Primeira dissolução da AR aconteceu após crise orçamental, em 1979
A primeira dissolução da Assembleia da República a seguir ao 25 de Abril de 1974 aconteceu, como agora, após uma crise orçamental, em 1979, que levou à demissão do então primeiro-ministro, Mota Pinto.
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Política OE/Crise
Carlos Alberto da Mota Pinto apresentou a demissão em 07 de junho de 1979, alegando "obstrução sistemática da Assembleia da República" à ação do IV Governo Constitucional -- o segundo governo de iniciativa presidencial nomeado pelo Presidente Ramalho Eanes sem suporte no parlamento, depois do de Nobre da Costa.
O Orçamento Geral do Estado para 1979 tinha sido rejeitado numa primeira versão, logo na generalidade, em 22 de março daquele ano, e a segunda versão foi aprovada com alterações na especialidade, em 05 de junho, enquanto as Grandes Opções do Plano foram duas vezes rejeitadas.
As duas propostas de lei de Orçamento para 1979 tiveram votos contra de PCP e UDP e a abstenção de PS e PSD, tendo a segunda sido viabilizada graças aos votos a favor de um grupo de dissidentes da bancada social-democrata, que se somaram aos do CDS.
"No caso do Orçamento, após uma primeira reprovação da proposta governamental, a Assembleia da República acabou por aprová-lo com tais emendas que ele resultou desfigurado, bem diverso da proposta do Governo, com um défice corrente muito elevado que agravará ainda mais os sacrifícios que no futuro esperam os portugueses", declarou Mota Pinto, ao apresentar a sua demissão.
O primeiro-ministro acusou PS e PCP de darem as mãos na Assembleia da República contra "importantes diplomas" do Governo, "entravando a sua ação e procurando substituir-se-lhe na área da sua competência, para além de anunciar iniciativas, como a inaceitável alteração da Lei de Bases da Reforma Agrária".
Nos debates orçamentais realizados durante o mês de março, final de maio e início de junho de 1979 participaram, entre outros, Ângelo Correia, pelo PSD, António Guterres, pelo PS, e o atual secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, consta das atas a aplaudir a posição do seu partido contra a política económica e financeira do IV Governo, ainda marcada pelo acordo anteriormente assinado com o Fundo Monetário Internacional (FMI).
Passado mais de um mês desde a demissão de Mota Pinto, em 13 de julho de 1979 o Presidente da República comunicou ao país a dissolução do parlamento: "Portugueses, tendo levado tão longe quanto possível as consultas e diligências, e depois de ouvido o Conselho da Revolução, nos termos constitucionais, tomei a decisão que, perante as últimas circunstâncias, considero menos gravosa para o país na presente crise política: será dissolvida a Assembleia da República e haverá eleições legislativas intercalares".
Antes da dissolução, contudo, Ramalho Eanes constituiu um novo Governo de iniciativa presidencial, chefiado por Maria de Lourdes Pintasilgo, que desse "garantias de independência e neutralidade durante o período que mediará até às eleições legislativas" -- que só marcou dois meses depois, para 02 de dezembro de 1979, quando concretizou a dissolução do parlamento, "precedendo parecer favorável do Conselho da Revolução", lê-se no decreto de 11 de setembro.
Mário Soares, que liderava o PS, o partido mais votado nas legislativas de 25 de Abril de 1976, e tinha chefiado na I Legislatura os dois primeiros governos constitucionais, opôs-se à decisão de Eanes: "É de todos conhecido o facto de nesta Assembleia existir uma larga maioria contrária à sua dissolução. Mas, não obstante isso, o Presidente da República, a nosso ver atendendo a pressões da direita, veio a optar pela dissolução da Assembleia da República".
Soares tinha proposto a Eanes uma solução maioritária do PS com deputados dissidentes do PSD que constituíram a Ação Social-Democrata Independente (ASDI), que o Presidente da República recusou.
Das legislativas intercalares de 02 de dezembro de 1979 saiu vitoriosa a coligação pré-eleitoral Aliança Democrática (AD) composta por PSD, CDS e PPM, que conseguiu maioria absoluta na nova composição do parlamento, que só durou um ano, completando a I Legislatura, nos termos na altura previstos na Constituição.
Há uma semana, em 27 de outubro, houve pela segunda vez na história da democracia portuguesa um chumbo do Orçamento do Estado, no caso, para 2022, igualmente logo na generalidade, com votos contra de PSD, BE, PCP, CDS-PP, PEV, Chega e Iniciativa Liberal.
A proposta apresentada pelo Governo minoritário do PS teve votos a favor apenas dos socialistas e abstenções do PAN e das deputadas não inscritas Cristina Rodrigues e Joacine Katar Moreira.
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, tinha avisado, duas semanas antes, que se o Orçamento fosse rejeitado haveria provavelmente dissolução do parlamento e eleições legislativas antecipadas, que estimou que se realizariam em janeiro.
À medida que um cenário de chumbo se tornava quase certo, o chefe de Estado deixou claro avançaria de imediato com o processo de dissolução do parlamento, embora reiterando ao mesmo tempo, uma mensagem de esperança num entendimento "até ao último segundo" antes da votação na generalidade.
Confrontado com a disponibilidade do primeiro-ministro, António Costa, para se manter em funções mesmo sem Orçamento aprovado, Marcelo Rebelo de Sousa considerou bom "o Governo continuar em funções e não se demitir", porque "se se demitisse agravava a situação crítica".
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