A polémica de julho que pelo tempo (só) fez 'mossa' a dias das eleições

O caso das golas antifumo distribuídas à população no âmbito do programa 'Aldeia Segura' e a escolha das empresas por ajuste direto levaram, esta quarta-feira, à realização de buscas no Ministério da Administração Interna e Proteção Civil e à demissão do secretário de Estado da Proteção Civil. A tão poucos dias do fim da legislatura, e a 18 da ida às urnas, o primeiro-ministro decidiu não nomear ninguém para a pasta e garantiu estar "tranquilo" com a investigação do Ministério Público.

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Ana Lemos com Lusa
19/09/2019 07:48 ‧ 19/09/2019 por Ana Lemos com Lusa

Política

Governo

Foi a 26 de julho que surgiu a notícia. No Jornal de Notícias lia-se que 70 mil golas antifumo fabricadas com material inflamável e sem tratamento anticarbonização, que custaram cerca de 165 mil euros, foram entregues pela Proteção Civil no âmbito do programa 'Aldeia Segura' e 'Pessoas Seguras'. As ditas golas, fabricadas em poliéster, "não têm a eficácia que deveriam ter: evitar inalações de fumos através de um efeito de filtro", ficou a saber-se.

Nesse mesmo dia, a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC) esclareceu que as golas antifumo distribuídas destinam-se apenas a movimentos rápidos de retirada de pessoas em caso de incêndio e que a sua segurança não está em causa.

Segundo a ANEPC, estas golas, assim como todo o equipamento que foi distribuído junto das aldeias que têm o projeto 'Aldeia Segura' e 'Pessoas Seguras', devem ser usadas "em momentos que se esperam que sejam rápidos" e "tem a ver com a necessidade destas pessoas, num dado momento, poderem ter de sair das suas casas para entrarem num transporte ou para se dirigirem a um abrigo ou a uma situação de refúgio".

"Em nenhum momento este equipamento foi identificado como equipamento de proteção individual ou como equipamento que pudesse ser usado numa situação de confronto com incêndio florestal", precisou, sublinhando que nos locais onde há fumo "é fundamental" que as pessoas tenham golas para cobrir as vias respiratórias.

Notícias ao MinutoGolas inflamáveis distribuídas no âmbito dos programas 'Aldeia Segura' e 'Pessoas Seguras'© ANPC

Apesar de considerar "irresponsável e alarmista" a notícia sobre as golas antifumo, o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, determinou a abertura de um "inquérito urgente" à Inspeção-Geral da Administração Interna "face às notícias publicadas sobre aspetos contratuais relativamente ao material de sensibilização".

Mas dias depois, a 29 julho, Francisco Ferreira, adjunto do secretário de Estado da Proteção Civil, demitiu-se, após ter sido noticiado o seu envolvimento na escolha das empresas para a produção dos 'kits' de emergência para o programa 'Aldeias Seguras'.

Francisco Ferreira, também presidente da concelhia do PS/Arouca, foi quem recomendou as empresas para a compra das 70 mil golas antifumo inflamáveis, 15 mil 'kits' de emergência com materiais combustíveis e panfletos entregues às 1.909 povoações abrangidas pelo programa, segundo várias notícias publicadas na altura.

O portal da contratação pública inclui dois contratos no âmbito dos programas 'Aldeia Segura' e 'Pessoas Seguras' com a empresa Foxtrot Aventura, um dos quais relativo a "kits de autoproteção", onde se incluem as golas.

O que são os programas 'Aldeia Segura' e 'Pessoas Seguras'

Os programas 'Aldeia Segura' e 'Pessoas Seguras' foram criados seguindo as recomendações da Comissão Técnica Independente aos incêndios de 2017 e que foi nesse âmbito que foram produzidos diversos materiais, como as golas antifumo.

No âmbito dos programas, que procuram garantir uma maior proteção das aldeias em caso de incêndio, são designados oficiais de segurança, figura que tem como missão transmitir avisos à população, organizar a evacuação do aglomerado, em caso de necessidade, e fazer ações de sensibilização junto da população.

No último balanço feito pela Proteção Civil, estes programas estão a ser realizados em 1.909 aldeias, existindo 1.507 oficiais de segurança local e 1.466 locais de abrigo.

Ministério Público adia ação por causa das "condições climatéricas"

A 30 de julho, o Ministério Público instaurou um inquérito relacionado com o caso das golas antifumo de proteção contra incêndios. E, após as várias notícias e polémicas, a Proteção Civil pediu ao Centro de Investigação de Incêndios Florestais (CIIF), dirigido por Xavier Viegas, que realizasse testes às golas, tendo concluído que não inflamam quando expostas ao fogo.

"As condições atmosféricas já haviam anteriormente ditado um adiamento das diligências, agora, em curso"O relatório preliminar, conhecido na altura, revelou que as golas não inflamaram "mesmo quando colocadas a uma distância inferior a 50 centímetros das chamas, durante mais de um minuto", chegando a furar a cerca de 20 centímetros das chamas, mas sem arderem.

E, esta quarta-feira, o Ministério Público entrou em ação. Mais de meia centena de buscas foram realizadas no âmbito de uma investigação sobre as práticas enquadradas nos Programas 'Aldeia Segura', 'Pessoas Seguras' e 'Rede Automática de Avisos à População' por suspeitas de fraude na obtenção de subsídio, de participação económica em negócio e de corrupção, segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR).

Na mesma nota da PGR, enviada às redações, lê-se que foram realizadas "oito buscas domiciliárias e 46 não domiciliárias", no âmbito de um inquérito dirigido pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP). Entre os locais alvo dessas buscas inclui-se o Ministério da Administração Interna, a Secretaria de Estado da Proteção Civil, a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil, Comandos Distritais de Operações de Socorro, e, segundo avançado por vários meios de informação, a residência do secretário de Estado, Artur Neves.

"Atendendo a que em alguns destes locais se desenvolvem atividades operacionais, com vista a minimizar efeitos de acidentes graves ou catástrofes, designadamente relacionados com incêndios, a concretização das diligências de aquisição de prova foi precedida de uma criteriosa análise da situação climática, sendo que as condições atmosféricas já haviam anteriormente ditado um adiamento das diligências, agora, em curso", justificava a nota da PGR.

Investigação e demissão não preocupam Costa

E quase dois meses depois de divulgada a notícia sobre as golas antifumo, e a apenas 18 dias das eleições legislativas, o secretário de Estado da Proteção civil, José Artur Neves, demitiu-se do cargo "por motivos pessoais". Porém, vários meios de comunicação garantem que esses motivos podem ser o facto de ter sido constituído arguido no âmbito da investigação do Ministério Público. O Notícias ao Minuto tentou confirmar esta informação junto da PGR, mas até ao momento sem sucesso.

"Quero nesta ocasião agradecer a Artur Neves o contributo decisivo para a forma como decorreram e se implementaram as mudanças nas operações de Proteção Civil""Sempre que o sistema de justiça funcione, o Governo está tranquilo. (...) Uma das vantagens da nossa democracia é a existência de separação de poderes, a garantia de que ninguém está acima da lei e que sempre que há um facto que se gere uma investigação criminal essa investigação decorre com toda a independência por parte das autoridades". As palavras foram proferidas pelo primeiro-ministro António Costa que, ainda esta quarta-feira, e depois de o Presidente da República ter aceitado a demissão de Artur Neves, agradeceu ao seu ex-governante e anunciou que não ira nomear um substituto para o cargo tendo em conta que o fim da legislatura aproxima-se

Nestes últimos dias, a pasta da Proteção Civil será assumida pelo ministro que a tutela, ou seja, Eduardo Cabrita (Administração Interna).

 

 

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