Convergência procura-se (mas valores do PCP são "insubstituíveis")
Ana Gomes e João Ferreira estiveram frente-a-frente, esta terça-feira, na RTP. Um debate que girou, sobretudo, em torno de uma eventual convergência à Esquerda para o sufrágio do dia 24.
© Pedro Pina | RTP
Política Presidenciais 2021
A diplomata socialista Ana Gomes 'piscou o olho' esta terça-feira a uma eventual convergência de Esquerda, entre a sua candidatura presidencial e as da bloquista Marisa Matias e do comunista João Ferreira e o candidato apoiado pelo PCP não recusou de forma perentória a hipótese, embora tenha realçado que a sua candidatura tem valores e princípios "insubstituíveis", os quais não encontra noutras candidaturas.
Em debate televisivo na RTP, a antiga eurodeputada do PS afirmou que "isso [a eventual convergência de Esquerda] é possível". "Estarei sempre disponível para convergências, sobretudo quando a democracia está em causa e sob ataque. O mais importante é que aqueles que entendem a importância da democracia, mesmo tendo muitas divergências, se possam unir para regenerar a democracia", disse.
Por seu turno, o dirigente comunista declarou que fez questão de "apresentar [a candidatura] como um espaço de convergência". "Não faz sentido dizer que não encaro a possibilidade de convergência", assumiu.
A antiga eurodeputada socialista mostrou-se crente numa "segunda volta", pois "a sondagem que conta é a de dia 24 [de janeiro]", data das eleições presidenciais.
Convite a convergência à Esquerda?
Ana Gomes: "Sim. Acho que a convergência é sempre importante. E temos visto como a convergência fez a diferença nos últimos anos, positivamente em benefício do povo português. Apoiei a Geringonça. Tive pena que não houvesse uma Geringonça 2 formal, mas vejo que há convergências. Ainda agora, [houve convergências] para o Orçamento do Estado, que trouxeram benefícios para os cidadãos".
Convergência antes do dia 24 de janeiro?
Ana Gomes: "Não depende de mim, pelo meu lado isso é possível, estarei sempre disponível para convergências. Acho que, sobretudo quando a democracia está em causa, o mais importante é que aqueles que entendem a importância da democracia, mesmo tendo muitas divergências, se possam unir para regenerar e reforçar a democracia".
Pensou candidatura conjunta com Marisa. Fez o mesmo com João Ferreira?
Ana Gomes: "Não. Não disse isso. Quando eu própria estava em reflexão sobre a minha candidatura, troquei impressões com a Marisa. Sou amiga da Marisa. Temos divergências. Mas também temos muitos pontos de convergência. Trocámos impressões apenas. Com o João não troquei. (...) O João não é claramente o meu adversário nesta contenda. O meu adversário é o professor Marcelo Rebelo de Sousa".
Aceita o repto de Ana Gomes?
João Ferreira: "Quando apresentei a minha candidatura fiz questão de a apresentar como um espaço de convergência amplo. Tenho constatado com muita satisfação que há uma corrente de apoio que vai muito para lá das fronteiras que alguns poderiam julgar confinada. Tenho recebido apoio de quadrantes diferentes do meu. É público e notório o apoio de pessoas que não são do meu partido. Sublinhei a natureza desta candidatura como um espaço de convergência de todos aqueles que, identificando na situação atual desafios claros para o nosso futuro imediato. A questão da convergência não se pode discutir no abstrato, deve ser discutida em função daquilo que cada português, sobretudo aqueles que estão à Esquerda, entende o que deve ser o exercício dos poderes presidenciais no contexto em que vivemos. Esta candidatura tem princípios e valores que são insubstituíveis e que não encontro noutras candidaturas".
Porque é que não é possível convergir com a Ana Gomes?
João Ferreira: "Não faz sentido dizer que não encaro a possibilidade de convergência. (...) Tenho feito a afirmação dos valores desta candidatura fundamentalmente pela positiva. Olho para a situação do país e encontro na explicação de muitas dificuldades que estamos a enfrentar um progressivo afastamento dos princípios basilares que estão vertidos no texto constitucional. A Constituição é uma lei fundamental que atribui amplos direitos no plano politico, económico, social, cultural, ambiental, o direito ao trabalho como valor central (...). Não é possível olhar hoje para Portugal sem dar uma grande atenção às questões do trabalho, a precariedade laboral, dos baixos salários. A Constituição não os esqueceu. O Presidente, que tem como função primeira defender cumprir e fazer cumprir a Constituição, tem necessariamente que defender o direito ao trabalho, assim como o direito à saúde, à habitação, à propriedade privada, social e pública (...) Quem fez a Constituição não se limitou a despejar para lá direitos, que são muito importantes e que não são uma realidade na vida de todos os portugueses e têm de ser. E o Presidente tem aqui um papel. Mas a Constituição fez mais do que isso: apontou um caminho programático, uma política de desenvolvimento, uma política agrícola, económica, comercial, industrial, na qual eu me revejo. (...) Há aspetos desse sentido programático com os quais eu me identifico mais do que a Ana Gomes. Os desígnios da soberania nacional estão claramente muito associados a essa vertente programática. Eu não os desprezo nem um minuto. Isto não significa a defesa de um país fechado sobre si mesmo. Pelo contrário.".
Acredita numa segunda volta eleitoral?
Ana Gomes: "Acredito. Acredito que uma segunda volta é possível, está ao nosso alcance. A sondagem que conta é a do dia 24. Acredito que há muita gente jovem que se calhar não votou no passado vai votar. Este é o tempo de reclamar este país. Os jovens têm de se implicar. Este país é deles. Como é dos mais velhos. Mas se os jovens não assumirem o controlo deste país não passamos da cepa torta. Não podia estar mais de acordo em relação a essas marcas diferenciais da nossa Constituição e como muitas vezes têm sido esquecidas, designadamente na ação do Presidente da República. Apresento-me como uma candidatura não partidária, não vimos aqui brincar às eleições, não vimos aqui fazer marcação de território. Não venho para isso. Venho para concorrer, penso que posso chegar à segunda volta, e chegando à segunda volta tudo é possível, se houver de facto uma convergência progressista e se barrarmos o tipo de convergências à bloco central que, do meu ponto de vista, têm sido extremamente nocivas para o país".
Chave do sucesso está na capacidade de fidelizar PS?
Ana Gomes: "Tenho comigo o PAN, o Livre, dá-me muita honra e conforto ter estes dois partidos comigo. Tenho-me sentido muito acompanhada por militantes socialistas e também muitos independentes".
Mas há muitas figuras do PS a apoiar um candidato de Direita...
Ana Gomes: "Isso é um problema deles. O que importa é o que o povo português vai dizer no dia 24 (...) Sempre disse que o PS devia ter um candidato próprio (...) porque o PS tem uma contribuição de um campo do socialismo democrático que faz falta para a democracia portuguesa (...) A minha ambição é precisamente federar aqueles que pensam como eu que é preciso reconhecer que em muitos aspetos houve perversões da democracia".
Marcelo foi um mau Presidente?
Ana Gomes: "Não é essa a questão que importa. Em muitos aspetos, não foi um Presidente à altura do que precisávamos. Nas questões do trabalho não poderia estar mais de acordo com o João. É fundamental valorizar o trabalho, e neste momento mais do que nunca, com a crise tremenda em resultado da pandemia, mas que no fundo já vinha de traz. É preciso criar emprego de qualidade, decente, bem remunerado, em atividades que respondam às imperativas transições digitais e a energética".
João Ferreira: "Os problemas do mundo laboral, designadamente no que toca à precariedade, já vêm de há muito, vêm até de antes da Troika e de alterações do Governo socialista quando a Ana Gomes era deputada".
Ana Gomes: "É verdade, é verdade. E eu não tenho problema nenhum em prestar tributo ao PCP pelo papel positivo que teve, desde logo, na viabilização dos orçamentos desde 2015 e agora neste último com o aumento extraordinário das pensões, a proteção dos desempregados, o aumento do salário mínimo. [Isso resulta] da possibilidade de convergência progressista que houve por parte das forças que aprovaram o orçamento".
Presidente diz que não foi de fação. Acha que foi?
Ana Gomes: "Penso que a estabilidade política é importante. E em particular quando temos um Governo que está a tentar corrigir a pior herança do passado, designadamente do tempo da Troika e do governo mais troikista que a troika. Mas, de um Presidente espera-se muito mais. Espera-se o exercício da magistratura de influência para garantir que de facto as instituições funcionam regularmente. Exemplos? Um deles é na Justiça. O Presidente está em contacto com operadores da Justiça. Há outros aspetos. Não gosto da ideia de se banalizar o Estado de Emergência. Como PR, teria pedido à AR que aprovasse uma lei de emergência sanitária".
Perdeu peso a palavra presidencial?
Ana Gomes: "Acho que muita gente faz essa pergunta. Ou então estamos aqui a jogar um jogo hipócrita, finge-se que se quer determinado resultado, mas efetivamente não se quer. Quando este Presidente, e outros, quiseram que ministros fossem substituídos, eles foram (...) Não percebo como é que foi possível tolerar aquela desautorização do ministro da Administração Interna pelo diretor da PSP no Palácio de Belém, anunciando uma reforma que, obviamente, estava completamente fora da sua competência. Isto foi tolerado pelo Governo e pelo Presidente da República".
João Ferreira: "Sou muito mais crítico do que Ana Gomes relativamente ao exercício dos poderes do atual Presidente da República. Houve vários momentos em que se afastou do juramento de cumprir e fazer cumprir a Constituição. Eu não teria promulgado alterações à legislação laboral aprovadas na AR por maioria que desorganizaram completamente a vida dos de muitos portugueses por via de um banco de horas (...) Eu não teria vetado uma lei sobre a habitação, não teria vetado uma lei que permitia a determinados inquilinos exercerem o direito de preferência (...) Não teria criado dificuldades a que nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto se consagrasse definitivamente o caracter público dos transportes públicos".
Europa
João Ferreira: "Nem Ana Gomes aceitaria uma imposição de Bruxelas de querer transformar uma Caixa Geral de Depósitos, com papel essencial na economia, numa espécie de 'caixinha' ou de tornar a TAP uma subsidiária de uma companhia de bandeira alemã", pois "o Presidente da República tem de ter uma palavra a dizer".
Ana Gomes: "Esta é a grande divisão que tenho em relação ao João Ferreira porque sou profundamente europeísta e mais convicta hoje de que sem a Europa nós não nos salvamos".
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