Mendo Henriques foi reeleito presidente do Nós, Cidadãos!, partido fundado há três anos, numa altura em que troika e austeridade eram denominadores mais do que comuns no país. Desde então, houve “pequenas melhorias”, mas as “grandes ameaças” continuam, analisa Mendo Henriques em entrevista ao Notícias ao Minuto.
De acordo com a sua visão, os indicadores económicos, todos eles agora positivos, “não contam a verdade toda”. Sobre o Nós, Cidadãos!, que está já de olhos postos nas próximas eleições, Mendo Henriques sublinha que o eixo principal é reformar aquilo que dá força à democracia: a participação cívica e a proximidade às pessoas”, sem nunca desligar a realidade política portuguesa da tendência a nível europeu.
Quanto ao programa, refere que está a ser afinado, com base em “três ingredientes”: a social-democracia, o liberalismo social e a democracia cristã. São estes os ingredientes que vão permitir o partido apresentar “propostas inovadoras” em prol do bem comum.
O Nós, Cidadãos! não afasta a possibilidade de se coligar, no futuro, com qualquer que seja o partido, da Direita à Esquerda, e lamenta que a comunicação social dê voz, maioritariamente, às grandes forças políticas, PS e PSD. “O resto é mais ou menos paisagem”, crítica.
Na calha está, avança, a criação de um movimento jovem de cidadãos. “Não é uma jota”, assevera, garantindo que a idade não é uma condição nesta plataforma, havendo, inclusive, sexagenários a colaborar na causa.
Acaba de ser reeleito presidente do Nós, Cidadãos! com 90% dos votos. Já começaram a discutir a estratégia para as próximas eleições, europeias e legislativas?
O Congresso recente, que foi a 24 e 25 de fevereiro, foi um momento de renovação do Nós, Cidadãos!. Atingimos o nosso terceiro ano de existência e, com as eleições legislativas de há quase três anos, criámos uma marca política que foi fazendo o seu caminho. Tanto assim que nestas eleições mais recentes, as autárquicas, conseguimos concorrer de uma forma direta em 13 concelhos, unindo a nossa voz a movimentos de cidadãos. O que se sucedeu foi que esses movimentos de cidadãos, de uma forma natural, encontraram no nosso partido uma plataforma para se integrarem e foi com a integração desses elementos que se fez a renovação neste Congresso. O Nós, Cidadãos! ganhou um balanço mantendo cerca de metade dos seus quadros e renovando outra metade.
Quais são então os principais objetivos de agora em diante do Nós, Cidadãos!, depois dessa tal renovação?
Gostaria de fazer um enquadramento. Repare que estamos a viver, neste momento, em toda a Europa o que alguns lhe chamam um momento populista, que é mais do que evidente nos resultados eleitorais, na Itália, na Holanda, na França, na Áustria. Têm surgido sinais de aquilo a que os estudiosos chamam o descongelamento do sistema partidário, que tem aspetos positivos e que tem aspetos negativos. O sistema partidário está a descongelar por insatisfação das próprias pessoas que não se sentem reconhecidas nos partidos tradicionais, que sentem que a sua voz conta muito pouco perante os grandes grupos económicos as suas correias de transmissão no poder político. Sentem-se também inquietas com a morosidade da justiça, embora em Portugal haja sinais encorajadores de que a justiça está muito mais operativa.
E, finalmente, embora em Portugal não se faça sentir tanto, há uma preocupação com uma sociedade multicultural ou mesmo multiétnica que não tenha valores comuns. O problema não está em existirem várias culturas e várias etnias, está em que não haja um cimento, uma comunidade de valores que todos aceitam e que depois se separam culturalmente. Em Portugal, a nossa emigração vem, na maior parte, dos países lusófonos, que já tem uma base. Por isso é que não temos o mesmo género de problemas que noutros países estão completamente à vista e que levam ao tal lado mau do populismo e ao descongelamento do sistema partidário.
Voltemos ao Nós, Cidadãos!
Esta questão do descongelamento do sistema partidário é o que explica a razão pela qual o Nós, Cidadãos! vai crescer. Não estou a dizer por uma razão teórica, estou a dizer porque tem a ver com o nosso futuro.
Há cerca de 40 anos que existem as críticas de que os sistemas partidários e os congressos não eram uma verdadeira expressão, de que os militantes não tinham voz perante as hierarquias, que as campanhas eram organizadas por agências e não pelos próprios militantes. Há 20 anos surgiram também as críticas do que se chama o sistema de cartel. Essa crítica foi aplicada aos sistemas partidários europeus por vários estudiosos que disseram que em todos os países europeus há uma espécie de cartel entre dois grandes partidos que se organizaram para pôr fora todos os outros. A oscilação entre Centro – Direita e Centro-Esquerda. O PS e o PSD em Portugal eram típicos disso. E o que aconteceu depois da crise de 2008 é que o sistema partidário que estava com grandes sinais de crise, congelado, descongelou. Só que descongelou em cada país europeu à sua maneira.
Nos resultados de outubro, os movimentos de cidadãos aparecem com um conjunto de vitórias de 16 câmaras e cerca de 250 freguesias. Concorreram a 73 municípios e ganharam 16. Isto significa que, as pessoas que estão descontentes com o funcionamento dos partidos tradicionais têm dois caminhos: um leva-os, e isso nós não queremos, ao desdém face ao próprio sistema democrático que é o que está a acontecer com a extrema-direita europeia. Não só estão desagradados como começam desdenhar a democracia. Isso é um elemento perigoso que iremos contrariar na nossa ação pública. Mas, como sabe, tem como expressão internacional mais grave a eleição de Donald Trump, mas que corresponde a um padrão dos totalitarismos de Putin na Rússia, de Erdogran na Turquia, e podíamos continuar os exemplos.
Para nós, o mais importante neste momento é reformar a base, o que dá força moral à democracia: a participação cívica e a proximidade às pessoas
E em Portugal...
Em Portugal, achamos que esse descontentamento com o sistema partidário e depois com os males que não são diretamente enfrentados não pode ser só atalhado com programas eleitorais e com aspetos formais da democracia, como seja, por exemplo, a reforma do sistema político ou a procura de novas formas na relação com Bruxelas. Para nós, o mais importante neste momento é reformar a base, o que dá força moral à democracia: a participação cívica e a proximidade às pessoas. Temos um nome que não é por acaso. Temos um nome que é um programa. Queremos proximidade às pessoas.
Em termos práticos o que é que se está a fazer?
Estamos a falar com todos os movimentos de cidadãos, um por um. Conhecimento próximo, conhecimento local, e é por aí que vamos crescer.
O Nós, Cidadãos! pretende agregar então, por assim dizer, todos os movimentos de cidadãos que se identifiquem?
Pretende é demais. É mais fácil dizer que pretendemos ouvir. Porque muitos deles não estão interessados, têm apenas objetivos locais e, portanto, não estão interessados em ter uma plataforma nacional. Mas pretendemos ouvir todos, alguns talvez não nos queiram ouvir a nós, são coisas diferentes. Estamos a fazer esse caminho e a crescer, porque isso corresponde ao tal descongelamento do sistema partidário e à criação de forças alternativas.
Referiu recentemente que a “falta de meios” impediu o partido de, nas últimas autárquicas, chegar a mais sítios. A falta de meios é sempre uma barreira quase intransponível para os pequenos partidos sem representação parlamentar?
A falta de meios é um problema para os partidos emergentes porque não têm grupos/interesses económicos poderosos por trás de uma forma que os possam apoiar. Creio que a forma de contornar é a dedicação e o trabalho dos filiados e dos simpatizantes, disso não há qualquer dúvida. Mas há meios mínimos que são necessários. Porque a política faz-se com imagem e a imagem tem de ser comunicada e a comunicação tem que seguir certos canais, tem que ser repetida e consistente. Estamos convictos de que transmitimos uma imagem positiva, não só nos nossos símbolos mas também nas nossas fórmulas, mas sabemos que ainda chegamos a pouca gente. Uma boa parte do país não conhece ainda o que é o Nós, Cidadãos! ou, se conhece a imagem, não identifica a mensagem.
E como pensa o Nós, Cidadãos resolver esse problema?
Deste Congresso resultaram duas resoluções. Uma, que já está em marcha, que é ativar o movimento jovem, uma plataforma de jovens cidadãos.
Uma jota?
Não é uma jota. Isto é, não está restrito ou condicionado pela idade. Temos pessoas que estão a colaborar e que são sexagenárias, mas que estão interessadas na questão dos jovens. Não é uma jota mas é maioritariamente composta por jovens, rapazes e raparigas, da faixa dos 16-18 anos até aos 30 anos. Uns estudantes, a maior parte em situação de primeiro emprego na precariedade, muitos qualificados, mas que sentem, como todos os jovens, o desfasamento entre a sua qualificação e a sua prestação social. Isso para nós é muito importante porque o descongelamento do sistema partidário vai ter de mobilizar a juventude que todas as sondagens dizem que é o setor mais abstencionista.
Os jovens dão a democracia como adquirida e garantida. Pela razão simples que nunca viveram outra realidadeE com reduzida participação cívica. Tem notado isso no contacto que tem com os jovens?
Nota-se porque os jovens dão a democracia como adquirida e garantida. Pela razão simples que nunca viveram outra realidade. As pessoas que têm 20, 30 e até 40 anos, nunca viveram nada se não a democracia, parece adquirido. Estão muito mais sensíveis às fraquezas da democracia, do que ao seu valor perante um regime autoritário. A tendência é não participar. Os jovens cidadãos tem memória e, por outro lado, tem futuro sobre tudo. Sabem que a democracia não pode ser dada por adquirida. A democracia resulta do esforço, do suor, felizmente não do sangue no caso português. Os nossos direitos nascem sempre dos nossos esforços, não caem do céu. Estes jovens sabem isso e estão a lutar pelos direitos dos portugueses em geral e pelos deles em particular, que veem negados através da precariedade, que é a maior ameaça à juventude em Portugal.
De um modo geral, quais são então as principais linhas orientadoras do Nós, Cidadãos!?
O nosso programa foi elaborado numa altura em que predominava a troika. Neste momento, como todos os programas partidários, está em revisão, o que é bom sinal, quer dizer que estamos vivos.
A austeridade forçada que era imposta pela troika mudou de sinal mas não mudou completamente de sentido
Essa revisão vai em que sentido?
A austeridade forçada que era imposta pela troika mudou de sinal mas não mudou completamente de sentido. Ou seja, há sinais encorajantes de menor austeridade, mas a carga fiscal sobre os portugueses sabemos que é praticamente idêntica, à exceção do IVA na restauração, o resto são pequenas mudanças que deram, contudo, um sinal encorajador à população. Porquê? Porque a política faz-se de imagem e de promessas.
O nosso programa está a ser remodelado no sentido em que estamos num ambiente em que, aparentemente tudo corre melhor, mas realmente as ameaças permanecem. O desemprego, por exemplo. Os números oficiais são encorajadores, 7,9%. Mas, estão a surgir indicadores que mostram que o desemprego real pode ser de 17,5%.
Queremos mais trabalho, não. Queremos mais trabalho digno, não é um trabalho qualquer. Queremos mais crescimento, sim, mas inclusivo
Todos os indicadores económicos deste Governo têm sido, de facto, positivos: do desemprego ao crescimento económico.
Estamos conscientes disso. O que nós achamos é que esses indicadores económicos não contam a verdade toda. O PIB, como disse um famoso político, mede tudo menos o que interessa para a vida humana. Um exemplo muito simples: se se começarem a vender muitos mais fármacos, o PIB cresce por causa da produção desses fármacos. Mas se se vendem mais, significa que estamos mal [risos].
Onde é que nós queremos chegar? Não vale a pena fazer reivindicações económicas puras, do género ‘queremos mais trabalho’, ‘queremos mais salário’. Queremos mais trabalho, não. Queremos mais trabalho digno, não é um trabalho qualquer. Queremos mais crescimento, sim, mas inclusivo. Crescer só por crescer não é solução e muitas vezes é induzido artificialmente. Queremos mais salário, sim, mas talvez fosse mais interessante alterar a estrutura dos impostos. O que nós podemos dizer, e isso tem a ver com a mensagem do Nós, Cidadãos! é que a democracia não depende só de promessas eleitorais, sobretudo de teor económico, a democracia tem que ter também uma promessa cívica ou moral que a qualidade de vida das pessoas vai melhorar.
E é isso que o Nós, Cidadãos acrescenta ao panorama político nacional?
É. O nosso princípio mais importante é pelo bem comum. E o bem comum significa que queremos melhorar individual mas também coletivamente. Há uma certa tendência, simplificando muito, dos partidos mais à Direita de pensar só no bem individual, são mais individualistas ou liberais. Há uma certa tendência dos partidos de Esquerda em pensar mais no coletivo e, portanto, o indivíduo é sacrificado ao coletivo. Ora, nós achamos que é completamente impossível que haja bem do indivíduo contra o coletivo e vice-versa.
O bem tem de ser de ambos e por isso é que é um bem comum. Achamos que está a crescer esta ideia e que tem de se alimentar de correntes e doutrinas que estão aí, por exemplo, do que se chama a social-democracia (mas onde é que ela é debatida hoje em dia?) ou do liberalismo social (mas quem é que quer ouvir falar disso?), e mesmo a doutrina social da Igreja, que não é preciso ter um lado confessional, mas que sempre teve a defesa destes aspetos. Só que, por pressão dos grandes media, submetidos a grupos económicos, não há uma narrativa conjunta para estas ideias da social-democracia e do liberalismo social. O que se ouve é só as mensagens tradicionais. No caso português, aposta-se nos partidos que têm viabilidade, PS ou PSD, o resto é mais ou menos paisagem.
É uma crítica à comunicação social?
Não, não é. É uma crítica talvez ao agenciamento da comunicação social por grupos económicos, ou talvez por grupos políticos. É um sistema da comunicação que, muitas vezes, dá impressão de que os opinadores estão a falar uns para os outros e não para a população em geral, que as colunas de opinião parecem uma espécie de duelo entre comentadores. O comentário político não está a ter o seu papel de educação cívica, há debates interessantes mas entre minorias decisoras e não uma conversação com o público e, portanto, uma chamada à participação cívica. Não sei dizer quem tem a culpa disso, todos têm de fazer um exame de consciência da culpa que têm.
Nós temos um grande problema que é precisamente chegar à comunicação social. O Nós, Cidadãos! não chega ainda à comunicação social. Chega às redes sociais, onde temos alguma visibilidade, mas as redes sociais não estruturam um pensamento, dão alertas, canalizam emoções mas não estruturam um pensamento.
Concorda comigo se lhe disser que a Joana Amaral Dias é – para muitas pessoas – o rosto mediático do Nós, Cidadãos!. O partido precisava de mais Joanas?
Sem dúvida, ela foi a nossa candidata a Lisboa, não tivemos a prestação que desejávamos, talvez devido aos tais bloqueios da comunicação social. O que lhe posso dizer é que nestes grupos de cidadãos estão a emergir rostos anónimos para o grande público mas que têm uma presença local significativa. Por volta do 25 de Abril, vamos ter em Portimão o Conselho Nacional e um seminário de formação de autarcas. Apesar de tudo, temos 65 autarcas e um presidente de câmara.
Apesar de tudo, temos 65 autarcas e um presidente de câmara. o Bloco de Esquerda não tem nenhumJá é significativo para um partido com três anos.
Pois. Temos um presidente de câmara e o Bloco de Esquerda não tem nenhum. Somos capazes de criar núcleos que se identificam connosco.
Mais a nível local, ainda.
Sim, mas também pode ser em Lisboa ou no Porto, no futuro. O local por si tem a ver com proximidade. O que precisamos claramente é chamar essas vozes de participação.
Tendo o Nós, Cidadãos! nascido num período particular de austeridade, de contestação social e de contestação ao governo da Direita e tendo esse cenário mudado radicalmente nesta legislatura, não teme que seja, agora, ainda mais difícil captar eleitores?
A nossa experiência mostra o contrário, mostra que crescemos. Em 2015, tivemos qualquer coisa como 23 mil votos, o que é pequeno mas serve para nascer, mas concorremos a todos os concelho, 308. Agora, em 13 concelhos, tivemos qualquer coisa como 12 mil votos, se fôssemos extrapolar, teríamos qualquer coisa como 300 mil votos. É uma extrapolação artificial, mas o que é certo é que crescemos imensamente em termos de rácio de número de votos por concelho. E apostámos nesses porque era onde tínhamos meios para avançar. Sabemos e estamos convictos de que muito em breve vamos poder criar o que chamamos plataformas regionais, da grande região do Porto, de Lisboa, Açores e Madeira, e do Norte, Centro, Alentejo e Algarve.
Sabemos que o país vai precisar de uma reordenamento administrativo. Não usamos o termo regionalização porque esse termo cria fantasmas nas pessoas. Julgam que é, usando uma caricatura, criar oito Albertos João Jardins, oito parlamentos e oito governos regionais. Na verdade, nós até criámos um termo novo: regionamento porque achamos que as regiões não têm que ser todas uniformes. As regiões autónomas são o que são e vão continuar a ser. O que hoje se exige no regionamento é que os poderes regionais resultem de uma eleição, mas não têm de resultar de eleições regionais, podem resultar de autárquicas ou legislativas e não têm que ter poderes tão extensos como nas regiões autónomas.
Por exemplo, a região do Algarve tem orgulho próprio que podia ser aproveitado no bom sentido. Não tem que ser uma região autónoma, mas com autonomia para resolver os seus assuntos. Em breve iremos apresentar esses planos, que achamos que vai ser um contributo muito original e muito forte porque permite acabar com o fantasma dos regionalistas contra centralistas. As regiões não têm que ser uniformes, porque essa não essa não é a realidade do nosso país.
Viremo-nos para o ambiente político atual. Surpreendeu-o a Geringonça?
Não sei se gosto do termo Geringonça, inventado por um opositor. Corresponde àquela ideia portuguesa do desenrascanço. Não me surpreendeu. Estamos em contacto com a realidade europeia, são normalíssimos os governos de coligação resultantes do equilíbrio das forças partidárias. E não me surpreendeu por tudo o que já lhe disse, do descongelamento dos sistemas partidários e da falência dos sistemas cartel (do bloco central).
A habilidade política do dr. António Costa foi capaz de fazer descongelar esse sistema partidário e fazer, pela primeira vez na história portuguesa, surgir esse governo de Esquerda, em que só o PS é Governo mas que tem os apoios do Bloco de Esquerda e do PCP. Contudo, quem agora se começará a surpreender é o próprio BE e o PCP, porque há uma tendência magnética do PS, que neste momento é a grande charneira da vida política portuguesa, de chamar a si os eleitores dos partidos mais à sua esquerda. Viu-se isso agora nas eleições autárquicas, em que o PCP perdeu câmaras emblemáticas.
Os eleitores do PCP perceberam que não havia nele o radicalismo anterior. E o Bloco, de facto, tem propostas que do ponto de vista económico que não se afasta muito as social democracia, mas também tem um conjunto de causas fracturantes que os distinguem de outras forças partidárias. Acho inevitável o crescimento destas forças emergentes, onde eu espero colocar o Nós, Cidadãos!, porque vão ser parceiros de coligações eleitorais futuras da democracia portuguesa.
Até porque já se acabou o tempo das maiorias absolutas
A tendência parece ser essa. Ainda é cedo para falar, mas o que eu creio que não vai haver é a oscilação do bloco central. Desaparecendo o sistema partidário, ou seja, a imposição dos grandes partidos e a menorização dos chamados pequenos – a que eu chamo sempre emergentes - , fica em aberto o caminho para coligações mais alongadas.
Com que partido o Nós, Cidadãos! mais facilmente se coligaria?
Ponho a questão de outra maneira. O Nós, Cidadãos! foi formado por pessoas independentes que não tinham vinculação partidária, a maior parte. Mas atrai pessoas que vem quer do PS, quer do PSD, quer do CDS. Não obstante, tivemos candidatos que vinham de outras áreas, como seja do Bloco de Esquerda porque também no Bloco se encontram pessoas insatisfeitas com a oferta partidária corrente. A nossa mensagem política de bem comum está a ser afinada no sentido em que os tais ingredientes de social democracia, de liberalismo social e de democracia cristã permitam propostas inovadoras com base nos indicadores económicos, não os correntes, mas os que permitem às pessoas ver no Nós, Cidadãos uma alternativa.
Com que propostas, por exmplo?
Na questão do sobrendividamento das famílias e das empresas, por exemplo, achamos que devemos dar empoderamento e estamos a criar formas de fazer falar entre si as várias pessoas endividadas de forma a encontrar soluções conjuntas perante os seus credores. Achamos também que é importante falar na banca social, que é a banca que é transparente quanto aos seus depósitos, não investem em offshores, e isto cada vez mais corresponde à exigência das pessoas, saber onde os bancos aplicam os depósitos.
Estão na mesa, como sabe, aquelas questões do rendimento mínimo garantido. Temos muitas dúvidas que isso seja razoável porque achamos que o trabalho tem um valor moral para a pessoa, o trabalho não é só uma fonte de rendimento, é também uma fonte de realização.
Portanto, garantir rendimentos em trabalho, para nós, é uma ideia muito duvidosa. Mas garantir rendimento a quem já trabalha sem o ter, por exemplo, os estudantes que trabalham, quem faz voluntariado em instituições acreditadas e etc, todas essas formas, todas essas pessoas que estão a exercer cidadania, achamos que isso devia ser contemplado com o rendimento de cidadania.
Estamos a bater-nos por uma maior redistribuição do Orçamento do Estado, o que é uma ideia de Esquerda, mas que achamos que devemos usar. Por outro lado, achamos que as empresas têm que ser incentivadas – conhecida como uma ideia de Direita – porque as empresas são criadoras de riqueza. E em Portugal, uma boa parte das empresas são individuais ou pequenas e a legislação é muito punitiva. Poderia ser a sua vida facilitada e os seus impostos diminuídos. Isto faz parte das propostas económicas do Nós, Cidadãos!
Posso daí deduzir que não teria qualquer problema ideológico em coligar-se nem com partidos à Direita nem com partidos à Esquerda?
Sim, não fazemos apartheid político. Há partidos de extrema-direita que estão fora do nosso espectro, claro.
Relativamente a este novo PSD de Rio que não coloca de parte o regresso ao Bloco Central, como comenta?
Não comento. Fará parte da vontade interna do PSD que precisava de renovar o seu discurso.
O que lhe apraz dizer sobre a polémica em torno de Passos Coelho professor universitário?
Foi contratado como professor universitário convidado, não pertence aos quadros de nenhuma universidade, significa que tem uma remuneração equivalente a professor catedrático. As Universidades ou os Institutos que assim o entenderam têm autonomia para o fazer. Não creio que seja uma polémica, em muitos países é muito frequente convidar figuras públicas para lecionarem nessa qualidade de convidado.
A questão de fundo que me parece haver aí é que a democracia não se faz com inimigos e existe uma tendência preocupante para tornar o opositor político num inimigo , isso é o pior crime que se pode fazer em termos democráticos. A democracia faz-se em termos de competição, em que as eleições ditam vencedores e derrotados. Uma vez derrotado, deve dar-se o sinal cordato de ceder o poder a quem venceu. Passos Coelho por acaso não foi muito cordato nisso, não percebeu que os governos resultam de maiorias parlamentares, não esteve bem, porque em toda a Europa isso é uma evidência.
Mas, ao mesmo tempo, quem agora critica Passos Coelho por ter aceite ser docente convidado [risos] também não tem razão, porque está a tentar encontrar bodes expiatórios e até a ter uma atitude persecutória perante alguém que achou que devia abandonar a liderança de um partido. Não se deve nunca diabolizar os nossos adversários, aproveitando qualquer ato da sua vida para os tornar inimigos.