Numa entrevista exclusiva* ao Notícias ao Minuto, António Saraiva falou do estado das empresas portuguesas e da forma como 'resistiram' ao programa de ajustamento da troika e se reinventaram. Por outro lado, o presidente da CIP realçou que as dificuldades não estão ultrapassadas por completo, sendo fundamental adaptar o país ao mercado internacional e à concorrência, fatores em que o apoio do Governo é fundamental.
Depois de termos vivido três anos na presença da troika, como estão as empresas em Portugal?
Encontram-se melhor preparadas para enfrentar estes novos desafios que hoje o mundo nos apresenta, fizeram reestruturações, adaptaram-se à nova realidade, inovaram, desenvolveram novas metodologias, adaptaram-se a estas exigências cada vez maiores dos mercados. Mas, por outro lado, o aspeto negativo é que, apesar de tudo, o ambiente envolvente em que as empresas se encontram ainda é, diria, perverso, porque estão descapitalizadas, os capitais próprios são insuficientes, há uma necessidade de as recapitalizar e isso ainda não foi feito porque ainda não se encontrou a nível europeu e em Portugal um mecanismo que permita a sua recapitalização.
Sintetizando, houve aspetos de melhoria, em que as empresas, confrontadas com estes novos desafios, caíram na realidade e reestruturaram-se, modernizaram-se, inovaram e reinventaram-se. O aspeto negativo, este que ainda é envolvente, é o excesso de burocracia que encontramos, a falta de financiamento, a necessidade de capitalização, a procura anémica e os problemas de um mercado que é exigente e que traz complicações.
Podemos dizer que os tempos de ajustamento ainda não acabaram? Ainda estamos a sofrer com isso?
Podemos dizer que esses tempos ainda não acabaram, ainda estamos com reflexos não diria da troika ou do plano de ajustamento a que fomos obrigados, mas estamos ainda a viver um tempo de mudança, de alteração do modelo de desenvolvimento económico português, de desafios europeus e mundiais. Estamos, de facto, num tempo de turbulência da mudança que ainda está a ocorrer.
Por outro lado, sente-se que houve um novo impulso em relação a formas de negócio? Abriram-se portas a novos empreendedores?
De alguma forma sim, porque as dificuldades nas empresas que já existiam obrigaram a estas mudanças, levaram inevitavelmente a desemprego. Desemprego, algum dele indiferenciado e com skills baixos, mas também a desemprego qualificado. A capacidade e o espírito empreendedor de algumas dessas pessoas levaram-nas a desafiarem-se e a procurarem novos negócios, negócios próprios, pequenas empresas, pequenas unidades, negócios novos, diferentes. E as empresas que fizeram essa reestruturação e que também se viram obrigadas a aceitar estes novos desafios, as exigências cada vez maiores dos consumidores e, porque alguns mercados reduziram significativamente, fizeram com que as empresas tivessem de procurar novos mercados, inovar nos seus produtos e houve um impulso gerador de novos empresários e de novas atitudes nas empresas.
Tem falado muitas vezes de revolução tecnológica, como devemos ver este fenómeno e como preparamos as empresas e as pessoas para o que vem aí?
Nós estamos, de facto, com uma revolução tecnológica porque a informática e a digitalização das coisas, a internet das coisas, é de evolução muito rápida e tem trazido novos conceitos, novos métodos, novas práticas. Hoje temos máquinas a comandar máquinas, um conjunto de aplicações que facilitam, melhoram e inovam os produtos que as empresas já fabricam e por isso estamos a viver uma alteração tecnológica muito rápida. Esta revolução - e aquilo que estamos a viver agora e que o Governo, recentemente, lançou da indústria 4.0 - traz este desafio da digitalização de processos, de capacidade de fazer diferente. E, porque estamos nessa era, as empresas estão obrigadas a acompanhar essa inovação e a aceitar esse desafio.
Estamos, de facto, num tempo de turbulência da mudança que ainda está a ocorrerIsto traz enormes desafios de qualificação de recursos humanos, de formação desses mesmos recursos, de inovação de processos. Há aqui uma revolução em marcha a nível tecnológico, que as empresas têm vindo, umas mais velozes, outras menos, a fazer. Mas dir-lhe-ia que nos próximos cinco anos vamos assistir ao surgimento de tecnologias, maneiras de fazer os produtos e de aspetos tecnológicos que nos vão facilitar a vida por um lado, nos vão surpreender por outro, mas que encerram em si ameaças que é preciso que as comunidades e sociedades estejam preparadas.
Se este será um dos grandes desafios da economia portuguesa, quais serão os que se seguem?
Essa é a pergunta do milhão. Não sei, não sei responder a isso. Para já, diria que, sensatamente, aquilo que devemos fazer é acompanhar esta mudança que está em marcha, tentarmos ter o melhor domínio possível da informação. Se tivesse uma preocupação, como tenho, era que ninguém pensasse nem se instalasse comodamente. Independentemente do que o futuro nos reserva, se tivermos esse domínio da informação, quanto melhor informados estivermos, mais preparados estaremos para enfrentar o que quer que seja.
De que forma é que o Governo pode ajudar as empresas portuguesas a entrarem mais no mercado internacional? Por um lado, o que está a ser feito e, por outro lado, o que acha que podia ser mais bem feito?
Nós temos uma rede consular, temos as embaixadas, uma rede diplomática, a AICEP… Deve existir uma plena articulação, que tem vindo a ser feita nos últimos anos mas que tem de ser mantida e melhorada, entre o trabalho da AICEP e o trabalho diplomático, lubrificando canais comerciais, ajudando as empresas a conhecerem melhor os mercados, disponibilizando informação, acompanhando as empresas, promovendo nas missões empresariais, não limitando. Temos de especializar mais essa rede, quer da AICEP, quer a rede diplomática, juntamente com as associações empresariais.
Nos próximos cinco anos vamos assistir ao surgimento de tecnologias, que nos vão facilitar a vida por um lado, nos vão surpreender por outro, mas que encerram em si ameaçasAtravés do conselho estratégico para a internacionalização, num diálogo entre os departamentos governamentais e as associações empresariais, darmos às empresas melhores mecanismos e neste diálogo levar informação mais trabalhada ao Governo para, de uma forma mais cirúrgica, trabalharmos aquilo que são as limitações ou falhas do mercado que existem.
Penso que há aqui um trabalho que reconheço que tem vindo a ser feito mas que deve ser melhorado e é por aí que as coisas devem evoluir.
No sentido inverso, como é que os investidores estrangeiros olham para Portugal?
Neste preciso momento acho que há alguma desconfiança porque, lamentavelmente, o Governo em funções, no início, deu alguns sinais que não foram, na minha perspetiva, os mais corretos. Quando fez as reversões que fez e anunciou outras, quando tomou algumas medidas como a questão da TAP, das 35 horas na Função Pública, quando disse que iria reverter algumas leis laborais… Enfim, mais do que o efeito desta ou daquela medida, o efeito reputacional foi fundamental pela negativa porque deu aos investidores um sinal de apreensão de estabilidade das medidas.
Portugal tinha feito, no governo anterior, uma reforma do IRC com o acordo do governo de então, suportado pelo PSD e CDS, mas também com o acordo do PS. Pouco tempo depois essa reforma do IRC era posta em causa e este Governo agora congelou-a, digamos assim, e estes sinais de se tomarem medidas, de se legislar e depois se anular a legislação, de produzir nova legislação, esta instabilidade que se dá aos investidores… Aquilo que os investidores mais querem é a estabilidade das políticas, fiscal, legislativa, laboral e essa estabilidade deve ser dada por um período temporal que vai para além de uma legislatura. Um investimento de milhões de euros exige essa estabilidade e nós temos de dar aos investidores confiança e estabilidade nas políticas e sermos um país atrativo do investimento, quer do estrangeiro, quer do nacional.
Reconhecendo que temos melhorado alguns aspetos, hoje ainda não somos vistos no radar da atratividade como um país muito atrativo do investimentoE como somos atrativos? Dando previsibilidade fiscal e uma taxa de IRC que seja comparável com outras geografias, estabilidade laboral, tendo leis que sejam duráveis, tendo uma justiça que funcione, desburocratizando. Temos um conjunto de aspetos que para o radar da atratividade do investimento têm de ser melhorados. O investidor olha para as outras opções que os outros países lhes dão e Portugal tem de ser minimamente comparável, tem de ter vantagens competitivas e melhorar estas variáveis.
*Pode ler a segunda parte desta entrevista aqui e a terceira parte aqui.