O tempo é de convergências, diz a líder do partido ecologista Os Verdes, Heloísa Apolónia, em conversa com o Notícias ao Minuto. E a CDU, fruto da coligação com o PCP, defende, foi visionária nisso. Agora, até contribui para outras convergências - que deram origem à 'Geringonça', designação com a qual não alinha, mas cujo desempenho considera ter "nota positiva". Tem, porém, a certeza de que, sem os acordos que sustentam o Governo, teríamos um PS "igual a si próprio", compactuante com a Direita, com a União Europeia e com políticas de austeridade.
Como é que a Heloísa reage quando dizem ou dão a entender que os Verdes são um partido 'verde por fora e vermelho por dentro', relativamente à coligação com o PCP?
Normalmente, da experiência que tenho aqui nos debates parlamentares é que esse argumento é usado quando já não há mais argumentos, como último recurso, quando as pessoas já estão muito irritadas. Como sei como funcionam os Verdes, não fico beliscada por causa disso. E sei o que é a CDU. É uma coligação entre dois partidos que mantêm a sua própria autonomia, mas que conseguem encontrar determinadas posições em certos aspetos essenciais que convergem. E convergindo, consideramos que mantendo as nossas posições autónomas e até divergentes nalgumas matérias, conseguimos prosseguir um caminho em conjunto para questões essenciais ao desenvolvimento do país. E juntos teremos mais força.
Tem sido uma coligação durável... Qual o segredo?
Tem sido de facto uma coligação durável porque se tem feito um balanço positivo da coligação e esse balanço só resulta da autonomia que os projetos têm. Se um absorvesse o outro, se procurasse abafar o outro, nem valia a pena, nem sustentava esta coligação, não resistia. Costumo dizer, e não o digo com base em nenhum estudo concreto mas sim com a perceção que tenho das campanhas eleitorais, a CDU não significa que 1+1 são dois, mas sim que 1+1 são 2,2; 2,3, qualquer coisa mais do que dois. Há muita gente que chega à CDU, que não é filiada no PCP, nem nos Verdes, e entende que a CDU é um espaço mais aberto, um espaço de convergência à Esquerda, onde as pessoas são muito mais do que um.
A CDU acrescenta, mas não é da perspetiva do voto, é da perspetiva da força que podemos ter das posições que temos. Os tempos são de facto de convergência e acho que a CDU já percebeu isso há muito tempo, e agora demos outro contributo para outras convergências nesta legislatura
Para a formação da 'Geringonça', concretamente...
Não gosto muito do termo [risos]...
Como é que foi o processo que levou a que se chegasse a acordos com o PS que permitiram a António Costa ser efetivamente primeiro-ministro?
A primeira questão que nós colocámos em cima da mesa foi: como é que nós arrumamos, deixamos para trás a política que o anterior governo prosseguiu de brutal austeridade? Como é que nós revertemos isso? A posição conjunta começa a detalhar-se sobre a questão da devolução dos salários, da questão do IVA na restauração, dos apoios sociais, enfim, um conjunto de matérias que consideramos importantes para vir a dinamizar a nossa economia interna que estava completamente liquidada pelo anterior governo. E essa componente era preciso dinamizar para não ficarmos completamente dependentes do exterior. Mas não só por isso, para promover também a qualidade de vida das pessoas, porque houve famílias que ficaram completamente arrasadas, desempregadas, com salários cortados. Naquilo que diz respeito aos Verdes, temos uma posição conjunta que não tem de ficar toda feita na primeira sessão legislativa. Está uma parte realizada, outra parte está em construção. E esse é o nosso ponto de partida sempre para as conversas. Procuramos sempre contribuir para o melhor.
Que balanço faz desta solução de governo de união das esquerdas?
Dou nota positiva às posições conjuntas, às medidas que foram implementadas decorrentes das posições conjuntas. Se lhe dissesse que o Verdes concordam em tudo com o Governo, estaria a mentir-lhe. É claro que não gostamos quando o PS vota contra projetos de lei dos Verdes.
Se a Esquerda não se tivesse unido, tenho a certeza absoluta do que estou a dizer, teríamos um PS sozinho, igual a si próprio, como tem sido noutros governos, que cederia muito facilmente à União Europeia, e sempre ligado à Direita. Foi isso que sempre fez. Repare como esta força à Esquerda puxa o Governo para o rumo certo. É isso que temos estado a fazer, exatamente aquilo com que nos comprometemos com os nossos eleitores na campanha eleitoral
Foi esta sempre a nossa parangona, ter força bastante no Parlamento para influenciar políticas governativas. É por isso que o PSD diz "mas vocês só estão a reverter". Claro, reverter era fundamental. A não reversão levaria a consequências desastrosas. Dou-lhe um exemplo, Maria Luís Albuquerque, a determinado momento, disse: "Se eu fosse ministra a questão das sanções não se colocaria" e sabe porque é que eu acho que ela disse isso? Porque já tinha apresentado um pacote de austeridade para a Comissão Europeia se calar. Ou seja, o que ela quis dizer com isso é que "eu já teria calado a Comissão Europeia, porque apresentaria um pacote brutal de medidas de austeridade". Agora repare, como é que nós e os portugueses em geral estaríamos se aquela gente voltasse a ser governo. Felizmente os portugueses determinaram que não.
A questão das sanções foi muito mediatizada em Portugal, nomeadamente colocada nos termos da responsabilização dos partidos, do que governa e do que antecedeu este Governo. De quem é afinal a culpa?
Neste caso, a responsabilidade foi claramente da União Europeia. Parece que anda a brincar connosco.
A Comissão Europeia faz parte da troika, a troika exige o prosseguimento de determinadas políticas. O PSD e o CDS são os protagonistas perfeitos porque, com grande satisfação, percorreram aquele caminho todo da troika, que era aquilo que achavam bem. E agora, face aos resultados atingidos, vêm dizer que podemos levar com sanções. Acho que de facto a União Europeia está na lama
Na primeira oportunidade, depois do Brexit, que a União Europeia tem para provar aos povos que não está a governar contra os povos, não aproveita essa oportunidade. Pura e simplesmente demonstra e continua a demonstrar que está na lógica dos números pelos números, parece quase um jogo, e não quer saber dos povos. Mas no caso da França, país que mais vezes não cumpriu as metas do défice, a questão não se coloca. Que justificação tem este facto? Porque a lógica dos números é só para quem lhes apetece... Eles acham que a França é a França e isso é outra demonstração como a União Europeia está na lama. Este assumir sem nenhuma vergonha de que há distinção e de que não há igualdade entre os Estados. Acho que atingiu mesmo o ponto da lama.
Sobre a recapitalização da Caixa Geral de Depósitos, qual é a posição dos Verdes?
Nós não estamos na Comissão de Inquérito à Caixa Geral de Depósitos (CGD), mas aquilo para que podem contar com os Verdes é para a credibilidade da CGD e para manter evidentemente e inquestionavelmente o banco público. Sendo um banco público, significa que o Estado é acionista e é o Estado quem tem de o capitalizar. Nesse sentido, apesar de não fazermos parte da Comissão, e consideramos inclusivamente que não era um bom contributo que se estava a dar com a Comissão para a própria credibilização da CGD, seguimos a questão com atenção e responsabilidade.
*Pode ler a segunda parte desta entrevista aqui.