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"Decisão de Santana é compreensível. PSD tem um desafio difícil"

Bagão Félix é o entrevistado desta semana do Vozes ao Minuto. Leia a segunda parte da entrevista concedida ao Notícias ao Minuto.

"Decisão de Santana é compreensível. PSD tem um desafio difícil"
Notícias ao Minuto

06/12/16 por Goreti Pera

Política Bagão Félix

Estava em Nice no momento do atentado que matou 84 pessoas e acredita que Deus lhe deu “uma nova oportunidade”. Bagão Félix encara com preocupação os movimentos terroristas na Europa e admite, a propósito da eleição de Donald Trump para a presidência dos EUA, que “as pessoas estão desesperadas e fartas da rotina”.

Em entrevista ao Notícias ao Minuto, o antigo ministro das Finanças lança um olhar sobre a presidência da Câmara Municipal de Lisboa e diz ver Assunção Cristas como “uma mulher jovem, com garra e inteligentíssima”.

Pouco tempo depois de se tornar líder do CDS, Assunção Cristas anunciou a candidatura à Câmara de Lisboa. Acha que é uma decisão precipitada para alguém que assumiu há pouco tempo um novo cargo?

Acho que, apesar de tudo, ela fez bem. É uma mulher jovem, com garra e inteligentíssima. Candidatar-se no próximo ano à Câmara Municipal (CM) de Lisboa dá-lhe uma visibilidade na qual ela ainda tem de investir muito. E não tem muito a perder, porque o termo de comparação será Paulo Portas que, quando se candidatou, teve um resultado relativamente modesto. A sua candidatura terá provavelmente condicionado um bocadinho a estratégia do PSD. São amigos, mas são partidos diferentes.

É percetível um afastamento do CDS em relação ao PSD…

Passou de um enamoramento para uma amizade. Não são adversários e muito menos inimigos. Passos Coelho elogiou recentemente a coragem e aplaudiu a opção de Assunção Cristas de se candidatar à CM de Lisboa. Uma coisa são os diretórios dos partidos, outra são as bases. E as bases do CDS e do PSD não são muito distintas. Se houvesse um só partido não estaríamos pior.

Estranhou que o PSD não tivesse apoiado Assunção Cristas?

Não, não faria qualquer sentido que o fizesse. É provável e desejável que o PSD tenha um candidato. Não sei. Eu pessoalmente gosto do atual presidente da Câmara, Fernando Medina (PS). Acho-o um jovem talentoso, inovador, muito sereno, elegante a fazer política e acho que é um sério candidato se, como é expectável, se recandidatar.

Acho perfeitamente compreensível a decisão de Santana Lopes. O regresso a uma função que já se exerceu nunca é a mesma coisa

Considera que a decisão de Santana Lopes, de não se candidatar à Câmara de Lisboa, foi a mais acertada?

Não sei, acho que é uma decisão exclusivamente pessoal e que eu respeito. Não sei qual é a razão, mas acho-a perfeitamente compreensível. Por um lado, ele está a fazer um excelente trabalho na Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. E, por outro, há um princípio que eu sigo: nunca voltar a um sítio onde já estive, porque não desperta a mesma motivação. E em política é fundamental estar motivado a 100% para aquilo a que uma pessoa se candidata. O regresso a uma função que já se exerceu nunca é a mesma coisa.

O passo que lhe falta é uma candidatura à Presidência da República.

Mas para isso tem de esperar nove anos. Marcelo é indiscutivelmente Presidente durante os próximos nove anos.

Que nome vislumbra, neste momento, para se poder vir a candidatar pelo PSD?

Não faço ideia. É um desafio difícil. Não vai ser fácil bater o atual presidente da Câmara, que tem feito um excelente trabalho. Mas não é impossível.

Sendo o PSD um dos maiores partidos nacionais, é inevitável que avance com um candidato?

A mim parece-me quase obrigatório que um grande partido como o PSD tenha um candidato à primeira câmara do país.

Durão Barroso não deveria ter aceitado convite para a Goldman Sachs

António Guterres e Durão Barroso são dois portugueses em cargos de destaque lá fora, mas que geram sentimentos diferentes à maioria dos portugueses. Que leitura faz dos seus percursos e da sua ascensão?

Durão Barroso era um bom primeiro-ministro quando eu era ministro da Segurança Social e do Trabalho. Na altura apoiei a sua passagem para presidente da Comissão Europeia, porque é uma oportunidade que passa por Portugal a cada 100 ou 200. Mas a sua saída para a Goldman Sachs é que me parece... Voltamos à questão entre o legal e o ético. Ir para uma entidade que ajudou a aldrabar as contas da Grécia e outros truques financeiros para evitar danos da política orçamental europeia deveria levar uma pessoa a ser mais prudente na aceitação do convite. Não o deveria ter aceitado.

Quanto a António Guterres, estou felicíssimo. É uma pessoa de grande gabarito e caráter, com uma grande capacidade negocial e de empatia, poliglota como há poucos. Portugal deve estar muito orgulhoso de tê-lo como secretário-geral das Nações Unidas. Acho que vai fazer um excelente trabalho, apesar de todas as dificuldades que a política internacional comporta. Além disso, temos algo em comum que me agrada: somos ambos católicos.

O que separa a vida da morte é um fio. Eu sou católico e penso que Deus me deu uma nova oportunidade

Estava em Nice momentos antes do ataque terrorista que matou 84 pessoas. A Europa tem sabido reagir à vaga de terrorismo por que está a ser assolada?

É uma pergunta para a qual não há resposta. Nós só conhecemos a ponta do iceberg. Interrogo-me sobre quantos ataques terroristas serão evitados por cada um que se concretiza. Parece que são muitos. Mas essa é a parte não visível do problema. Infelizmente, creio que o terrorismo é cada vez um elemento mais presente no mundo de hoje. Temos de viver com esta realidade, que provoca problemas civilizacionais e grandes debates entre a ideia da segurança e da liberdade. Apesar de tudo, creio que melhorou o sistema de vigilância e prevenção.

Hoje a principal arma dos grupos terroristas é o terrorista não ter medo de morrer. Há uma zona que nunca será completamente controlável. Em Nice, fui jantar com a minha mulher e fomos ver o fogo de artifício. Cerca de oito a 10 minutos antes eu estava no local onde começaram a morrer pessoas. Só não estava lá porque a minha mulher começou a ter frio e fomos andando para o hotel. O que separa a vida da morte é um fio. Eu sou católico e penso que Deus me deu uma nova oportunidade. 

Olhemos para o resultado das eleições presidenciais nos EUA. Como explica que alguém como Donald Trump, sem um percurso na política e com posições tão polémicas em relação a temas fulcrais, tenha chegado onde chegou?

As pessoas estão desesperadas. É isso que justifica a situação na Hungria, que justificou o Brexit, o sucesso de Marine Le Pen em França, o sucesso de Tsipras na Grécia. Vivemos num tempo em que as pessoas estão fartas da normalidade da rotina e anseiam por quebrar a rotina, mesmo que seja por más razões. E Donald Trump personifica essa loucura. Eu, se fosse norte-americano, não teria conseguido votar.

Entre a forma como Trump se apresentou e o que vai fazer pode haver uma diferença grande

Preocupa-o esta eleição para o cargo de presidente dos EUA?

Depende. Acho que entre a forma como se apresentou e o que vai fazer pode haver uma diferença grande, porque há um choque com a realidade. E isso leva a uma ponderação de fatores que torna as decisões aparentemente mais racionais. O primado de uma campanha é a emoção, o primado de uma governação tem de ser a razão. De resto, foi a democracia a funcionar.

Alguém como Donald Trump teria alguma hipótese de disputar eleições em Portugal?

Não. Em primeiro lugar por dinheiro e depois porque a América são mais de 50 Estados, cada um diferente do outro. Além disso, o povo português é muito conservador no âmbito político-partidário. Os fenómenos extremistas que se deram na Europa nos últimos anos não se concretizaram em Portugal, mesmo com a chegada da troika.

Teme que a instabilidade política gerada pela vitória do ‘não’ no referendo em Itália possa contagiar a União Europeia?

Em primeiro lugar, houve um erro tático do primeiro-ministro italiano. Matteo Renzi disse que se demitiria se o 'não' vencesse e, portanto, transformou o referendo numa espécie de pré-eleições gerais. Muita gente não votou na matéria do referendo, mas na saída dele. É pena porque alguns aspetos tinham importância do ponto de vista da eficiência democrática. Itália está neste momento com o primeiro-ministro em gestão e esse vácuo tende a ser preenchido por forças políticas relativamente exóticas, como o Movimento 5 Estrelas. É mais um fator de grande imprevisibilidade.

Este resultado denota que os países da Europa estão zangados com o projeto europeu, a globalização e a exclusão. Isso leva a esta escolha fatal. Um filósofo francês dizia que tinha mais medo do que é conhecido do que daquilo que é desconhecido. O voto nos Estados Unidos, em Itália, França e Holanda, por exemplo, tem em conta esta ideia. As pessoas estão tão desesperadas por diferentes motivos que preferem um salto para o desconhecido do que o que é conhecido e não resolveu os seus problemas. Esta Europa é uma Europa sem alma, tecnocrática, despersonalizada, que não atende às pessoas. Evidentemente que água mole em pedra dura tanto bate até que fura.

Pode ler a primeira parte desta entrevista aqui.

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