Génese de PS e PPD remonta a 1964. Disputa deu origem a dois partidos
A génese do PS e do PPD remonta a 1964 com os fundadores dos dois partidos a partilharem o mesmo espaço político, mas a disputa do campo social-democrata a partir dessa altura viria a dar origem a dois partidos.
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Política Historiador
Esta tese é defendida pelo historiador Luís Farinha, autor do livro "Emídio Guerreiro - Sob o Despotismo da Liberdade", que será lançado em janeiro, em conversa com a agência Lusa.
"Tudo se passa em 1964. Eu diria que o PPD e o PS estão em formação a partir de 1964. A partir desta altura, a oposição procura claramente uma solução não comunista no campo social democrata, aliando figuras do interior e do exterior, sendo que a situação é disputada por dois campos: por Ramos da Costa e Mário Soares, através da Ação Socialista Portuguesa, e pelo campo dos liberais do norte de Portugal, "delgadistas" e Emídio Guerreiro", sustentou.
Para o historiador, a "génese de 1964" ajuda a compreender a atual situação partidária portuguesa posterior ao 25 de Abril, sobretudo dos partidos de direita.
Numa edição da Assembleia da República, o livro traça a biografia política do antigo fundador do PPD Emídio Guerreiro (1899-2005), figura singular da vida política portuguesa, republicano, antifascista, combatente na Guerra Civil Espanhola (1936-1939) e na Resistência Francesa durante a II Guerra Mundial (1939-1945).
A investigação aprofunda a ligação com Humberto Delgado, os 42 anos de exílio em Paris, a formação da Liga de Unidade e Ação Revolucionária (LUAR) e o período em que Emídio Guerreiro foi secretário-geral do PPD entre maio e setembro de 1975.
Na conversa com a Lusa, Luís Farinha recorda que nos anos 1960 a oposição desagrega-se, após as divergências políticas no seio da Frente Patriótica de Libertação Nacional, durante a conferência de Argel, em que participou Humberto Delgado.
"Não é por acaso que os grupos se separam no mesmo ano da conferência de Argel, os socialistas ficam em Genebra; os comunistas em Argel e no interior de Portugal e o grupo do Norte (Portugal) com os "delgadistas" e Emídio Guerreiro, "bem diferenciados", mas em formação a partir desse momento", explica.
Para o historiador, em 1964, Emídio Guerreiro ainda pensava ser a figura alternativa do campo socialista e social-democrata, apesar da idade avançada, mas "obviamente" é Mário Soares que o vai conseguir, porque circulava entre o exterior e o interior e porque era mais jovem.
"A razão pela qual Emídio Guerreio não vai para o PS em 1974 é porque no Partido Socialista estão as pessoas que se opuseram a ele e a Delgado e que se vão opor a ele no caso da LUAR, mas que ironicamente corporizam a mesma opção política que ele idealizava: o socialismo humanista, democrático e fora do campo comunista", acrescenta.
O investigador acrescenta que "na segunda metade dos anos 1960, o dissídio em Paris por causa da LUAR vai acentuar ainda mais outra disputa". "Emídio Guerreiro diz em correspondência: 'eu tive o Mário Soares e o Tito de Morais em casa, convidaram-me para aderir à ASP, mas eu não tenho ambições políticas'. Não é verdade, tinha ambições políticas como se viu quando chegou a Portugal após o 25 de Abril", frisa Farinha, recordando a fundação do então PPD (hoje PPD-PSD) com Sá Carneiro e Pinto Balsemão.
Deste modo, Luís Farinha conclui que foi uma clara disputa de ocupação do campo social-democrata que gerou a existência dos dois partidos "social-democratas", verificando-se uma ligação "forte" entre Emídio Guerreiro e o núcleo democrata do Norte durante o exílio que podem explicar os dois partidos: PS e PPD.
"O núcleo do norte divide-se porque simplesmente, nas vésperas do 25 de Abril muitos dos 'homens do norte' que poderiam ter aderido ao Partido Socialista consideram que o PS é demasiado "avançado" e que pode paralisar a economia por excessiva nacionalização e porque o programa político o aproximava muito do PCP", destaca o autor da investigação.
"Homens como Santos Silva apoiaram a ala liberal de Sá Carneiro porque achavam que essa era uma possibilidade de mudança. Este grupo não aceitava o caminho 'marxizante' que o PS tem no início (1973). O banqueiro Artur Santos Silva chegou a dizer a Mário Soares para rever o programa do Partido Socialista, avisando-o de que não se tratava de um programa social-democrata e que se aproximava do socialismo revolucionário", revela o historiador.
"O filho de Santos Silva contou-me que o pai, depois dos avisos a Mário Soares, disse :'como éramos todos amigos aqui do Norte chamamos o Sá Carneiro e dissemos que tínhamos de constituir aqui um partido verdadeiramente social-democrata. É só por isso que se separam. É por isso que se forma o PPD", destaca Luís Farinha sobre a formação do Partido Popular Democrático.
A razão pela qual Emídio Guerreiro não adere ao PS é a mesma, acrescentando-se ainda as divergências por causa da LUAR, acrescentou.
"Se for perguntar a este grupo do norte o que fez Mário Soares em Paris nos anos de 1960, eles dir-lhe-ão: 'Nada'. Tinha boas relações com os alemães. Na verdade Soares era mais novo e tinha boas relações no interior e no exterior", refere.
Mas a situação torna-se "ainda mais curiosa" em 1975 porque, quando Sá Carneiro se afasta da liderança do partido porque tinha "dificuldades enormes" em agregar os social-democratas e os liberais, é Emídio Guerreiro que toma conta do PPD.
Assim, todas as decisões do partido no "Verão Quente" são decisões de Emídio Guerreiro e dos "amigos do norte": o apoio aos IV, V e VI Governos Provisórios ou ao Grupo dos Nove.
"A seguir aconteceu o inevitável. Com a contestação trazida pelo 25 de Novembro, Sá Carneiro tem força para voltar e volta com o apoio das bases", recorda Luís Farinha.
A partir do Congresso de 1975 em Aveiro, Emídio Guerreiro sai do PPD, mas mantém-se no parlamento com o apoio de outros 40 deputados independentes.
"Nessa altura ele diz: 'eu não sou do PPD e muito menos serei do PSD, esse partido que surgiu em outubro de 1976, desse é que não sou de modo nenhum. Eu pertenci a um partido que era social-democrata, que permitia a liberdade, a discussão, que não tinha receio de falar das raízes marxistas da social-democracia e que não tinha pejo em dizer que tinha havido fascismo em Portugal e que tinha no seu seio muitos antifascistas'", relata.
"Na Assembleia da República faz um discurso único da história parlamentar portuguesa - contra Sá Carneiro. Um discurso como no século XIX", diz Farinha, referindo-se ao discurso de 10 de janeiro de 1976 contra Sá Carneiro e defendendo a Revolução e a existência "democrática" do PCP.
A partir dessa altura muitos formam a Ação Social Democrata Independente (ASDI) ou filiam-se no Partido Socialista, sendo que Guerreiro "passa o resto da vida" a deplorar a existência de dois partidos social-democratas.
"Esta questão da criação de dois partidos de igual natureza e que disputam campos semelhantes (PS e PPD) - que depois se afastam - mostra , de facto, a complexidade do processo político partidário português. Era natural que tivesse-mos um partido de direita com uma pujança maior no CDS e que essas pessoas não estivessem localizadas no PSD", conclui Luís Farinha.
"É um equívoco não haver uma direita organizada, mas a História portuguesa foi feita destes equívocos e este partido (CDS) já não consegue agregar todas as direitas. Tudo começou no 25 de abril, uma certa 'italianização' da direita, liberal e democrata-cristã, e que foi absorvida por um partido híbrido que é o PSD", sublinha.
O historiador Luís Farinha, investigador do Instituto de História Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e antigo diretor do Museu do Aljube Resistência e Liberdade. O livro "Emídio Guerreiro - Sob o Despotismo da Liberdade" (Coleção Parlamento / Assembleia da República), 359 páginas, incluiu fotografias e deve ser lançado em Lisboa e Guimarães no próximo mês de janeiro.
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