Tem-se assistido cada vez mais ao aumento da procura de habitações fora das grandes cidades, em consequência da pandemia e do aumento, por exemplo, do teletrabalho, que, por sua vez, fez subir a procura por espaços de lazer e trabalho na própria habitação. Ainda assim, o setor atravessa uma "grande dificuldade." De acordo com o arquiteto João de Sousa Rodolfo, CEO e fundador da Traçado Regular, "a procura de terrenos subiu exponencialmente, levando à quebra de lotes disponíveis para construções de habitações nas periferias, sobretudo da Grande Lisboa." Isto significa que "a oferta disponível de lotes para (construir) casas está quase esgotada", revela o arquiteto em entrevista ao Casa ao Minuto.
Segundo João de Sousa Rodolfo, "a nova lei de bases gerais da política pública de solos, de ordenamento do território e de urbanismo (Lei 31/2014), com as consequências que impõe aos planos de âmbito municipal, não augura nada de bom neste capítulo." Ou seja, "os novos loteamentos para moradias, habitualmente desenvolvidos nas zonas de baixa densidade situadas nas periferias urbanas, em espaço urbanizável, vão estar sujeitos a uma tramitação legal muito complexa e morosa, pelo que será difícil no futuro encontrar um lote para construir uma moradia."
Mas quando questionado sobre quais foram os principais desafios que o setor enfrentou, João de Sousa Rodolfo destaca "dois efeitos positivos na atividade."
"O primeiro diz respeito ao reconhecimento por parte dos clientes que o 'habitar' não deve tratar apenas da questão funcional, isto é, dormir, comer, socializar, mas também de uma psicologia do espaço resultante de uma maior permanência. O segundo (recai sobre) o reconhecimento que o teletrabalho possibilita o estabelecimento da habitação fora dos grandes centros urbanos, o que se traduziu num aumento significativo da procura de moradias na periferia dos centros urbanos e, consequentemente, numa maior encomenda para nós", declara o fundador da Traçado Regular ao Casa ao Minuto.
Contudo, o setor não tem conseguido dar resposta. Nas palavras do CEO, "tudo nos processos de urbanização e edificação é extremamente lento, fruto de uma legislação complexa, contraditória e totalmente desadequada à nossa realidade. E uma mutação brusca como a que vivemos, nunca é acompanhada de uma reação igualmente rápida do enquadramento legislativo."
Acrescenta ainda João de Sousa Rodolfo que, "por outro lado, qualquer reação que se esboce neste momento, por parte de investidores, só terá consequências dentro de 2 ou 3 anos, na melhor das hipóteses, fruto da morosidade processual das operações urbanísticas."
Recorde-se que faz parte do Plano de Resiliência e Recuperação (PRR), a divulgação do património habitacional público. Para o arquiteto, "a eventual reabilitação deste património poderá vir a resolver um outro problema dentro dos grandes centros urbanos."
Este é um problema que quer o Estado quer os municípios têm ignorado e que urge ser resolvido
Note-se que o património habitacional público concentra-se nos grandes centros urbanos, sob a forma de edifícios de habitação coletiva. Ou seja, trata-se de fogos para um mercado totalmente diverso do que procura lotes para moradias. E "o acesso a habitação a custos acessíveis por parte de uma população que, dadas as circunstâncias atuais de mercado, perdeu de todo a possibilidade de comprar ou sequer arrendar uma casa", faz sobressair o fundador da Traçado Regular.
Ainda assim, "este é um problema que quer o Estado quer os municípios têm ignorado e que urge ser resolvido", revela o arquiteto em entrevista.
Para o mercado no pós-pandemia, o fundador da Traçado Regular espera que "deverá traduzir-se num período de grande prosperidade no setor, sobretudo com o reforço do investimento estrangeiro."
Porém, "a mutação legislativa é lenta e realizada por entidades que não vivem diariamente a realidade do imobiliário (promoção, projetos, construção). Se entre a iniciativa da promoção imobiliária e a sequência de projetos, aprovações e construção medeiam 3 a 5 anos, na alteração legislativa teremos de esperar muito mais e, sobretudo, não podemos ter grandes esperanças relativamente a sua completa adequação à realidade", explica o arquiteto.
Sendo que para contornar esta problemática, João de Sousa Rodolfo sugere que "essa mutação deveria passar em primeiro lugar por procedimentos mais céleres das entidades licenciadoras, com o estabelecimento da concordância tácita findo o prazo de apreciação previsto na lei, o que encurtaria em anos o retorno dos investimentos e dinamizaria fortemente a economia."
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