No dia em que se assinalou o aniversário da morte do fundador do PSD, Francisco Sá Carneiro, a 4 de dezembro de 1980, os três candidatos à liderança do partido, Rui Rio, Luís Montenegro e Miguel Pinto Luz sentaram-se à mesma mesa, na RTP, para um primeiro debate rumo às eleições diretas de 11 de janeiro.
A esta mesa foi servido um “clima de guerrilha interna” como entrada, a que se seguiu a “maçonaria” como primeiro prato, o voto ao Orçamento do Estado como segundo, e as próximas eleições autárquicas (2021) ‘adoçaram’ a sobremesa.
Ditou o sorteio realizado pela RTP que fosse o atual líder do PSD, Rui Rio, a abrir o debate. Como convencer os militantes tendo em conta os últimos resultados do PSD, em particular nas europeias e legislativas?
"Os resultados têm que ser contextualizados", começou por destacar Rui Rio, sublinhando que "há derrotas e derrotas" e que a sua última contou com uma "conjuntura internacional favorável, um clima de guerrilha interna, e o surgimento de três novos partidos à Direita".
Luís Montenegro 'contra-atacou', afirmando que o PSD teve com Rio os "piores resultados das últimas décadas". "Isto acontece porque o PSD teve uma estratégia que conduziu os eleitores a apresentarem uma alternativa que não é alternativa. Não vale a pena arranjarmos desculpas, não é resultado que dê a Rio condições. E a desculpa da guerrilha interna, não colhe. No PSD sempre houve espaço para chamar a atenção para diferenças de opinião".
"Qual é a autoridade moral destes senhores depois de me terem feito o que fizeram?" (Rui Rio)Qual é, afinal, o problema do PSD? O líder ou as circunstâncias? Para Miguel Pinto Luz o que Rio "tem de explicar é o que vai alterar na sua receita errada. Optou por uma estratégia de contra tudo e todos e uma lengalenga de que o mundo está contra ele, quando o que tem de dizer é o que vai mudar para justificar esta candidatura. Não há cá desculpas. Tem de dizer de forma clara o que vai mudar na receita, para termos a certeza de que não vai ser o candidato dos 20%".
Rio reagiu lembrando os maus resultados de ambos os adversários em eleições passadas. E se Montenegro recordou ao líder laranja o que "aconteceu a Passos Coelho, que perdeu a Câmara da Amadora e depois ganhou legislativas por duas vezes" e pediu respeito pelos "que vão às lutas difíceis", Miguel Pinto Luz assumiu as suas perdas eleitorais, mas acusou Rio de ser "o presidente do PSD que mais vezes conseguiu resultados historicamente maus".
“Isto é uma hipocrisia completa. Há uma diferença entre ter dois anos sossegados [na liderança] ou então estar em guerrilha permanente. O que fiz para pacificar o partido foi procurar não ouvir as críticas, quer de um quer de outro, foi estar constantemente a desestabilizar o partido. Pensei que [este debate] ia ter um nível mais elevado", contestou Rio.
Montenegro questiona Rio. "Está a referir-se a Castro Almeida - ex-vice-presidente que saiu por divergências, e a Cavaco Silva, que esteve anos sem dizer nada e veio a público depois das eleições mostrar preocupação, é a esses que se está a referir? Não tivemos um líder agregador, isto é o que o separa de Cavaco Silva". Miguel Pinto Luz aproveita para deixar no ar a questão: "Durante o período [do Governo PSD/CDS] onde é que você estava? Não estava ao lado de Pedro Passos Coelho".
Rui Rio parece um náufrago que não tem argumentos políticos e que por isso faz julgamentos com base em notícias de jornal" (Luís Montenegro)E os grupos obscuros da maçonaria que queriam tomar o PSD?
Quer Luís Montenegro, quer Miguel Pinto Luz "são conhecidos como associados à maçonaria. Isso está em todo o lado. Mas não consigo compreender como no pós-25 Abril há sociedades com este secretismo. Mais. Quando vamos para cargos públicos de grande exposição temos de ser escrutinados e depois há [nestes grupos] obediências secretas que não são escrutinadas", começou por apontar o líder do PSD.
Fui membro da maçonaria quando tinha 20 anos e já não sou há mais de dez, desde que tenho cargos públicos" (Miguel Pinto Luz)Ironizando pelo facto de Rio fazer esta associação com base no que leu "em jornais", Montenegro acusou-o de fazer "política da insinuação" e prosseguiu: "No PSD não sofri nenhum condicionamento por nada, não pertenço nem pertenci à maçonaria. Rui Rio parece um náufrago que não tem argumentos políticos e que por isso faz julgamentos com base em notícias de jornal".
Já Pinto Luz quis falar sobre o "elefante dentro da sala". "Fui membro da maçonaria quando tinha 20 anos e já não sou há mais de dez, desde que tenho cargos públicos. Estou afastado da maçonaria há muito tempo" mas aquilo com que "estou profundamente preocupado é com o futuro do nosso partido. Batemos no fundo".
PSD não deve ter a atitude de bota abaixo" (Miguel Pinto Luz)E como tencionam voltar a trazer o PSD 'à tona'? Luís Montenegro aproveita para oferecer aos adversários o livro ‘Impasse’ de Sá Carneiro para fazer a analogia com o impasse em que o país se encontra, destacando o "caos na saúde", e vincando que não se revê "nos princípios programáticos deste Governo", e que por isso não tenciona "viabilizar nenhum orçamento".
Esta é, sublinhou Rio, uma "divergência real" entre ambos. "Na situação atual devemos ser uma oposição construtiva, criticar, denunciar, mostrar a alternativa, mas também concordar – para isso é preciso ter grandeza. Se sei que o país tem estrangulamentos de ordem social, tenho a obrigação de pugnar para que isso seja feito, em nome de Portugal e dos portugueses", defendeu.
No mesmo sentido, Pinto Luz admite que "o PSD não deve ter a atitude de bota abaixo". "Temos que ter uma agenda reformista, depois perceber se o partido que governa é ou não capaz de apresentar um orçamento bom para os portugueses. Temos obrigação de sermos mais arrojados, precisamos de ser a locomotiva da mudança. Perdemos o ímpeto reformista", disse, tendo sido interrompido por Montenegro.
"Claro que é responsabilidade do maior partido da oposição apresentar alternativas, agora vamos ser sérios e claros, depois de o PS ter escolhido o apoio parlamentar do Bloco e do PCP, alguém acredita que o PS, que está amarrado ao Bloco e PCP, quer fazer acordos estruturais connosco? O país está bloqueado pelo PS", concluiu, dizendo não ter "dúvidas" de que o segundo Governo de Costa dure os quatro anos porque "no fim do dia, sempre que houver problemas há-de haver uma solução".
A fechar a questão do Orçamento do Estado para 2020, Rio assumiu que "é pouco provável que o PS apresente um documento que colha apoios à Esquerda e à Direita, é quase impossível".
Onde quero o Estado? Em creches, por exemplo, não quero na TAP nem nos transportes" (Miguel Pinto Luz)O que vem aí para o PSD, um teste eleitoral?
O setor da Saúde e o estado do Estado social são uma preocupação para os três candidatos à liderança do PSD. Todos concordam que a carga fiscal é pesada, Montenegro declarou mesmo que "nunca tivemos um Estado que fosse à sociedade buscar tantos impostos e ao mesmo tempo não utilizasse a receita para melhorar os serviços". O ex-líder parlamentar laranja referiu, aliás, que "há um complexo neste PS - amarrado ao Bloco e PCP – é que todos os serviços devem ser prestados pelos serviços do Estado e não há complementaridade com o privado. E o que está a suceder é o pior momento no acesso à saúde e o melhor para os prestadores de saúde privados".
Miguel Pinto Luz quer virar o país para as exportações e para o investimento. "Temos que dar previsibilidade aos portugueses, precisamos de um novo paradigma de diálogo social e hoje somos governados pelo PS mais radicalizado de sempre. Temos que racionalizar despesa, como diz Rui Rio, e onde quero o Estado? Em creches, por exemplo, não quero na TAP nem nos transportes".
A minha chegada ajudou a destruir um pouco o cimento da Geringonça" (Rui Rio)"O PSD não tem de estar dependente do atual governo, tem de ter a sua agenda reformista mobilizadora. Precisamos de trazer outra vez atores dinâmicos da sociedade civil e as autárquicas são o primeiro passo, acredito que o PSD sozinho tem de ser novamente a casa daqueles que não acreditam neste modelo socialista", rematou o autarca.
Já Rui Rio reiterou que "estes quatro anos serão mais difíceis do que os anteriores" e que a sua "chegada ajudou a destruir um pouco o cimento da Geringonça. Há maior desgaste e o Bloco e o PCP vão pedindo o que não se deve exigir, e isto vai terminando".
Montenegro também quer o "PSD a dar a volta". As "duas últimas eleições correram muito mal. Temos de mobilizar os melhores dentro de nós para serem candidatos, atrair pessoas credíveis – tenho na minha cabeça várias pessoas, a começar por Lisboa. A vitória está ao alcance do PSD, temos muitas possibilidades de fazer o que fizemos em 2001".
[Notícia atualizada às 23h21]