Tatiana Calderón a um passo da F1: "Trabalho diariamente por esse sonho"

Há 44 anos que não vemos uma mulher na F1. Tatiana Calderón pode ser a próxima piloto feminina a fazer parte da grelha. É esse o objetivo, mas mais do que isso, é esse o sonho. Piloto de testes da Alfa Romeo Racing, a colombiana falou ao Desporto ao Minuto e recordou o seu percurso de Bogotá para o mundo.

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© Alfa Romeo

Ruben Valente
30/06/2020 08:33 ‧ 30/06/2020 por Ruben Valente

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Formula 1

Nasceu em Bogotá, na Colômbia, em 1993, e rápido descobriu a sua paixão: o automobilismo. Com apenas nove anos, Tatiana Calderón já dava os primeiros passos no karting e a ascensão fez-se a ritmo ainda mais acelerado. 

A piloto colombiana decidiu emigrar para os Estados Unidos com apenas 18 anos e, pouco depois, veio para a Europa atrás do sonho que sempre a motivou: chegar à Formula 1.

Numa entrevista exclusiva ao Desporto ao Minuto, em mais uma rubrica 'Dos 0 aos 100', Tatiana Calderón recordou connosco vários momentos-chave da sua carreira, desde a assinatura de contrato com a Sauber [agora Alfa Romeo] como piloto de testes na Formula 1, à sua passagem pela Formula 2 e as novas aventuras de 2020 na Super Fórmula, no Japão, e na European Le Mans Series.

O sonho (e objetivo) de fazer parte da grelha da F1 está bem presente e a verdade é que este ano pode ser decisivo nas aspirações da piloto colombiana, que deseja quebrar um 'enguiço' que já leva... 44 anos.

À medida que fui crescendo e começando a ganhar, a participar em categorias importantes, comecei a sentir mais que as pessoas faziam essa diferenciação por ser mulherFoi desde cedo que deste os primeiros passos no automobilismo, ainda nos karts. Como é que tudo começou?

Tudo começou quando tinha nove anos. Sempre adorei desporto e, antes dos karts, jogava futebol, ténis,  fazia equitação… Mas quando a minha irmã Paula me levou a uma pista de karts que havia perto da nossa casa, em Bogotá, apaixonei-me pela velocidade. Alugámos o kart por cinco minutos, mas adorei a adrenalina. Desde esse dia a minha paixão por este desporto foi crescendo.

Sentiste alguma dificuldade, ainda tão jovem, por seres uma menina entre os muitos meninos?

Na escola onde andei sempre joguei futebol desde muito pequena com os rapazes, porque não havia meninas suficientes que quisessem jogar. Tenho um irmão dois anos mais novo e estávamos sempre a competir em tudo, a nossa família nunca nos fez perceber que existiam diferenças entre meninos e meninas. Para mim não havia diferença nesses primeiros anos nos karts, mas à medida que fui crescendo e começando a ganhar e, a participar em categorias importantes, comecei a sentir mais que as pessoas faziam essa diferenciação por ser mulher. Acho que ainda não temos as mesmas oportunidades, como competir numa equipa de topo ou ter a credibilidade dos engenheiros. É algo que se tem de construir cada vez que se chega a uma nova equipa.

Em 2011 mudaste-te para os Estados Unidos e mais tarde para a Europa para poderes dar seguimento à tua carreira. Como viveste toda essa mudança na tua vida?

Foi especial, mas difícil ao mesmo tempo. Pela primeira vez estava dedicada ao automobilismo a 100% e estava também pela primeira vez a viver sozinha num país completamente diferente, sem conhecer muitas pessoas e longe da minha família. Foram meses difíceis, não sabia cozinhar e quando há grandes mudanças na vida custa bastante adaptares-te. Mas acho que foi graças a tudo isso que cresci como desportista e como pessoa. Em Espanha consegui adaptar-me com o tempo e hoje é um país que adoro.

Notícias ao MinutoTatiana Calderón ao lado de Robert Kubica (à esquerda), Antonio Giovinazzi e Kimi Raikkonen© Getty Images

A tua vinda para a Europa fez então com que mais tarde conseguisses entrar para a GP3 Series. Seguiu-se também a assinatura do contrato com a Sauber, equipa da Formula 1, para piloto de testes. Sentiste que o sonho de lá chegar estava mais perto?

Sim, sem dúvida sentes-te mais perto e ao mesmo tempo mais longe, porque sabes que falta o passo mais difícil. Mas graças à Alfa Romeo, na altura Sauber, pude cumprir um dos meus sonhos de conduzir um monolugar de Formula 1 e estar ligada a uma equipa de referência e com muita história no automobilismo mundial.

Conta-nos então como foi esse dia no México, em 2018, em que conduziste o C37 da Sauber. Quais foram as tuas sensações?

Foi o dia mais especial da minha carreira, sem qualquer dúvida! Sonhei e preparei-me durante toda a minha vida, desde os nove anos, para esse dia. Vivê-lo junto à minha família, que esteve lá, perto da Colômbia e tendo uma forte ligação ao México, foi sem dúvida um dia muito especial. Tudo foi perfeito, senti-me muito confortável com a equipa e agradeço ter tido esta grande oportunidade e o facto de continuar ligada à Alfa Romeo que continua a acreditar no meu talento.

A morte do Anthoine [Hubert] revelou-se o fim de semana mais duro da minha carreiraO ano passado entraste para o Mundial de Formula 2, a verdadeira antecâmara da F1. No entanto, a época não te correu de feição e não conseguiste somar qualquer ponto. Que dificuldades sentiste?

Foi uma temporada muito difícil para mim em todos os sentidos, mas a verdade é que desde o primeiro teste que fiz com a equipa não me senti confortável no carro. Tinha conduzido em Abu Dhabi antes, mas tinha sido com uma equipa diferente. Além disso, o meu engenheiro demitiu-se uns dias antes do primeiro teste e tudo ficou mais complicado num campeonato tão competitivo como é a Formula 2. Assim que o campeonato começa, se não estás confortável com o carro, é muito difícil encontrar bom balanço durante os fins de semana de corrida. Só tens duas voltas com pneus bons, tanto nos treinos livres como na classificação, então desenvolver o carro durante a época é quase impossível. Quando a temporada começou tivemos de contratar um engenheiro que não tinha experiência na categoria. Sinto que tenho muito mais para mostrar como piloto, mas infelizmente não tive as ferramentas necessárias para o fazer no ano passado.

Notícias ao MinutoTatiana Calderón a discutir posição com Mick Schumacher na Formula 2© Getty Images

Além do ano difícil a nível profissional, passaste talvez por um dos momentos mais traumáticos da tua carreira também no ano passado. O teu companheiro de equipa, Anthoine Hubert, morreu em plena corrida em Spa-Francorchamps, deixando em choque o mundo do desporto. Alguma vez te questionaste se tudo valeria a pena? O esforço, o perigo... corrida atrás de corrida?

Foi o fim de semana mais duro da minha carreira e, por isso, um ano muito complicado e duro em todos os sentidos. Questionas muita coisa quando algo assim acontece, acho que até agora nunca tive muito tempo para refletir com calma sobre tudo. Mas se aprendi algo é que temos de aproveitar cada momento de tudo o que fazemos, porque a vida é muito curta para não a aproveitar ao máximo. Questionar-me sobre o perigo do desporto que escolhi, fez-me pensar que é preciso desfrutar do que fazes, concentrares-te no presente e viver ao máximo cada dia, porque cada dia é uma nova oportunidade.

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Es muy duro decir adiós... Anthoine, se que desde arriba nos estarás acompañando Gracias por ser tan especial, siempre en nuestros corazones  . . It’s so hard to say goodbye... Anthoine you will always be with us, thanks for being so kind, forever in our hearts  #AH19 #racingforanthoine  @motorsportpics.de

Uma publicação partilhada por Tatiana Calderon (@tatacalde7) a 10 de Set, 2019 às 11:22 PDT

Como disseste anteriormente, ainda estás em busca do sonho de chegar à grelha da Formula 1 e desde 1976 que não há uma mulher num Grande Prémio. Gostavas de ser a piloto que termina com este dado relativo à falta de mulheres na categoria máxima do automobilismo?

Sim! Esse é o meu sonho e objetivo para o qual trabalho todos os dias. Acredito que podemos fazer muito por este desporto e espero que me possam dar a oportunidade de o demonstrar na Formula 1.

O próprio Lewis Hamilton já afirmou que era engraçado ver uma mulher na grelha da Formula 1 “dominar todos”, utilizando a sua própria expressão. Acreditas que isso seria algo importante para a identificação de várias jovens que gostam de automobilismo e para aumentar ainda mais o número de mulheres no desporto?

Às vezes é preciso ver para crer, e acho que nos faz falta uma mulher na F1 para ver que é possível, para que mais mulheres se inspirem e que mais meninas comecem a ver corridas e a gostar de automobilismo. Espero que eu possa ser essa mulher e que continuem a abrir-se as portas deste desporto para as próximas gerações. Estou também a trabalhar com a Comissão Feminina da FIA para promover o desporto entre as meninas que agora estão a dar os primeiros passos no karting e à procura de novas oportunidades.

No final da passada temporada abandonaste a Formula 2 para competir na Super Formula no Japão, onde serás a primeira piloto feminina a participar no campeonato. Quais são as tuas expectativas?

É uma oportunidade incrível que surgiu graças aos meus patrocinadores Bandero e Koe Music. Penso que a Super Formula é mais exigente que a Formula 2 e o carro é mais parecido a um F1. Para mim, tudo será novo, só fui ao Japão uma vez, é outra cultura, tenho que adaptar-me aos circuitos e a minha equipa é nova na categoria. Também não terei companheiro de equipa, o que faz com que seja um ano de muita aprendizagem, um grande desafio, mas tenho muita vontade de começar esta grande aventura.

Irás também participar no European Le Mans Series (ELMS), onde, pela primeira vez, estarás presente numa equipa só com pilotos femininos. O que esperas do campeonato?

Será um ano 2020 muito completo para mim e é outra grande oportunidade que nos deu a Richard Mille Racing Team. Contamos com um grande apoio técnico para poder demonstrar que quando nos dão boas ferramentas, podemos estar à altura de qualquer desafio. Tenho uma grande expectativa e vontade de começar este novo capítulo na minha carreira. Além disso, qualquer piloto sonha em competir nas 24 Horas de Le Mans, por isso estou muito ansiosa! O nível dos pilotos no ELMS é muito alto, o que será um desafio. Terei de ir aprendendo mais e mais sobre as corridas de Resistência que são outro mundo, mas mal vejo a hora para começar.

O último evento do ELMS será em Portugal, em Portimão, em novembro. Qual é a tua opinião do Autódromo Internacional do Algarve?

Gosto muito de Portugal e já tive oportunidade de estar aí em várias ocasiões quando competi na Euro Formula Open no Algarve. É uma zona muito bonita e um circuito muito exigente devido às mudanças de altitude e ao desnível do circuito. Tem também muitas curvas cegas que, para um piloto, o torna ainda mais desafiante. Será a minha primeira vez com um LMP2 no circuito e já não corro no Algarve há muitos anos, portanto tenho muita vontade de regressar e se possível festejar um bom lugar no final do campeonato!

Tens ainda muitos anos de carreira pela frente, mas se te perguntasse onde te verias, por exemplo, daqui a três anos... Qual seria a tua resposta?

O que mais gosto é de estar a competir, por isso espero estar em grandes campeonatos como a Formula 1, a Formula E, o WEC, a Super Formula ou o Super GT. Poderia continuar a apontar nomes de campeonatos, porque realmente só me vejo a fazer o que mais gosto: competir nas pistas.

Notícias ao MinutoTatiana Calderón irá correr pela Drago Corse na Super Fórmula no Japão© ThreeBond Drago Corse

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