Marcelo Rebelo de Sousa foi o último a discursar na apresentação do livro de Eduardo Ferro Rodrigues "Assim Vejo a Minha Vida -- Memórias", no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, perante uma plateia de amigos e "camaradas de luta" do ex-presidente da Assembleia da República.
"Mas isso é a minha sina há cerca de oito anos: sempre rodeado dos camaradas de luta dos outros. E pelos vistos pode chegar a dez [anos]", observou o chefe de Estado, provocando risos na sala, onde estava também o primeiro-ministro e secretário-geral do PS, António Costa, na primeira fila.
Na sua intervenção, o Presidente da República deixou a política de lado, para se centrar na amizade que, defendeu, "é mais importante do que tudo o resto" na vida.
"O meu caso é muito estranho, porque somos amigos, e amigos íntimos, desde os meus 70 anos de idade. Não é vulgar", salientou.
O chefe de Estado referiu que esteve várias vezes em desacordo com o ex-presidente da Assembleia da República, embora durante a coabitação entre órgãos de soberania até tenham concordado mais do que tinha antecipado.
"Mais importante do que alinhar-se, não se alinhar, concordar, discordar, é realmente a amizade, e para mim é uma grande honra que Eduardo Ferro Rodrigues seja meu amigo. Obrigado", acrescentou.
Marcelo Rebelo de Sousa assumiu a chefia do Estado em 2016, enquanto Ferro Rodrigues presidiu à Assembleia da República entre 2015 e 2022, tendo apoiado a sua recandidatura nas eleições presidenciais de janeiro de 2021.
Segundo o Presidente da República, no convívio institucional estabeleceu-se "uma empatia, que foi crescendo", e a amizade começou exatamente "no dia 19 de março de 2018", quando o antigo secretário-geral do PS lhe contou que tinha um problema de saúde grave.
Nessa noite, depois de participarem numa iniciativa da Federação Portuguesa de Futebol, com o primeiro-ministro, jantaram os três, mais a mulher de Ferro Rodrigues, Filomena, até de madrugada, relatou.
"Nasceu uma amizade muito profunda. A dor provoca isso", disse Marcelo Rebelo de Sousa.
Durante a "longa convalescença" de Ferro Rodrigues, o chefe de Estado testemunhou a sua "capacidade de resistência" e verificou que "é uma pessoa que na dúvida é pessimista".
"O oposto de outro nosso amigo e conhecido", notou, numa alusão a António Costa, a quem já apelidou de "otimista irritante".
O Presidente da República descreveu Ferro Rodrigues como "um homem bom" e "muito íntegro, de uma integridade militante", que "gosta de ter uma fachada na luta pelos ideais", mostrando-se aí "mais duro", mas "é um doce".
"É para mim um grande prazer e uma grande honra poder estar aqui a dizer isso", declarou.
Na sua opinião, Ferro Rodrigues, após o afastamento da política ativa, "está muito crítico, está muito solto", parece estar "a voltar ao líder estudantil de Económicas".
Marcelo Rebelo de Sousa afirmou que isso o faz sentir-se "ainda mais conservador" do que é, "embora sempre rodeado de progressistas, mas não aprendendo suficientemente a lição do progressismo".
Nesta sessão, o Presidente da República, que está quase com 75 anos, reiterou que é "militantemente contra a escrita de memórias".
Eduardo Ferro Rodrigues foi eleito presidente da Assembleia da República há precisamente oito anos, em 23 de outubro de 2015, cargo para o qual foi reeleito em 2019 e que exerceu até março de 2022, quando terminou a anterior legislatura.
Em abril de 2022, foi condecorado pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, com a grã-cruz da Ordem Militar de Cristo.
Economista, licenciado pelo Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras, a cuja Associação de Estudantes presidiu, Ferro Rodrigues foi fundador do Movimento de Esquerda Socialista (MES), a seguir ao 25 de Abril de 1974, e aderiu ao PS em 1988.
Foi ministro do Trabalho e Solidariedade e do Equipamento Social nos governos chefiados por António Guterres, entre 1995 e 2002, e depois secretário-geral do PS, entre 2002 e 2004, e presidente do grupo parlamentar do PS, entre 2014 e 2015.
Entre 2005 e 2011 foi embaixador de Portugal na Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económicos (OCDE).
Além do primeiro-ministro, estiveram nesta sessão os ministros Fernando Medina, Mariana Vieira da Silva, Pedro Adão e Silva, Ana Catarina Mendes e José Luís Carneiro e figuras do PS como José António Vieira da Silva -- a quem coube uma das intervenções --, João Cravinho, José Vera Jardim, Alberto Martins, Jorge Lacão, Ana Gomes.
Marcaram também presença, entre outros, o antigo diretor-geral da Saúde Francisco George, o historiador e antigo dirigente do PSD José Pacheco Pereira, a campeã olímpica Rosa Mota, o presidente da associação 25 de Abril, Vasco Lourenço, e António Filipe, do PCP.
[Notícia atualizada às 21h46]
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