a quantidade de alunos que podem entrar em cada curso. E entram em função do mérito e da nota. E o que Cristas diz é que não podendo entrar com numerus clausus, possa escolher aceder a essa vaga, pagando o seu curso real. A mensagem é a seguinte: quem tem dinheiro para pagar a vaga, não precisa de ter nota para entrar na universidade, quem não tem dinheiro, tem que estudar e provar o mérito. Isso é muito desigual.

Assunção Crista: Não desvirtue. Vai dizer ao Rui que tem 18,6 e que tem mérito que não pode aceder às 17 vagas para alunos de fora e que portanto vai estudar Madrid, se a família conseguir pagar, ou então ficar fora da universidade.

António Costa: O que eu não vou dizer é ao João que teve 18,8 que não precisava de ter estudado porque até podia ter tido 17 e se tivesse dinheiro para pagar, podia entrar.

Assunção Cristas: Isso é que é uma subversão. Não é verdade. (…) Então vai me dizer que todos os alunos que estão no ensino privado, que não têm tão boas notas para entrar no público, estão numa situação de profunda desigualdade (…).

António Costa: A sua proposta é muito simples, uns precisam de notas, a outras bastam-lhes o dinheiro. E isso é inaceitável numa sociedade do século XXI.

Assunção Cristas: Acha que um aluno com 18,6 não tem mérito e não estudou o ano inteiro?

Habitação

Assunção Cristas: O que nós precisamos é de ter mais oferta de habitação, simplificar procedimentos, garantindo que a oferta aparece rapidamente, e ter património do Estado ao serviço de uma política de habitação para a classe média. Espanto-me que António Costa traga esse exemplo quando a CML vendeu os terrenos da Feira Popular para escritórios e para habitação de luxo. Ironicamente vai para lá a sede da Fidelidade. Quando podia ter esses terrenos para mil apartamentos para a classe média.

António Costa: O que Assunção Cristas pensa sobre habitação nós conhecemos, porque é autora de uma lei das rendas que liberalizou de uma forma sem regras o mercado do arrendamento, não protegendo sequer os idosos, os doentes, as famílias com portadores de deficiência, e que criou uma onda de despejos e de especulação imobiliária como não tínhamos memória. Grande parte do trabalho desta legislatura foi conseguir dar garantias às vítimas da sua lei. Garantir aos idosos com mais de 65 anos que não podem ser despejados, garantir às famílias com portadores de deficiência que não podem ser despejados, … Quando pensam para o futuro, em vez de defenderem a lei de bases da habitação, uma política de arrendamento acessível, o que dizem é o seguinte: o direito de propriedade deve estar no centro das políticas públicas de habitação. O direito à habitação é que tem de estar no centro das políticas públicas de habitação. Essa é uma visão que nos separa radicalmente. Como nos separa a visão do quociente familiar.

Assunção Cristas: Essa é uma coisa que nos distingue, é que as crianças não valem dinheiro. O rendimento dos pais não pertencem ao Estado, pertence aos pais. É muito diferente ter um rendimento para sustentar uma família com 2, com 3, 4 ou 5, ou com apenas uma ou duas pessoas. O que entendemos, e de facto separa-nos bastante, é que quando as pessoas ganham o seu vencimento, esse pertence-lhes, e primeiro deve ser dividido para custear as despesas da família, e a seguir o Estado aplica o imposto sim, progressivo de acordo com a Constituição.

Assunção: Não houve nenhuma onda de despejos. Orgulho-me de ter feito uma lei equilibrada, que protegeu os idosos e as pessoas com deficiência, que permitiu renovar a cidade do Porto e de Lisboa como nunca tinha acontecido.

Impostos

Compromissos quanto a descida de impostos?

António Costa: O nosso objetivo é continuar a reduzir os impostos como fizemos ao longo desta legislatura. Os portugueses vão este ano pagar menos mil milhões de euros de IRS do que pagavam anteriormente. E centrar as reduções de impostos para fomentar políticas que sejam adequadas. Relativamente às empresas, aumentar as deduções para poderem investir, reforçar o seu capital, instalar no interior. Manter a redução do IVA da restauração que foi fundamental; incentivos fiscais às famílias para terem mais filhos, aumentar as deduções em função do número de filhos, incentivos fiscais para os senhorios para terem contratos mais estáveis (…) Vamos trabalhar para aumentar o número de escalões do IRS. Vamos agora centrar-nos na classe média.

Convence o CDS?

Assunção Cristas: Somos muito mais ambiciosos. Achamos que deve haver uma efetiva libertação das famílias da maior carga fiscal de sempre. (…) O quociente familiar é o regime fiscal mais amigo das famílias com filhos. Existe em França há décadas, nunca foi revogado por nenhum governo.

Temos a maior carga fiscal de sempre?

António Costa: Temos para já uma carga fiscal menor do que aquela que teríamos se o Governo da dra. Assunção Cristas tivesse continuado a governar. Previam uma carga fiscal de 36,3%, um ponto percentual acima da que temos. A carga fiscal subiu mas subiu porque a economia cresceu mais. A receita do IVA subiu e continua a subir. A única alteração que fizemos foi reduzir a taxa (…). A recita do IRC sobe porque as empresas estão a ter mais lucros. A grande mudança que faz subir significativamente a carga fiscal em Portugal são as receitas da segurança social. Deve-se a 350 mil novos postos de trabalho. A taxa de desemprego que estava em 12,6% e agora está em 6,7%.

Convencida?

Assunção Cristas: De todo. Já ouvi esta explicação várias vezes e ela não convence porque simplesmente não é factual. Em 2015, a carga fiscal foi 34,4% e com este governo atingiu os 35,4%, a maior carga fiscal de sempre. Porque AC esqueceu-se de falar do ISP, por exemplo. Hoje se alguém for por gasóleo ou está a pagar provavelmente mais 18 ou 20 euros e mais 11 se estiver a meter gasolina. E isso é verdadeiro saque fiscal às famílias portuguesas. Olho para o programa do PS e o que eu vejo é de facto uma possibilidade de agravamento dos impostos. Ex: englobar rendimentos de capital ou prediais. Um país que tem uma taxa de poupança tão baixa precisa de incentivar a poupança e de incentivar um verdadeiro capitalismo popular, que as pessoas invistam.

Aquilo que o CDS propõe é radicalmente diferente. Propomos que pessoas que investem num negócio não seja tributados no seu IRS, quando recebem o seu rendimento do trabalho, e depois quando tiverem lucros, sim, serão tributados. Estimular a economia de forma estrutural. Fizeram um verdadeiro garrote às empresas.

António Costa: Não vai haver aumento de impostos nos próximos anos. Vamos prosseguir a redução dos impostos sobre o trabalho. Agora, há opções. Cristas quer sobretudo baixar os impostos sobre os combustíveis fósseis, quando todos sabemos que temos de reduzir o consumo de combustíveis fósseis para combater as alterações climáticas. A nossa opção é diminuir a tributação sobre o trabalho e dar incentivos fiscais às empresas que se modernizem, que invistam no interior e que melhorem os seus capitais próprios.

Se eleger menos de 18 deputados, sente que a sua liderança falhou?

Assunção Cristas: Aquilo que não me preocupa é a minha liderança, o que me preocupa é o país, que tem a maior carga fiscal de sempre e que não tem uma alternativa à esquerda que seja viável. Para as pessoas de Centro e de Direita que entendem que o jogo está feito e que o PS já ganhou e que não é preciso ir votar, é preciso dizer-lhes que podem acordar no dia 7 com um Parlamento dois terços à Esquerda. E isso eu garanto que é um risco para o país. O voto no CDS é um voto seguro. Não acredito num país bem governado com maiorias absolutas de um só partido e também não acredito num país governado por uma maioria à esquerda.

Centeno disse que é mais fácil atingir certos objetivos com maioria absoluta. Há uma política de comunicação para o exterior e outra para o Governo?

O que eu desejo é que os portugueses acordem no dia 7 de outubro tranquilos, sem terem o receio de que vamos entrar em aventuras de reduções fiscais que se traduzem depois ou num enorme desequilíbrio das contas públicas ou num novo enorme aumento de impostos. Que possam continuar esta trajetória de boas políticas que tem permitido criar emprego, melhorar os rendimentos, melhor o investimento nos serviços públicos, etc, e termos as nossas contas certas. Espero que acordemos no dia 7 com um PS suficientemente forte para assegurar o equilíbrio, bom senso e a estabilidade. Há uma coisa que os portugueses sabem do PS desde que Mário Soares o fundou: é que o PS é o partido do bom senso, do equilíbrio e da estabilidade, e contra as aventuras.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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