A agressão de Marco Gonçalves ao árbitro José Rodrigues, no Rio Tindo-Canelas 2010 do passado fim de semana, chocou o país, mas, para Luciano Gonçalves, poderia (e deveria) ter sido evitada atempadamente.
O presidente da Associação Portuguesa de Árbitros de Futebol (APAF) analisou o episódio, em entrevista ao Desporto ao Minuto, assim como vários outros temas quentes da arbitragem portuguesa, como o vídeoárbitro, o caso dos vouchers ou a possível presença de um juiz luso no Mundial de 2018.
José Rodrigues é muito forte, não é isto que o vai tirar dos relvados
Tendo em conta o historial do Canelas, não se temia que um caso como o do último fim de semana pudesse vir a acontecer?
Esperar, não devemos esperar. Mas quando vamos alimentando os problemas e não os resolvemos, mais dia, menos dia, as coisas podem aquecer. É uma ação tão cobarde que nem me merece qualquer tipo de comentário a não ser que parte de uma pessoa que não faz falta nenhuma ao futebol, que se deve dedicar a qualquer coisa menos ao desporto. Mas não nos podemos focar apenas no Marco Gonçalves. Foi um problema que andou a ser alimentado e, efetivamente, deu nisto.
Poderia ter sido evitado?
Um problema destes tem de ser evitado quando ainda não é problema, quando é apenas aquilo que os nossos olhos veem. Se começamos a ter noção de que existem clubes que não querem jogar contra o Canelas, por que motivos forem, se existem várias situações de árbitros que não faziam o Canelas... Alguma coisa não estava bem. Naturalmente, isto não é nada o Canelas. Muito pelo contrário, até tenho pessoas amigas no Canelas. Mas, se aquela equipa estava a jogar de forma demasiado dura, fora do vulgar, tem de existir a coragem de penalizá-la. O problema tem de ser combatido à nascença. Ponto. Tem de existir coragem. Se calhar, teria sido preferível castigar um jogador ou dois durante umas semanas. Até para eles teria sido melhor a nível pessoal. O Marco Gonçalves agora terá problemas durante algum tempo desnecessariamente...
Isto pode vir a condicionar os restantes árbitros?
Os árbitros acabam por ser habituados a isto. Quando se tira o curso de árbitro, então em Portugal, está no ADN, sabe-se que há riscos. Agora, que isto vá condicionar os árbitros... Não acredito. Mas ninguém se pode sentir indiferente, é demasiado triste e todos os árbitros se sentem envergonhados. Por mais que um árbitro erre, não é assim que vamos minimizar os erros. Há órgãos competentes para isso.
Tem mantido contacto com o árbitro José Rodrigues?
Sim, desde a primeira hora.
Como é que ele está psicologicamente?
Estamos a falar de um dos árbitros mais experientes de Portugal. Tem mais anos de arbitragem do que alguns colegas que estão nos campeonatos profissionais. Tem muita experiência, já passou por várias fases do futebol português e, psicologicamente, é muito forte. Não é isto que o vai tirar dos relvados, muito pelo contrário. Ele quer fazer parte da solução e ajudar para que isto não volte a acontecer a nenhum colega. Mas claro que isto mexe com a família, com os filhos, com a esposa...
Que apoio lhe foi dado?
Foi-lhe dado apoio de amizade, mas também na parte burocrática. Fizemos logo questão de disponibilizar uma advogada da APAF para o acompanhar no dia seguinte em tribunal e no processo jurídico que irá ocorrer.
Alguns elementos do Canelas pertencem à claque da Seleção. Isso é algo a que a FPF deve estar atenta?
É uma questão que não me cabe opinar. Tem a ver com a Federação e ela saberá como gerir isso. É um não-caso.
Vídeoárbitro? Espero que nós, que somos um povo com muita chico-espertice, não venhamos a dar a volta ao contrário
O caso dos vouchers manchou a imagem da arbitragem?
Não manchou de forma nenhuma. Os árbitros nem sequer os utilizavam, não os condicionava. Convém percebermos sempre, e sem tomar qualquer partido, que é um não-problema. Não interessa se é um voucher, uma garrafa, uma viagem... Até pode ser uma caneta. O que interessa é a intenção com que as coisas são dadas. Dar uma pequena lembrança é algo que se faz em toda a parte do mundo. Agora, se se dá com segundas intenções, isso é que é grave e tem de ser condenado.
Com tanta desconfiança, a chegada do vídeoárbitro acaba por ser inevitável?
O vídeoárbitro é mais uma ajuda para a arbitragem. Os árbitros estarão sempre de mente aberta para tudo o que possa ajudar. Convém é ter noção de uma situação. As novas tecnologias só vêm ajudar a eliminar os erros em 25%. Convém as nossas mentalidades estarem preparadas para o facto de que continuarão a existir erros. Naturalmente, estamos muito satisfeitos com todas as tecnologias que venham ajudar a que a verdade desportiva nunca seja posta em causa.
Também tenho a esperança de que, dessa forma, exista menos contestação aos árbitros. Agora, espero que nós, que somos um povo com muita chico-espertice, não venhamos a dar a volta ao contrário. Não me surpreenderia nada que, nos programas televisivos, começássemos a pôr em causa quem é o vídeoárbitro, onde está, de onde vem, como está, quem vendeu as câmaras... Não me surpreende que se venha a dar a volta e a criar um novo problema.
Portugal não teve árbitros no Euro. Poderá ser diferente no Mundial?
Era um orgulho ter um árbitro presente no Mundial. Tudo iremos fazer, tanto a APAF, como a Federação, para que tenhamos o Artur Soares Dias no Mundial. Não nos passa pela cabeça que não esteja, mas não iremos pôr a cabeça na areia se não acontecer. Temos é de perceber porque é que ainda não sabemos se vai ou não. Não pode acontecer, numa arbitragem planeada, termos perdido pessoas como Olegário Benquerença, Pedro Proença, Duarte Gomes, Marco Ferreira, entre outros, e não termos uma retaguarda que nos salvaguarde. Perdemos árbitros do grupo de elite e não tivemos ninguém logo ali à porta. Não podemos facilitar nisso.
*Pode ler a primeira parte desta entrevista aqui.